Reforma política

Para entidades, financiamento privado de campanhas leva a ‘antidemocracia’

Debatedores criticam demora do STF para julgar ação que pede inconstitucionalidade de doações de empresas. Para integrantes da sociedade civil, projetos em discussão não corrigem distorções

Gabriela Korossy/Câmara dos Deputados

Propostas do Congresso trazem mudanças cosméticas; no STF, Gilmar Mendes barra conclusão se processo

Brasília – Financiamento privado, deficiências de fiscalização e o alto custo das campanhas eleitorais foram os temas que nortearam debate sobre reforma política, realizado nesta terça-feira (3) pela Câmara dos Deputados. Na segunda etapa da programação, os debatedores se dividiram entre parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil, que apresentaram críticas e defesas ao patrocínio dado pelas empresas aos candidatos em épocas de eleição, mas tiveram em comum o reconhecimento de que é necessário atualizar o atual sistema.

A deputada Moema Gamacho (PT-BA), uma das primeiras a falar, disse que o financiamento privado pode não ser a única causa da corrupção, “mas é um instrumento de troca de favores no sistema político”. Ela lembrou da ação de inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil sobre o tema, que está desde o ano passado no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardando votação definitiva – o julgamento parou desde que o ministro Gilmar Mendes decidiu, há dez meses, protelar a apresentação da matéria com um pedido de vista. O voto de Mendes não pode mais alterar o placar já favorável à ação da OAB, 6 a 1 (de um total de dez votos), mas ele é necessário para que o processo caminhe para o fim.

A deputada foi acompanhada, no seu argumento, pelo representante do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) Carlos Moura. Moura afirmou que o poder econômico distorce o sistema político e faz com que, ao contrário do que prega a democracia, não seja emanado do povo. “Empresas bancam a fatura da eleição. Podemos dizer que, desta forma, o poder emana do povo?”

O integrante do MCCE também posicionou-se contrário à ideia de voto distrital, discutida no período da manhã e defendida pelo relator do grupo que estuda as propostas de reforma política na Câmara, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI). Em sua opinião, o voto distrital “apenas vai fortalecer currais eleitorais”.

Prioridade da discussão

O secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Souza, destacou que o financiamento de campanhas precisa ser prioridade na discussão sobre a reforma política e ressaltou que a OAB prega um financiamento democrático, “no qual o cidadão possa contribuir individualmente com as campanhas”.

Em contraponto, chamou a atenção o deputado Renato Molling (PP-RS), que propôs a unificação das eleições em todos os níveis como forma de melhorar a eficiência do emprego de recursos públicos. “Sem falar que isso baratearia as campanhas”, frisou. Molling disse que não concorda com os colegas que criticam o financiamento privado. “Não vamos nos iludir. Defendo os setores empresariais porque estes geram muitos empregos e hoje, consistem na maneira que temos de fazer campanha”, afirmou.

O deputado Afonso Hamm (PP-RS) sugeriu que passe a existir, com a reforma política, uma limitação e maior fiscalização desses patrocínios às campanhas eleitorais. “O financiamento privado precisa ser vetado porque é antidemocrático. Com campanhas limitadas, saberemos se há ou não exagero. No eixo fundamental precisa estar a transparência desse financiamento. Por isso é importante impor limite para os gastos eleitorais”, enfatizou ele.

Mendes Thame (PSDB-SP), por sua vez, afirmou que dois grandes defeitos do atual sistema eleitoral são, além do alto custo das campanhas, o grande número de partidos políticos. Thame disse ser contrário à proposta das entidades sociais que sugere a substituição do financiamento privado pelo público. “É o voto distrital que vai resolver essa questão, não o fim do financiamento privado. Vai, inclusive, aproximar mais os eleitores dos eleitos”, argumentou.

Para o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Marcelo Lavenère, observa um esgotamento do atual modelo eleitoral e no enfraquecimento da representação política no Brasil. “O sistema parece ter esgotado sua capacidade de organização social e não atende aos anseios da população”, salientou.

A audiência pública foi programada com o intuito de dar continuidade ao debate sobre as matérias legislativas referentes ao tema, que estão sendo tratadas pela comissão especial criada para analisar as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 344 e 352, de 2013.

Para representantes das organizações da sociedade civil, no entanto, os projetos que vêm sendo discutidos no âmbito do Legislativo estariam mais para uma “antirreforma”, uma vez que sugerem mudanças consideradas “cosméticas” e não tocam no que consideram o principal ponto a ser atacado numa reforma política: o peso do poder econômico desequilibra as eleições e distorce a representatividade.

As ideias que consideram mais avançadas estão no Projeto de Lei (PL) 6.316/13 – este último, enviado ao Congresso por entidades da sociedade civil, que também fez debates desta terça. Setores dos movimentos sociais defendem, ainda, que a população decida, por meio de plebiscito, sobre a convocação de uma constituinte eleita exclusivamente para fazer a reforma política – justamente em função da falta de representatividade do atual Congresso.

Leia também

Últimas notícias