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Mídia e tucanos insistem em apelar a tese inconsistente de impeachment

Para especialistas em direito constitucional, ideia jurídica de Ives Gandra é inaplicável, e, na opinião de Bandeira de Mello, não teve nem mesmo repercussão no meio jurídico

São Paulo – Embora especialistas em direito constitucional não encontrem fatos ou argumentos jurídicos que possam minimamente justificar um pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a oposição e parte da imprensa corporativa continuam insistindo no assunto. Os dois maiores jornais de São Paulo, por exemplo, destacaram a palavra “impeachment” quatro vezes cada entre quinta e sexta-feira (13), incluindo matérias e textos de colunistas. A coluna “Painel”, da Folha de S. Paulo, por exemplo, publicou na quinta-feira nota sobre uma suposta “conversa informal” entre peemedebistas, na qual um deles teria dito: “Parece algo real (o impeachment)”.

Mas, segundo constitucionalistas ouvidos pela RBA, não existe possibilidade de impedimento da presidenta. “Não acho, sinceramente, que existe risco. O que existe é um escândalo (da Petrobras). No fundo, eles (jornalistas alinhados à oposição) gostariam que algum jurista respondesse aquele artigo de Ives Gandra”, diz o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, em referência ao artigo publicado pelo jurista Ives Gandra Martins na Folha do dia 3. O que ocorreu, porém, não foi a esperada reverberação que o artigo de Ives Gandra poderia ter proporcionado. “Tanto que nenhum jurista respondeu. Houve um silêncio de morte”, acrescenta.

A falta de repercussão propriamente jurídica sobre o artigo se deve, na opinião de Bandeira de Mello, além da fraca argumentação, ao fato de haver muito poucos “juristas de nomeada” no espectro da direita política. “Os juristas são de centro, de centro-esquerda, mas não são de direita. Não tem. Sobretudo jurista de direita que seja nacionalmente ouvido, respeitado. É mais raro ainda. Um falou, e ficou nele.” Mello menciona dois nomes entre representantes da direita, que considera respeitáveis, entre os juristas brasileiros. O próprio Ives Gandra e Claudio Lembo.

A mesma Folha deu destaque, na quarta-feira (11), a uma fala do candidato derrotado Aécio Neves sobre impedimento de Dilma. “Não é crime falar (de impeachment). Desconhecer que há um sentimento de tamanha indignação na sociedade é desconhecer a realidade”, afirmou o tucano derrotado na eleição de 2014. “Eles perderam a eleição, ficaram aborrecidíssimos – o que se compreende. O que não se compreende é esse tipo de reação de quem, digamos, dá vontade de dizer: vai chorar na cama que é lugar quente”, comenta Bandeira de Mello.

Apesar de ressalvar que Ives Gandra é um dos juristas que mais respeita, o especialista em direito constitucional Pedro Serrano não vê consistência na tese do colega. “Tenho que divergir densamente do parecer dele. Acho que não tem a consistência habitual dos seus pontos de vistas jurídicos”, afirma. Segundo Serrano, tecnicamente, a posição de Ives Gandra utiliza o conceito da culpa, do Direito Civil, que é inaplicável para o caso.

“A tese da culpa existe no campo do Direito Civil para resolver questões de indenização. Esse tipo de culpa não pode implicar na aplicação de sanções severas no campo penal ou no campo do crime político”, explica Serrano. “Querer usar da culpa civil comum, trazer matérias e conceitos próprios do direito civil para o âmbito penal, do qual o crime político se aproxima, vamos dizer assim, acho totalmente contrário à Constituição.”

Serrano esclarece que a Constituição é clara, em seu artigo 85, quando prevê  “atos do presidente da República” passíveis de ser considerados “crimes de responsabilidade”. Ele destaca que o texto constitucional é expresso, ao falar em “atos”, e não há nenhuma suspeita contra Dilma. “A legislação que regula o impeachment em nenhum momento fala da modalidade culposa. Não há fundamento constitucional, legal ou jurídico (para se defender impeachment).”

Na opinião de Serrano, o conceito previsto pela Constituição descarta a responsabilização do presidente da República pelos atos de um membro do governo, da administração direta ou gestor de estatal que tiver nomeado. Ele explica que a salvaguarda constitucional é necessária à segurança da própria democracia, já que a responsabilização do presidente por atos de seus nomeados “seria algo estranho à estabilidade mínima” que a democracia precisa ter. “Ives Gandra cogita o impedimento por culpas civis genéricas, como escolha de gestores. Por exemplo, você escolhe um administrador de empresa estatal, e se ele se corromper você é culpado. Logo, pode ser impedido pelo Legislativo. Isso não tem sentido.”

Não se pode nem mesmo usar o conceito de domínio do fato, aplicado na condenação dos réus da Ação Penal 470 (o chamado “mensalão”), como alguns leigos andaram citando. “Estamos falando do conceito de culpa. Domínio do fato é um outro conceito, que não cabe cogitar aqui agora”, diz Serrano.

No crime político, é requerido o dolo, ou, no mínimo, provas concretas de que a presidente sabia e se omitiu em adotar medidas mesmo sabendo de práticas corruptas de seus subordinados. Provavelmente, foi devido a essa avaliação e talvez pensando na sua utilização futura que a revista Veja publicou a capa na antevéspera do segundo turno da eleição, na qual afirmava “eles sabiam de tudo”, referindo-se a Dilma e ao ex-presidente Lula.

Mas a tática da revista – que está sendo processada, segundo o presidente do PT, Rui Falcão – não prosperou por falta total de base jurídica que se esperava ter na responsabilização de Dilma. Embora seja bastante crítico aos veículos de imprensa e à “meia dúzia de famílias, se tanto, que controlam os meios de comunicação no país”, Bandeira de Mello considera que a publicação da Abril sequer pode ser considerada uma entidade jornalística. “A Veja nem considero que é veículo de imprensa. É um veículo, digamos, de mera publicidade.”

Sobre os veículos de imprensa propriamente ditos, Bandeira de Mello observa que as pessoas são ingênuas ao acreditar que o jornalismo é o objetivo da “meia dúzia de famílias” controladoras dos veículos. “As pessoas costumam ingenuamente imaginar que esses meios de comunicação têm por finalidade informar as pessoas. Não têm, são empresas, elas têm por finalidade ganhar dinheiro. Portanto, têm que agradar aqueles que os sustentam. E quem são? Os anunciantes.”

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