Indignação

Parlamentares querem medidas judiciais e regimentais contra Bolsonaro

Com gritos de ‘fora Bolsonaro’, deputados e senadores repudiam declaração do parlamentar contra colega. Maria do Rosário diz que foi agredida como mulher, mãe e parlamentar

Valter Campanato/Abr

Manuela D’Ávila sobre Bolsonaro: ‘Esse senhor é reincidente, é alguém que lameia e mancha o Congresso brasileiro’

Brasília – Com gritos de “fora Bolsonaro”, parlamentares de diversos partidos repudiaram durante a sessão do Congresso Nacional, na noite de ontem (9), o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Comprometeram-se a entrar, conjuntamente, com medidas judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) e no conselho de ética da Câmara contra ele, por suas declarações consideradas como apologia ao estupro e agressão às mulheres. O deputado afirmou poucas horas antes, durante discurso, que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-secretária nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, porque Rosário !não merecia” ser estuprada.

A declaração, que na verdade repetiu o que ele já tinha afirmado à própria parlamentar 11 anos atrás, durante discussão no salão verde da Casa, foi feita no momento em que Bolsonaro subiu ao plenário para protestar contra o discurso da deputada, que defendeu a Comissão Nacional da Verdade e as investigações de crimes cometidos durante o período de ditadura militar. E consistiu numa reação irritada porque, ao subir para contestar a fala de Maria do Rosário, a deputada preferiu retirar-se do local, sem ouvi-lo.

O caso teve ampla repercussão, tanto na Câmara como no Senado, e foi objeto de críticas variadas. A deputada Erika Kokay (PT-DF), que já foi vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara – tendo presidido a comissão por várias vezes nesse período – lembrou que mais de 50 mil mulheres são estupradas no Brasil diariamente e que, ao fazer uso de tais palavras, Jair Bolsonaro faz apologia ao crime. “As mulheres que passam por esse tipo de abuso são desumanizadas. A lógica desse homem é sexista, machista e criminosa”, colocou.

‘Até quando?’

Erika Kokay destacou que o discurso do deputado não é inocente, pois corresponde à parte do pensamento e à ação, e questionou: “Até quando vamos permitir isso? Ele não pode representar o poder, tem que estar fora desta Casa”. O deputado Nelson Pellegrino (PT-BA) enfatizou que a atitude de Bolsonaro foi da “mais pura covardia”.

Também a líder do PCdoB na Câmara, Jandira Feghali (RJ) acentuou que, com seu gesto, o deputado colocou-se como réu confesso. “Ele agiu como um criminoso, capaz de estuprar. Nenhum homem, nenhuma mulher de bem, pode aceitar um desrespeito de tamanha gravidade de ter um estuprador no seu meio”, afirmou a deputada, a poucos metros de distância de Bolsonaro.

A ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres Iriny Lopes (PT-ES) afirmou que as parlamentares esperam da mesa diretora do Congresso, desta vez, uma atitude exemplar contra Bolsonaro – de forma a evitar o que foi observado em 2003, quando a discussão foi encaminhada na forma de representação à comissão de ética e o caso em nada resultou.

Maria do Rosário: ‘chego em casa e tenho de explicar isso para minha filha’

Maria do RosárioA deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), agredida verbalmente pelo deputado Jair Bolsonaro ontem na Câmara, afirmou que pretende processá-lo criminalmente por sua declaração. “Fui agredida como mulher, como parlamentar, como mãe. Chego em casa e tenho que explicar isso para a minha filha”, declarou a ex-ministra dos Direitos Humanos, em entrevista à Rádio Gaúcha. “Vou processá-lo criminalmente”, anunciou.
Em seguida, ela se emocionou e disse não estar em condições de continuar a entrevista. “Não quero meu nome na voz de alguém que tem uma atitude como esta. Vocês me desculpem, fiquei bastante emocionada. Vou seguir meu trabalho. Não tenho mais condições de seguir a entrevista. Sugiro às mulheres que tenham força e dignidade para seguir esta luta”, concluiu. (Do Brasil 247)

Deputado reincidente

“Esse senhor é reincidente, é alguém que lameia e mancha o Congresso brasileiro. Ele não pode conviver com um país democrático, com homens e mulheres dentro dessa Casa”, frisou a ex-secretária. “Quando ele diz que ela não merece ser estuprada, diz subliminarmente que algumas mulheres merecem e que ele é potencial estuprador”, completou, por sua vez, Manuela D’Ávila (PCdoB-RS).

O líder do PT na Câmara, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (SP), aproveitou para ler uma nota de repúdio em nome do partido contra o deputado, na qual a legenda destaca que Jair Bolsonaro é “representante de um outro estágio civilizatório: um que a sociedade brasileira felizmente superou, mas que não está enterrado porque tem nesse senhor sua cria, a destilar a grosseria, o ódio, o desrespeito e a violência próprios dos tempos de barbárie”.

“A dignidade da pessoa humana, que é relembrada, comemorada e reivindicada nesta semana do Dia Internacional dos Direitos Humanos, é um valor estranho a esse senhor; tudo o que está em sua mente e em sua boca é maldade e depravação, marcas indeléveis do regime de usurpadores e torturadores que ele tanto defende”, destacou o líder petista.

Gabriela Korossy/Câmara dos DeputadosJair Bolsonaro
Em sessão de hoje (10) no Congresso, deputado faz graça e conta com impunidade

CF prevê punição

A nota do partido ressalta, ainda, que a Constituição Federal prevê punição para práticas discriminatórias que atentem contra os direitos e liberdade fundamentais. E a bancada do PT decidiu tomar todas as medidas judiciais e regimentais contra o deputado. “A barbárie cometida no plenário da Câmara ofende a cidadania brasileira e as consciências das pessoas que lutam por uma sociedade civilizada, tolerante e democrática. No âmbito do parlamento e do Judiciário, todas as iniciativas serão tomadas por nós, parlamentares da bancada do PT, já que as declarações – ameaças – de Bolsonaro demonstram total desrespeito à condição de representante do povo deste país”, acentua.

Bolsonaro, ao se dirigir a alguns colegas, argumentou que o motivo da briga com Maria do Rosário em 2003 foi porque que havia sido “insultado” quando, ao conceder entrevista defendendo a maioridade penal, foi interpelado pela deputada numa discussão em que ela teria dito que, ao fazer a defesa de certos criminosos, ele agia como se fosse um estuprador. “Sou um homem casado e tenho filhos, não posso ser chamado de estuprador. Comigo é assim: bateu, levou”, rebateu na época.

Ontem, quando interpelado por jornalistas, o parlamentar disse que não tinha nada a temer e estava tranquilo quanto ao caso. A agressão de Bolsonaro, que é militar e defende o período da ditadura e a volta do regime militar ao país em sua atuação como parlamentar, de um modo geral, foi entendida como um reflexo do clima tenso que já começa a ser observado com a divulgação hoje do relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Reflete, também, a posição de grupos de direita dentro do Congresso Nacional, contrária ao pedido que já está sendo feita por entidades diversas da sociedade civil para que os crimes cometidos naquele período não fiquem sem punição.