Entrevista

‘País está entregue à ignorância dos macroeconomistas’, diz Belluzzo

Economista volta a defender a Petrobras e diz que companhia é vítima da 'lógica de dois grupos: um que quer simplesmente destruí-la, outro que quer privatizá-la'

Agência Brasil

Belluzzo: ‘Eles acham que devemos adotar as políticas que foram executadas na Europa e não deram certo’

São Paulo – A economia brasileira não tem como crescer com as políticas que devem ser adotadas pela equipe econômica do governo que se inicia nesta quinta-feira (1°). Baseado no chamado tripé macroeconômico – cujos pilares são meta de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal –, esse conjunto de princípios só interessa ao mercado financeiro. A opinião é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem os governos se submetem ao comando dos interesses desse mercado globalizado desde 1994.

Em sua opinião, os custos decorrentes dessa aliança em que só um lado ganha podem comprometer o emprego e a renda nos próximos anos. “Eles acham que devemos adotar as políticas que foram executadas na Europa e não deram certo, mas que aqui vai funcionar. O que vai acontecer? Eles vão cortar renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão”, prevê. “O país está entregue à ignorância dos macroeconomistas.”

De acordo com Belluzzo, existe um consenso equivocado em torno da economia do país segundo o qual não há alternativas senão as do ajuste fiscal e do tripé macroeconômico, contemplados pela nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda. “O problema da discussão nos termos em que ela é feita pela imprensa e pelos economistas é como se isso fosse uma espécie de caminho infalível para recuperar o crescimento, e não é verdade”, critica.

Em entrevista à RBA, o economista diz que “previsão de economista está sujeita a chuvas e trovoadas”. Mas acrescenta que, devido a alguns indicadores, acredita que “a economia já está resvalando numa recessão”.

A situação da indústria, para ele, é significativa. Segundo o IBGE, por exemplo, os índices do setor industrial foram negativos não só no fechamento do terceiro trimestre de 2014 (-3,7%), como no acumulado dos nove meses do ano (-2,9%), em comparações com iguais períodos do ano anterior.

Belluzzo voltou a defender a Petrobras. Para ele, é preciso separar as denúncias de corrupção da importância da companhia para o país. “Não há que se misturar – e é o que a imprensa faz o tempo inteiro – esses escândalos de corrupção com a importância da empresa.”

Leia a entrevista a seguir:

Alguns setores progressistas criticam Dilma pela escolha de Joaquim Levy para a Fazenda, pois ela teria capitulado ao mercado, e outros acham que ela não tinha alternativa a não ser tentar um equilíbrio entre Levy e Nelson Barbosa no Planejamento. Como o senhor vê esse cenário?

Tenho poucas dúvidas de que a escolha do Levy, independentemente das características e qualidades pessoais dele, tenha sido pensada como uma espécie de, eu diria, um getulismo après la lettre, um getulismo depois do Getúlio. Só que estamos vivendo uma conjuntura histórica, mundial, muito diferente. O Levy está sendo visto como um ministro capaz de infundir confiança ao mercado, promete uma política econômica mais adequada ao que foi construído nos últimos, digamos, 20 anos, pelo consenso dos mercados financeiros. Precisamos ter claro quem é que manda em quem.

Ninguém com um mínimo de senso tem dúvida de quem comanda. Desde os anos 1980 foi-se fazendo a desregulamentação financeira, culminou na crise (de 2008), porém, a crise não reduziu o poder dos mercados. Ao contrário, continuaram fazendo as mesmíssimas coisas. Quem capitulou foram os governos. O Brasil, desde 1994, vem se submetendo a isso de maneira constante. Teve um momento, de 2004 a 2010, meados de 2011, em que a mudança de preços das commodities e bens industriais nos favoreceu enormemente. Isso abriu espaço para que o governo Lula, e sua equipe econômica, corretamente, de maneira virtuosa, executassem as políticas de inclusão e melhoria das condições de vida das populações submetidas sempre a situações vexatórias. Lula foi o governo que teve a taxa média de crescimento mais alta nos últimos 20 anos. Se você pega a curva do crescimento e junta ao boom de commodities, elas coincidem exatamente. Isso arrefeceu a partir de 2010, 2011, por várias razões, como a desaceleração chinesa.

