Lava jato

Denúncias revelam contradições sobre prisões preventivas e delação premiada

Para procuradores, intenção não é forçar a confissão e sim ‘corroborar a delação’. Já magistrado do STF e juristas falam em ‘atropelamento de normas’ e ‘insegurança jurídica'

anpr/divulgação

Robalinho defendeu a delação e disse não ver problemas num instrumento “utilizado com êxito em vários países”

Brasília – Depois das acusações feitas pelo dono da UTC, Ricardo Pessoa, de novos nomes envolvidos no escândalo da Petrobras, que está sendo apurado pela Operação Lava Jato, os instrumentos da delação premiada e da prisão preventiva voltaram a ser colocadas em xeque hoje (29) por magistrados e representantes do Ministério Público. Por um lado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello disse que é preciso cuidado para garantir a segurança jurídica quando forem observadas questões chamadas por ele de “atropelamento de normas”. Por outro, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, defendeu a delação e disse que não vê problemas num instrumento que “é utilizado com êxito em vários países”.

Em entrevista concedida ao jornal Estado de S. Paulo, o ministro Marco Aurélio destacou que a segurança jurídica deve prevalecer e criticou o “afã muito grande” de delações premiadas e prisões preventivas observadas atualmente. Segundo o magistrado, as delações premiadas deveriam ser “um ato espontâneo”, o que, para ele, não tem acontecido no caso da Lava Jato. Além disso, afirmou que a prisão preventiva deveria existir como exceção e não como regra.

O presidente da ANPR disse que considera a delação um instituto legal que “não tem motivo para ser criticado”. José Robalinho Cavalcanti lembrou que as delações foram autorizadas pelo Judiciário e, no caso da Lava Jato, têm sido acompanhadas por um dos ministros mais técnicos do STF, Teori Zavascki. Disse que não vê falhas no procedimento.

Em novembro passado, outro procurador da República, Manoel Pastana, defendeu a manutenção das prisões preventivas em réus da Lava Jato, ressaltando em seu parecer que “a conveniência da instrução criminal se mostra presente na possibilidade de a segregação influenciar o réu na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade”.

O procurador afirmou, depois, em entrevista ao Consultor Jurídico, que jamais defendeu a prisão provisória como forma de forçar os investigados a confessar ou colaborar com a investigação e sim, como forma de “corroborar a delação premiada”. “Isso é diferente de ‘forçar a confissão’, mesmo porque a delação é um instituto legal, previsto em diversos textos de leis”, explicou. Mas o assunto desde então suscita um debate que está longe de acabar.

‘Ilegalidade consubstanciada’

Para o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Guilherme Batochio, a prisão preventiva representa “ilegalidade, consubstanciada na instrumentalização da prisão processual para o fim de se arrancar confissões ou delações premiadas”.

Já o professor doutor em processo penal Aury Lopes Jr é da opinião que a decretação dessas prisões tem sido utilizada como “um meio de constrangimento situacional para obtenção de confissões ou delações premiadas, que posteriormente serão usadas como provas”. Recentemente, ele chamou a técnica de “uma releitura do modelo medieval, em que se prendia para torturar, com a tortura se obtinha a confissão, e, posteriormente usava-se a confissão como a rainha das provas”.

O jurista Miguel Reale Junior também já declarou que o Ministério Público erra ao justificar o pedido nessa perspectiva. “A prisão preventiva não pode se justificar como instrumento de pressão para ser feita delação”, comentou.

Outro jurista que se posiciona contrário ao instrumento é o especialista em Direito Processual Penal e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado. Segundo ele, questões como essa podem comprometer toda a investigação, de cuja importância ninguém duvida.

“No lugar de defender a ordem constitucional, que presume inocente o acusado e o protege contra iniciativas que visam constranger a produzir confissões – que podem não corresponder à verdade, como está provado na boa literatura –, o MPF prega o emprego da prisão provisória como método destinado a burlar a garantia que tem o dever de resguardar. Iniciativas do gênero desacreditam o processo penal e, ao contrário do que postula o MPF, podem levar ao comprometimento da própria investigação”, acentuou Prado.

Procurados na manhã de hoje pela RBA, durante o debate realizado na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR) entre os candidatos ao cargo de procurador-geral, a maioria dos procuradores – com exceção do presidente da ANPR, que falou em nome da instituição – evitou dar declarações sobre o tema. Eles argumentaram que não consideram compatível com as funções que exercem fazer qualquer manifestação sobre a operação em curso.