Eleição na Câmara

Governo enfrentará cenário difícil na Câmara em seu segundo mandato, preveem analistas

Para cientistas políticos, favoritismo de Eduardo Cunha na eleição é preocupante para o Planalto; e se ele não ganhar, como 'bastião da oposição' vai postura anti-PT na casa

Eurico Zimbres/Wikimidia Commons

Governo vive tempo de ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’. Acordo poderia levar a situação menos caótica

São Paulo – A eleição para a presidência da Câmara da Câmara dos Deputados, neste domingo (1º/2), coloca no horizonte cenários difíceis para o governo com qualquer resultado. A influência do atual líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), será maior do que já é em qualquer cenário. Como candidato, ele tem conseguido catalisar o clima anti-PT na Casa. “É uma situação em que o governo perde em qualquer hipótese: na hipótese de Eduardo Cunha ganhar, e na hipótese de ele perder”, prevê o cientista político Antonio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

O peemedebista disputa a eleição contra Arlindo Chinaglia (PT-SP), Júlio Delgado (PSB-MG) e Chico Alencar (PSOL-RJ).

Na opinião do analista, se Cunha perder a eleição e continuar como líder do PMDB, fará uma oposição “raivosa”. “Vai criar toda sorte de dificuldade ao governo.” A principal o próprio Cunha já anunciou. No início do ano, ele deixou claro em sua conta no twitter a qual posição tentará levar a bancada de 65 deputados de seu partido, na discussão sobre a regulação dos meios de comunicação: “Quero afirmar que seremos radicalmente contrários a qualquer projeto que tente regular de qualquer forma a mídia”, anunciou.

Além do clima anti-PT, a enorme influência de Eduardo Cunha, que se dissemina para além de seu próprio partido, consolida o favoritismo do peemedebista como um dado muito concreto. Segundo se diz, a estreita relação do deputado com grandes doadores de campanha do setor privado lhe permite ajudar até mesmo na eleição de colegas de outros partidos.

Para Queiroz, um cenário piorado para o governo seria o candidato do PMDB se eleger presidente da Câmara sem acordo. Ele lembra que um acordo facilitou a definição da eleição nos últimos quatro anos e, portanto, a relação entre Planalto e Congresso entre 2011 e 2014: pelo entendimento, o petista Marco Maia (RS) presidiu a casa entre 2011 e 2012 e Henrique Alves (RN) o sucedeu para o biênio 2013-2014.

“Eduardo Cunha é um político eminentemente conservador que, ao mesmo tempo, articula as demandas, entre aspas, sindicais, corporativas de uma parte da Câmara. E mais, tenta capitalizar os sentimentos de autonomia da casa, que são legítimos”, define o cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas. “Para o governo, é complicado ele chegar à presidência da Câmara, pois no Brasil o cargo tem poder de agenda muito grande.”

Fonseca lembra, porém, que o Executivo também tem um “poder enorme”, que é o chamado “poder da caneta”, da nomeação e do contingenciamento de verbas. O professor considera que a eleição de Eduardo Cunha, se confirmada, configurará “uma situação de crise”. Porque, apesar de o PMDB ser um partido “da base” do governo, na prática seu atual líder na Câmara “é quase um bastião da oposição” e vai incorporar as demandas oposicionistas na agenda. “Num sistema de coalizão, como é o nosso, ele vai colocar o parlamento nas mãos da oposição”, prevê.

Teme-se que a acentuada relação de Cunha com o setor privado possa ser um critério decisivo na definição das pautas da Mesa. “Além de conservador, ele é um representante do capital”, diz Fonseca.

Como líder do PMDB do vice-presidente da República Michel Temer, Cunha já se mostrou como pedra no sapato do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Foi graças a ele, por exemplo, que o Planalto teve grande dificuldade em conseguir vitórias no Congresso, como no caso do Marco Civil da Internet e a Lei do Pré-Sal. “Eduardo Cunha é uma figura extremamente problemática, é um ator político muito menos preocupado com grandes temas e questões e muito mais com nacos do poder.”

Mais do que um situação conjuntural, trata-se de uma crise do sistema, acredita o professor. “Vejo com preocupação (a eleição de Cunha), mas é muito mais a expressão de uma crise desse modelo partidário-eleitoral.” Para ele, os governos Lula e Dilma são reféns de uma realidade política que não se esforçaram muito por mudar nos últimos 12 anos. “O governo Lula, no auge de sua popularidade, não fez minimamente uma reforma política. O governo Dilma coloca como questão, mas não temos muita clareza se isso vai acontecer ou não.”

O PSB de Júlio Delgado

O candidato do PSB à presidência da Câmara dos Deputados, Júlio Delgado, corre por fora contra o favorito Eduardo Cunha e Chinaglia, mas seu partido, com 34 deputados, pode ser o fiel da balança na decisão que apontará o comando da casa nos próximos dois anos. A opinião é de Queiroz, do Diap. O PT tem 69 deputados e o PMDB, 65. O maior partido da oposição, o PSDB (que tem 54 deputados), apoia a candidatura de Júlio Delgado. Mas, como o voto é secreto, não se pode prever o que decidirão parlamentares e bancadas. Por isso, previsões numéricas são meros exercícios jornalísticos.

“Se a oposição abandonar o candidato do PSB no primeiro turno e já votar no Eduardo Cunha, ele ganha a eleição. Se votar no Delgado e houver segundo turno, o resultado final vai depender de quem o PSB vai apoiar. Se apoiar o candidato do PT, ele pode até ganhar”, analisa Queiroz.

O PSDB tratou de pelo menos tentar desfazer as fortes especulações de que sua bancada vai se bandear para Eduardo Cunha e definir o resultado já neste domingo. “O PSDB votará em Júlio Delgado em sua integralidade, é assim que espero”, declarou hoje o senador Aécio Neves (PSDB-MG), presidente do partido, expressando uma dívida de gratidão para com o PSB de Delgado, que lhe emprestou apoio convicto no segundo turno da eleição de 2014.

O caráter tucano da candidatura de Delgado – não apenas pelo apoio do partido de Aécio Neves, como também pela própria postura de Delgado, com posições muito próximas ao PSDB – não garante que a totalidade dos deputados pessebistas migrem automaticamente para Eduardo Cunha num segundo turno. “Resta saber se o conjunto do PSB vai acompanhá-lo nessa decisão anti-PT. Acho que (o PSB) se divide, e, se se dividir, é muito difícil que o Chinaglia ganhe”, diz Queiroz.

De qualquer forma, para Queiroz, o “retrato” da situação à véspera do pleito, coloca Cunha como favorito indiscutível. “Há um clima anti-PT muito forte na casa. Isso vai influenciar setores da base e principalmente da oposição. A base, em certa medida, quer dar uma espécie de troco ao governo, por estar descontente quanto à ocupação de cargos, por exemplo.”

Eduardo Cunha tem o apoio de PMDB, PTB, DEM, PRB, SD e PSC. Chinaglia conta com PT, PSD, PCdoB e PROS. E Delgado, com PSDB, PSB, PPS e PV.

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