'enrascada'

Wanderley Guilherme: ‘Governo deve satisfação a quem o elegeu’

'Quem foi eleita prometendo ideias (e gente) novas para um governo novo, não tem direito de pedir silêncio quando surpreende a praticamente todos os setores da esquerda com suas indicações'

Thiago Ripper/RBA

‘Não sei quais são os formuladores da estratégia atual do governo, mas é óbvio que não está dando certo’

São Paulo – Logo na primeira linha de um artigo publicado na edição de CartaCapital que está nas bancas, o professor Wanderley Guilherme dos Santos faz uma análise dura da situação do governo Dilma Rousseff. “O governo só não cai por falta de colo hospitaleiro” escreve. Em seguida, Wanderley afirma que “escasseiam robustas lideranças democráticas capazes de desmantelar, por simples presença, arranjos contra a legalidade.”

Um dos mais qualificados estudiosos da vida política brasileira desde a década de 1960, com vários ensaios de leitura obrigatória, Wanderley Guilherme foi um eleitor militante da candidatura de Dilma Rousseff. Essa atitude garante uma autoridade especial a suas observações, que sugerem que o governo se encontra numa “enrascada”.

Wanderley deu a seguinte entrevista ao blogue, no Brasil 247:

Como é que o governo entrou nessa enrascada?

Creio que a enrascada do governo consiste em que, se não há grupo com poder interessado em sua queda, também não existem apoiadores decididos a sustentá-lo ativamente, não somente em pesquisas de opinião.  E não obstante o esforço hercúleo do ex-presidente Lula para manter coesa a coalizão social, não apenas a parlamentar, que apoiou os governos trabalhistas até aqui. Não sei quais são os formuladores da estratégia atual do governo, mas é óbvio que não está dando certo. Está sendo questionada por antigos apoiadores sem conquistar a simpatia de seus tradicionais adversários.

Alguém errou?

Quem foi eleita prometendo ideias (e gente) novas para um governo novo, e suplicou o apoio ativo da esquerda na última semana da campanha – arrancada sem a qual teria perdido a eleição – não tem o direito de pedir silêncio quando surpreende a praticamente todos os setores da esquerda com suas indicações. Não se trata de oposição radical aos nomes indicados, mas de expectativa de que sejam informados de qual trajetória a ser cumprida. A indiferença do governo em relação ao espanto e reclamações de seus eleitores, ao lado de afagos a adversários de ontem, pode ser entendida como abuso de confiança. O governo deve satisfações a quem o elegeu.

Por que o senhor fala que o país não tem lideranças democráticas robustas?

A campanha eleitoral de 2014, em caminho aberto em 2010, enveredou por atalhos de baixíssimo nível, cópia tal qual das campanhas norte-americanas, contaminando todos os participantes. Ficou difícil, agora, encontrar alguém cuja estatura seja suficiente para apaziguar os ânimos e garantir a estabilidade do governo sem radicalismos partidários. Uma coisa é a estabilidade das instituições — que me parece sólida — e outra a estabilidade do governo, a meu ver precária hoje. A contrapartida da indiferença do governo será a apatia da esquerda. Defender quem? Em nome de que? Isso significa que é real a perspectiva de alta rotatividade nos cargos de nomeação governamental e de dificuldade governativa.

Como entender o protagonismo da polícia federal neste momento?

O protagoniso da Polícia Federal se deve a omissão do governo face aos problemas suscitados pela PF. Não se trata de pessoas ou partidos, mas de um sistema de cumplicidade público-privada que tornou largamente disfuncional a operação do Estado brasileiro. Também não é uma crise essencialmente partidária e muito menos o resumo anedótico que faz de grave problema estrutural um debate epistemológico: sabia ou não sabia?

Por que isso é anedótico?

Pois é consabido que nada anda no país sem ilícitos cometidos em algum momento do percurso. A audiência não sabe exatemnte quem e de quanto foi o desvio de recursos públicos, mas os participantes das organizações públicas e privadas têm percepção mais precisa. Como é possível que experimentados técnicos nunca tenham se dado conta dos incríveis montantes de dinheiro que eram cobrados por serviços e obras? E a anormalidade da riqueza aparente de diretores? O problema é que os não envolvidos nas negociatas – quando estas se institucionalizam – não têm condições reais de apontar este ou aquele. Há sempre a chantagem de causar prejuízo à instituição e  o temor de ficar estigmatizados como dedo duro, sem certeza, ademais, de que as denúncias terão as consequências que deviam ter. O problema não é quem sabia ou não sabia, mas desmontar o sistema que obrigava a quem não pertencia ao esquema a ficar calado, cúmplice passivo e compulsóriio.

O que deveria ser feito?

Quem deve liderar esse momento de revisão do estatuto operacional do Estado não é a Policia Federal, mas o governo, cuja omissão, aqui, é a mesma observada no tratamento dado às reações ao método de formação ministerial e do aparato estatal. Responsabilizar o sistema político é trocar um problema por outro e fugir do enfrentamento absolutamente necessário. Não é possível esperar da população brasileira complacência com a continuação – não importa quando tenha começado – dessa fantástica apropriação do patrimônio popular.

O senhor foi um dos principais defensores da candidatura Dilma Rousseff em 2014. Foi capaz de defender o governo dela com argumentos e dados claros e consistentes, Está vivendo um ambiente de O sonho acabou?

Não, meu sonho não acabou, não. Continuo do mesmo lado e seguro de que ainda falta um bom caminho para tornar o País mais rico e justo. Mas não sou governista nem miltante partidário, sem dever obediência, portanto, senão a minhas opiniões, pelas quais sou responsável.

Para lembrar: