Na expectativa

Depois de fechar ano com ‘saco de maldades’, STF tem temas polêmicos pela frente

Matérias a serem julgadas abordam desde financiamento de campanhas a precatórios e expurgos de planos econômicos; interferência do poder político no Judiciário é cada vez mais apontada por críticos

Fellipe Sampaio/ SCO/ STF

Mendes tem ignorado ação que requer a proibição dos financiamentos de empresas a campanhas eleitorais

Brasília – Não é só o Congresso Nacional que tem uma pauta puxada para 2015. A voltar de recesso no próximo dia 2 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá pela frente um pacote de processos pendentes, cujas decisões têm impacto direto na vida dos brasileiros e na estrutura política do país.

São decisões sobre precatórios, expurgos inflacionários de antigos planos econômicos, suspensão da lista suja do trabalho escravo e até constitucionalidade do financiamento privado de campanhas. Matérias que estão nas mãos de ministros que pediram vista dos autos, dependem de parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou ainda não foram concluídos pelo relator.

A Corte reabrirá sob os olhares atentos da opinião pública, depois de fechar o ano de 2014 com decisões mal digeridas por parcela importante da sociedade, sobretudo no que diz respeito ao mundo do trabalho. No que diz respeito ao próprio trabalho, no entanto, o tribunal foi generoso, articulando um auto-aumento salarial de 15% aos ministros.

Mas foi duro com o trabalho alheio, sobretudo o de quem tem direitos desrespeitados. Por exemplo, encolheu de 30 para cinco anos o período máximo que um trabalhador pode reclamar por não recolhimento de FGTS por parte do empregador. E concedeu liminar a uma associação de construtoras suspendendo a publicação da lista suja do trabalho escravo. Nos dois casos, advogados do meio trabalhista receiam que as decisões estimulem contravenções patronais.

Em meio a esse cenário, o STF tem de conviver, também, com críticas sobre o que muitos advogados e juristas chamam de “politização” de ações, que embora muitas vezes saiam de outros tribunais, terminam respingando na Praça dos Três Poderes. É o caso, por exemplo, da postura do juiz federal Sergio Moro na condução das investigações da Operação Lava Jato. A apuração é tida como benéfica no meio jurídico, mas especialistas temem que utilização de métodos questionáveis para se chegar a delações e o vazamento enviesado de informações para aproveitamento político de terceiros possam comprometer a legitimidade e a legalidade do processo.

O resultado é a perspectiva de um ano de muitas cobranças por parte de entidades sociais, advogados, políticos e movimentos organizados junto aos magistrados.

‘Furor’ com Lewandowski

A mudança de composição do STF, em setembro passado, quando o ministro Ricardo Lewandowski assumiu a presidência, foi marcada por uma fase de furor pelo fato de homologar no cargo até 2016, em definitivo, um magistrado tido como ponderado. Lewandowski substitui um antecessor que colecionou vários problemas e discussões entre os próprios pares, políticos e advogados, o ex-ministro Joaquim Barbosa.

As prioridades estabelecidas pelo novo presidente, de julgar ações de inconstitucionalidade que já tinham sido objeto de liminar e casos de repercussão geral (aquelas que podem dar agilidade ao julgamento de processos similares por instâncias inferiores), foram benéficas e tiveram um bom resultado. O problema é que em meio aos julgamentos, processos tidos como emblemáticos para o país terminaram sendo deixados de lado – ou seja, ficaram com a votação parada por conta de pedidos de vista.

O uso do expediente é uma prerrogativa do Judiciário para analisar ao máximo cada caso. Mas em muitas situações, há indícios de abuso. O caso mais emblemático do momento é protagonizado pelo ministro Gilmar Mendes, que pediu vista para analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que requer a proibição dos financiamentos de empresas a campanhas eleitorais. O pleito já tem votação irreversível, pois seis dos 11 ministros da Corte já deram deram parecer favorável à OAB. O caso gerou até um movimento, o ‘Devolve Gilmar‘, que ele há nove meses insiste em ignorar.

Prática e teoria

Na prática, o plenário do STF julgou, em 2014, 181 ações de controle concentrado – nas quais se analisa a constitucionalidade de atos locais ou federais. O número é mais de três vezes a quantidade julgada em 2013 (quando foram julgados apenas 51 deles). O colegiado proferiu decisões em 166 ADIs, 14 arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) e uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC).

Conforme informações do tribunal, consideradas todas as decisões, inclusive as individuais dos ministros, o STF analisou 376 ações de controle concentrado no ano passado, 335 apenas da categoria das ADIs. Sendo que, nas 177 ações de inconstitucionalidade com decisão final, 84 foram consideradas procedentes ou procedentes em parte.

