Na Câmara

Terceirização garante primeiro embate do ano entre trabalhadores e empresários

Centrais, base aliada e até governo estão mobilizados no convencimento a deputados para o risco de precarização caso o PL 4.330 passe como está, mas lobby do empresariado é forte pela aprovação

cut/arquivo

Ponto central da questão é o artigo número 4, que estabelece a terceirização para os trabalhadores de todas as atividades

Brasília – O primeiro embate concreto no Congresso Nacional entre os representantes dos trabalhadores e o empresariado está programado para acontecer em abril – no próximo dia 7, caso não seja acertado um adiamento da data – e consistirá num jogo de forças apertadíssimo para as centrais, a base aliada do governo (que apoia o pleito dos sindicalistas) e os trabalhadores. Trata-se da votação do Projeto de Lei 4.330, de 2004, que regulamenta a atividade de terceirização no país. A tramitação do PL do ex-deputado e empresário Sandro Mabel foi interrompida várias vezes, mas agora o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), garante que o texto será votado.

Na prática, de um lado está a chamada bancada dos trabalhadores, formada por 51 deputados, bem menor que a da legislatura anterior. Do outro, 220 deputados que integram a bancada empresarial. Numa situação tão desproporcional, as centrais sindicais e parlamentares que pertencem a outras legendas e se colocam como independentes destas duas frentes têm seus votos amplamente disputados. O ponto central da questão – entre outros itens tidos como prejudiciais para os trabalhadores – é o artigo número 4, que estabelece a terceirização para os trabalhadores de todas as atividades.

As centrais e entidades que as apoiam defendem apenas a terceirização da atividade-meio, porque pela redação atual, após sua aprovação, todas as empresas poderão contratar quem desejarem nas mais diversas funções, de forma terceirizada. Caso isso aconteça, conforme vários estudos, os custos para estas empresas poderão ter significativa redução, mas ao mesmo tempo, estão previstas tanto perdas na arrecadação da Previdência Social como a consequente precarização de serviços e de direitos dos empregados.

Com o anúncio feito no final de fevereiro por Eduardo Cunha, de que irá colocar o PL na pauta do plenário para votação no próximo dia 7 de abril, as estratégias começaram a ser montadas. O relator da matéria, deputado Arthur Maia (SD-BA), ficou de conversar com os representantes das centrais no início da próxima semana (em data a ser marcada na segunda ou terça-feira) para discutir alguns pontos do texto que poderá ser alterado. Mas ele já afirmou que não abre mão de mudança na data de votação em plenário.

Poucos dias atrás, Maia foi chamado para uma conversa reservada com o secretário-geral da Presidência da República, ministro Miguel Rossetto, que lhe fez um apelo para que ouvisse mais uma vez as centrais e concordasse ou com o adiamento da votação – de forma a proporcionar mais tempo para a discussão da matéria – ou para negociar a mudança de alguns itens no texto. Com o encontro ele concordou.

Sem protelações

A pessoas próximas, o relator tem dito que está há muito tempo com o projeto e não aceitará mais que o assunto seja protelado. Mas para não demonstrar ser irredutível ao Palácio do Planalto, está disposto a ouvir mais uma vez os representantes das centrais. Nas entrevistas que concede sobe o assunto, o relator costuma ser enfático ao dizer que existem milhões de trabalhadores terceirizados no país e que estas pessoas não possuem, até hoje, uma lei que defende seus direitos. Ele já destacou que, a seu ver, ao invés de ser um projeto que retira direitos, o PL consiste na verdade no que será “uma lei de proteção a estes trabalhadores”.

“O que existe é um vazio legal em que as empresas são abertas, colocam terceirizados com empregados e quando têm algum problema, os donos somem no mundo deixando uma dívida imensa com estas pessoas, que ficam sem qualquer garantia. Ao contrário do que tem se falado, o PL 4.330 representa a criação de salvaguardas”, acentua.

A situação não é bem assim, de acordo com dados de entidades como o Diap, o Dieese, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça Trabalhista (Anamatra) e até o Tribunal Superior do Trabalho (TST) – onde 18 ministros se posicionaram oficialmente contrários ao texto.

‘Rebaixamento de direitos’

O deputado Vicente Paulo da Silva (SP), o Vicentinho, ex-líder do PT na Câmara, tem feito vários alertas e discursos no plenário sobre o tema desde que Eduardo Cunha anunciou a colocação do projeto de lei na pauta. “O PL 4.330 é sinônimo de rebaixamento dos direitos trabalhistas”, disse. Segundo ele, o projeto “regulariza a precarização nas relações de trabalho e elimina garantias para o trabalhador, como a aposentadoria, FGTS, férias e 13º salário, entre outras”.

