Em primeiro turno

Dianteira de 49 votos de Cunha trai expectativas de Chinaglia

Parlamentar disse que momento é de 'virar a página' e que não pensa em retaliação por embate com o governo. Parte da bancada petista contesta estratégia do partido, que ficará fora da composição da mesa

Laycer Tomaz/Câmara dos Deputados

Cunha contou com debandada de votos esperados por adversários

Brasília – Com 49 votos a mais do que o total de parlamentares do bloco partidário que o apoiava, o líder do PMDB Eduardo Cunha (RJ) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados com uma vitória bem folgada, apesar das especulações de que poderia haver uma virada de última hora, levando a um segundo turno das eleições.

Os 267 votos superaram em dez os necessários para encerrar o jogo no primeiro turno. O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) foi o segundo mais votado, com 136 votos. Júlio Delgado (PSB-MG) contou com 100 votos e Chico Alencar (Psol-RJ), oito. Houve dois votos em branco.

Além da vantagem obtida pelos votos de parlamentares de partidos que se comprometeram em apoiar outros nomes, a eleição também foi marcada pela frustração do candidato do governo, Arlindo Chinaglia (SP). O bloco liderado pelo PT contava com um total de 167 votos para Chinaglia, e esperava outros isolados para chegar a 180.

A votação secreta dificulta identificar de onde saiu a margem de “traição”, que frustrou as expectativas do petista e, em menor escala, de Júlio Delgado, que previa receber 106 votos.

Ao comemorar o resultado e fazer seu primeiro discurso, Cunha procurou usar um tom apaziguador e afirmou várias vezes que o momento é de “virar a página”. Embora tenha lembrado que sua candidatura foi muito contestada e seja constantemente citado como um parlamentar que causou problemas para o Palácio do Planalto nos últimos anos, enfatizou que de agora em diante não existem adversários entre os demais candidatos, pois todos são deputados igualmente. Disse, também, que mesmo a campanha tendo sido muito acirrada, quer deixar claro que vai buscar a altivez do Parlamento, para que seja tocada uma pauta com os principais debates que a Casa precisa tratar.

Eduardo cunha fez questão de frisar, ainda, que não será oposição ao governo, mesmo que não pretenda adotar uma postura submissa ao Executivo. Acrescentou que não haverá retaliação ao longo da sua atuação como presidente. “O episódio da eleição é página virada e o que temos de fazer a partir de agora é começar a trabalhar”, prometeu.

Integrantes da mesa

A eleição na Câmara foi iniciada por volta das 18h40, quando os deputados começaram a se dirigir para as cabines de votação. Foi grande a movimentação das filas e o processo ocorreu de forma mais lenta do que a esperada, depois que ficou definido que, além dos presidentes, cada parlamentar teria de definir também, o nome de cada um dos integrantes da composição da mesa diretora.

Depois de certa polêmica em torno do assunto, foi concedida instalação para o uso de celulares pelos deputados, que queriam essa prerrogativa com o argumento de fotografar seus votos nas cabines – como forma de divulgar para os eleitores os compromissos assumidos e também comprovar seus votos junto às bancadas dos seus partidos.

Divisão quanto à tática

A grande dificuldade observada nas últimas horas decorreu da forma como foi definida a composição para a mesa diretora. Os blocos formados pelos dois principais partidos da disputa, o PMDB e o PT, preferiram distribuir os cargos da mesa entre os partidos que os integram, deixando de lado espaço para as próprias legendas. Para o PMDB, que viu seu candidato ser eleito presidente e vai ter o direito de escolher a presidência de 11 comissões da caixa, as queixas foram irrelevantes.

Entre integrantes do PT, entretanto, houve divisão quanto à estratégia utilizada. De acordo com um parlamentar, muitos deputados questionaram o fato de, sem qualquer espaço na mesa, daqui por diante, a legenda vir a ter um período difícil na negociação das matérias de seu interesse. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que participou de reunião no final da tarde com o atual líder da legenda, Vicentinho (SP), e demais petistas, minimizou a questão.

Segundo ele, é comum na formação de blocos, o partido que tem o candidato dividir entre as legendas do grupo as posições na mesa diretora, e isso não deve ser visto como uma concessão ou recuo por parte da base aliada, pois já aconteceu em outras legislaturas e faz parte do processo de composição do parlamento. Trata-se de uma forma de dar capilaridade à coligação formada, como ele argumenta.