São motivos mais do que suficientes para que o colegiado pudesse comemorar, não fosse o fato do STF ter, no final do ano, tomado decisões tidas como impopulares.

Em relação ao financiamento de campanhas, a Corte retomou o julgamento da ADI em abril passado. Votaram pela inconstitucionalidade do financiamento por empresas privadas os ministros Luiz Fux (relator), Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Joaquim Barbosa (aposentado), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. O ministro Teori Zavaski abriu a divergência e votou pela improcedência da ação, mas com o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o julgamento ficou em suspenso.

No tocante aos expurgos dos planos econômicos – o direito a diferenças de correção monetária de depósitos em caderneta de poupança em decorrência destes planos – caso de repercussão geral, discutido tanto numa ADPF como também em quatro recursos extraordinários, voltou à pauta em maio. Os ministros, de forma unânime, determinaram a baixa em diligência dos processos, mas a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu para fazer nova análise da questão, diante da informação prestada pela União no sentido de que haveriam erros em perícias realizadas nos autos.

Um outro caso que ficou para 2015 foi a questão da imunidade tributária de entidades beneficentes de assistência social. A constitucionalidade destas regrascomeçou a ser julgada, por meio de quatro ADIs com repercussão geral. Só que o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki.

Para completar, nos últimos dias de dezembro o ministro Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar à ADI impetrada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) que argumenta ser inconstitucional a lista de empregadores flagrados mantendo empregados em situação análoga à de escravidão, pelo fato de ter sido criada mediante uma portaria ministerial e não uma lei. Lewandowski determinou que a lista seja suspensa até o julgamento definitivo da ação, para a qual foi designada como relatora a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha.

A medida fez com que a chamada lista suja do trabalho escravo, que há 11 anos divulga os nomes dos empresários em tal situação e combate este tipo de prática, deixasse pela primeira vez de ser veiculada no site do Ministério do Trabalho.

“Vamos cobrar. Sabemos que decisões judiciais precisam ser cumpridas e não contestamos o ministro. Inclusive porque o que eles decidem sobre a lei nem sempre é da forma como a população deseja e entendemos. Mas esta última liminar representou um retrocesso para todos que lutam pela erradicação do trabalho escravo no país. E agora não se sabe quando a ADI entrará na pauta de votações. O Judiciário precisa ter um senso de responsabilidade em relação a esses temas”, lamentou o auditor-fiscal do Trabalho Rogério Mascarenhas.

‘Vamos às ruas’

“O financiamento privado de campanhas está emperrando o desenvolvimento do país. Todos os escândalos observados nos últimos anos têm alguma ligação com essa prática. Não estamos dizendo que vamos contestar a decisão do tribunal, mas queremos que essa demora acabe. Em fevereiro, vamos para as ruas pedir para que o julgamento seja retomado”, acrescentou a odontóloga Priscila Guimarães, integrante do movimento “Devolve Gilmar”.

Em defesa do Judiciário, o magistrado Gervásio Santos, da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA), por sua vez, enfatizou que “no dia em que o juiz puder condenar sem que haja prova nos autos, o país estará às portas de uma ditadura”. Sua afirmação diz respeito às reclamações sobre a demora nos julgamentos como um todo, mas principalmente às queixas relacionadas às decisões judiciais sobre ações de improbidade, tidas como tímidas no Brasil. Uma vez que levantamento recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que, no último ano, foram julgados 58,29% dos processos e tal percentual ficou abaixo da meta prevista.

A declaração do conselheiro Gilberto Valente Martins, do CNJ, durante a divulgação do levantamento, mostra bem a correlação de forças políticas nos trabalhos do Judiciário. “Detectamos que muitas ações de improbidade não estão tendo um curso normal, por conta de fatores externos à magistratura. Há casos de magistrados que não dão conta de ações que importam demanda contra pessoas com poder político ou influência econômica”, destacou ele.

O ministro Lewandowski, que não quer falar sobre a liminar referente à lista do trabalho escravo, nem costuma mencionar ações em andamento, encerrou os trabalhos de 2014 destacando que houve empenho do colegiado em dar uma solução rápida para os processos, apesar de cada um ter recebido em média 5.500 deles ao longo do ano. E avaliou que embora a estatística revele o aumento no número de processos novos, no que classificou como “judicialização dos conflitos sociais”, há uma busca institucional “por soluções eficientes para enfrentar o problema”.

O ministro pode até estar certo. Assim como se sabe que nem todos os julgadores acatam, nem precisam acatar, o desejo da sociedade e muitos legalistas preferem o cumprimento rigoroso da lei. Mas é certo, também, que todos os casos que desgastaram o Judiciário terminam respingando, direta ou indiretamente no STF, que tende a receber muito mais atenção da sociedade daqui por diante.

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