O deputado divulgou no Congresso, no início do mês, a cartilha intitulada Terceirização e Desenvolvimento: uma Conta que não Fecha, elaborada em parceria entre Dieese e CUT. “A cartilha mostra bem que o PL 4.330/04 é sinônimo de rebaixamento dos direitos trabalhistas e de mais riscos de acidentes de trabalho”, acrescenta. Ele propôs a criação de um grupo com a participação de parlamentares, trabalhadores e empresários com o intuito de se buscar uma solução negociada para a regulamentação da terceirização, antes da matéria ser colocada em apreciação no plenário.

Além de Vicentinho, as críticas ao PL também soam por parte de outros deputados.  “Entendemos que a proposta regulamenta a terceirização e não queremos impedir isso. O problema é a forma como essa regulamentação é feita. A inclusão da atividade-fim, para nós, é completamente absurda”, afirma o deputado João Ananias (do PCdoB-CE). “Temos que distinguir a terceirização da oposição ao PL 4.330. Não somos contra a terceirização, e sim que ela aconteça em todas as atividades das empresas. Isso só vai ser bom para as empresas”, diz o deputado Amauri Teixeira (PT-BA).

Reforma precarizante

Em tom duro, o presidente da Anamatra, Paulo Schmidt, enfatizou que o projeto “vai acabar produzindo uma reforma trabalhista precarizante e comprometer o futuro do Brasil”. Segundo dados da entidade, já existem 11 milhões de trabalhadores terceirizados entre os 43 milhões de empregados formais no país. “A aprovação desse projeto significa uma reforma trabalhista jamais pensada pelo mais radical dos liberais”, ressalta.

Schmidt chama a atenção para o fato de que, caso não sejam estabelecidas regras claras para proibir a terceirização dos trabalhadores responsáveis pela execução de atividades fins das empresas, o projeto de lei gerará um cenário em que o Brasil poderá ter diversas empresas sem empregados. “Ao admitir a subcontratação, a proposta também poderá acabar permitindo a ‘quarteirização’ e a ‘quinteirização’”, afirma.

Conforme o presidente da Anamatra, “a responsabilidade pela mão de obra vai se diluindo para, ao fim e ao cabo, não haver responsabilidade nenhuma”. De acordo com ele, a maioria dos processos judiciais que os trabalhadores vencem, mas não conseguem executar a sentença, é movida por trabalhadores terceirizados. “Para o juiz do Trabalho, o direito do trabalho é menos efetivo na terceirização. Não é uma questão ideológica, é uma questão prática.”

Schmidt também critica a forma como o projeto de lei define a responsabilidade das empresas contratantes pelos trabalhadores terceirizados. O parecer em discussão na Câmara estabelece que inicialmente a responsabilidade seja subsidiária.

Outros itens negativos

A terceirização na atividade-fim é considerada o principal item de debate sobre o PL 4.330. Não é só isso, porém, que assusta a bancada dos trabalhadores, mas os seus reflexos. Ao liberar a terceirização completa nas empresas, o projeto permitirá a substituição dos atuais 45 milhões de trabalhadores contratados diretamente por prestadores de serviços, aumentando a rotatividade e o trabalho eventual e precário.

Como se não bastasse, outro item do PL estabelece que os salários, benefícios e demais direitos devem ser diferenciados, de acordo com a natureza da atividade desempenhada, mesmo que o trabalho seja prestado de maneira idêntica e no mesmo ambiente de trabalho da empresa contratante. O temor dos especialistas em trabalho e emprego é de que isso leve à pulverização das organizações e representações dos trabalhadores – acarretando em rebaixamento das condições de vida da classe trabalhadora.

O texto estabelece, ainda, que haverá responsabilidade subsidiária entre os tomadores e prestadores de serviços, autoriza subcontratações de empresas e traz de volta a questão da chamada “PJotização” do mercado de trabalho brasileiro, mediante a remuneração do trabalho por meio da apresentação de notas fiscais. Também legaliza os atuais correspondentes bancários.

As próximas duas semanas serão de mobilizações e visitas de sindicalistas aos gabinetes da Câmara, além de manifestações em todo o país com o intuito de chamar a atenção para uma melhor discussão da matéria.

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