Já Vicentinho preferiu falar sobre o compromisso do PT de lutar pela defesa das matérias que considera ser importantes para o país. Ele destacou que os parlamentares da base aliada não vão abaixar a guarda no trabalho a ser desenvolvido nesta legislatura. “Sabemos que teremos um Congresso mais conservador, mas vamos trabalhar e buscar o acompanhamento do povo na tramitação das matérias”, salientou.

Chinaglia: ‘Sem subjugo’

No discurso proferido por cada um dos candidatos, antes da votação ser iniciada, Arlindo Chinaglia disse que era um erro achar que a Câmara poderia vir a ser subjugada pelo Executivo. “Imaginar que o Legislativo possa ser subordinado é não perceber que é a Câmara que determina a lei, as regras, aquilo que os outros podem fazer”, afirmou. De acordo com o candidato do PT, a Casa muitas vezes é vista como um poder menor, motivo pelo qual em sua gestão pretendia fazer com que essa imagem fosse mudada.

O candidato do PSB, Júlio Delgado, usou como arma em seu discurso a pauta de promessas corporativas feitas na Casa pelos dois principais candidatos. Segundo ele, as propostas dos adversários consistiram em medidas que afastam o povo brasileiro do parlamento, porque não tratam de nada de interesse do povo e sim, dos próprios deputados – estavam incluídas entre tais promessas, a construção de um novo anexo para a Câmara (sugerida por ambos) e a equiparação do salário dos deputados em relação ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – esta última, pregada por Cunha.

Enquanto Chico Alencar, do PSol, ressaltou que “o Congresso não precisa de agrados nem de promessas”, Alencar lembrou o escândalo da Petrobras e afirmou que “o fantasma da operação Lava Jato ronda o Congresso Nacional”, numa alusão à expectativa de anúncio de nomes de parlamentares envolvidos no escândalo, por parte do Ministério Público, até o final de fevereiro. Segundo o candidato, será “deprimente e degradante” se o MP citar algum deputado. “Seria bom se prometêssemos desistir de qualquer função de mando aqui, caso seja aceita alguma denúncia”, sugeriu.

Financiamento privado

Na avaliação dos deputados de partidos variados que, horas antes, já esperavam o resultado, a eleição de Eduardo Cunha foi reflexo de muitos fatores conjugados. Em primeiro lugar, venceu o financiamento privado de campanhas, uma vez que Cunha foi o responsável pela articulação que resultou na doação de campanhas por parte da iniciativa privada brasileira a um sem número de deputados empossados hoje. Depois, venceu o corporativismo, numa eleição que, conforme reconheceu o próprio Chinaglia, muitas vezes as regras de votação dos deputados são individuais e não levam tão a sério os compromissos partidários.

Para completar, representou o desgaste que já vinha sendo observado desde 2013 no poder de articulação do PT e no pequeno estofo da base aliada para negociar a votação de matérias dentro da Casa nos últimos anos. Aliado à preocupação dos parlamentares, de um modo geral, de demonstrar certo poder de barganha junto à presidenta Dilma Rousseff, que não é dada a ouvir nem receber os deputados.

“Você acha que o pessoal iria votar no Chinaglia, sabendo que é com o Cunha sentado na cadeira de presidente que o Palácio do Planalto vai querer barganhar e ternurar os deputados? Parlamentares gostam disso, de irem ao Palácio e serem bem atendidos, o que todos sabem que a presidenta não faz. Não há dúvidas que ele (Eduardo Cunha) é que será o presidente, por este motivo”, afirmou um deputado do Democratas, com a experiência de oito legislaturas, minutos antes de ser divulgado o resultado.

Dias difíceis

Sendo correta ou não a avaliação, o certo é que a Câmara verá dias difíceis e de muitos embates daqui por diante. Pela desproporção de partidos na distribuição da mesa e das comissões e pelas diferenças a serem observadas na composição da Casa como um todo em relação ao primeiro governo de Dilma Rousseff. Sobretudo, por iniciar os trabalhos de 2015 com um estoque de matérias tidas como complicadas para serem votadas – caso do orçamento impositivo, o próprio Orçamento Geral da União e as duas medidas provisórias iniciadas em janeiro, referentes a mudanças em benefícios trabalhistas e previdenciários.

“Vamos trabalhar”, anunciou o novo presidente, ao acrescentar que, entre suas metas, está empenhar-se para a tramitação da reforma política e de um novo pacto federativo. Antes disso, os deputados precisam concluir a votação dos integrantes da mesa diretora, cuja apuração ainda está sendo realizada e pode só acabar, em definitivo, nesta segunda (2).

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