O que o senhor espera do propalado ajuste fiscal que deve ser implementado pelo segundo mandato de Dilma?

Temos de esperar para ver os resultados. A minha aposta é que não vão ser muito bons. No fundo, vai ser o que é em todos os lugares. Não estamos morando no planeta Marte, como alguns acham. Eles acham que devemos adotar as políticas que foram executadas na Europa e não deram certo, mas que aqui vão funcionar. O que vai acontecer? Eles vão cortar renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão. É isso. Está caminhando para isso. Para evitar o desemprego e a recessão é difícil. Se já entrou nesse túnel, vai ser difícil sair dele. O país está entregue à ignorância dos macroeconomistas.

Há muita crítica ao ajuste fiscal e ao tripé macroeconômico, mas qual seria uma proposta alternativa?

Ninguém com sanidade mental propõe que você tenha descontrole dos gastos e uma política monetária irresponsável. O que é muito diferente de você rezar todo dia para a santíssima trindade do tripé macroeconômico. O problema da discussão nos termos em que ela é feita pela imprensa e pelos economistas é como se isso fosse uma espécie de caminho infalível para recuperar o crescimento, e não é verdade.

O Brasil está caindo rapidamente para a série C entre as economias emergentes. Por quê? Porque ao longo dos últimos 20 anos, incluídos os governos do PT, a política econômica descuidou da indústria brasileira. As políticas foram circunstanciais, apoiadas em sucessos ou fracasso imediatos. O motor fundiu e o motor é a indústria brasileira. A taxa de crescimento da China vai cair, ficar em 4%, 5%, 6%, com articulação para dentro da Ásia (Taiwan, Indonésia, Coreia etc.) mais a Índia, que está começando a puxar a asinha para o lado da China, e da Rússia. Tivemos a criação dos Brics, que é um potencial enorme de crescimento se o Brasil se der conta da importância disso.

Mesmo com a Rússia nessa crise?

Mesmo, sobretudo com a Rússia nessa crise, porque ela vai ter de se aproximar ainda mais dos chineses para acertar um pouco a situação do rublo e diversificar um pouco sua economia. Eles têm um acordo de fornecimento de gás e óleo de U$ 400 bilhões para a China nos próximos dez anos, e ao mesmo tempo acordos de investimentos da China para a Rússia, em manufatura.

Como vê a utilização da Petrobras e denúncias de corrupção como pretexto para atacar o governo, como acontece sempre desde Getúlio Vargas?

Sim, sempre e não mudou. A Petrobras foi construída por um esforço não só do Getúlio, mas dos militares desenvolvimentistas e nacionalistas que eram importantes nesse tempo. Tanto que foram cassados 7 mil militares a partir de 1964, que eram esses. As Forças Armadas foram expurgadas da força mais positiva que tinha. Eu gostaria que elas recuperassem esse ponto de vista para o Brasil em vez de ficar discutindo com a Comissão da Verdade. Eles tiveram um papel muito importante e digno na construção do desenvolvimento brasileiro. A Petrobras sempre é o alvo. Não há que se misturar – é o que a imprensa faz o tempo inteiro – esses escândalos de corrupção com a importância da empresa. Será que é difícil separar isso?

É preciso recuperar a Petrobras. Seria um desastre se seguíssemos a lógica de dois grupos: um que quer simplesmente destruí-la, outro que quer privatizá-la, e a Petrobras é um instrumento muito importante de desenvolvimento e articulação de seus investimentos com os produtores locais de equipamentos etc. Os fornecedores da Petrobras estão sofrendo muito com os atrasos de pagamentos.

Os corruptos têm de ser punidos, mas a Petrobras preservada, como disse Dilma…

Sim, e como as empreiteiras. Elas foram importantes para o desenvolvimento brasileiro, passando por todos os governos. Construíram a infraestrutura do Brasil, têm memória técnica. As empreiteiras são parceiras. Não se pode fazer o que a Rede Globo está propondo, que venham as empreiteiras americanas aqui, tão ou mais corruptas que as empresas brasileiras. Não vamos nos iludir com a estrutura de mercado dessas empresas. As grandes empreiteiras brasileiras são internacionais. Se houve malversação, propina etc., tem de punir quem fez, não destruir as empresas.

Voltando ao desenvolvimento, como você vai recuperar o crescimento agora? Qual vai ser o motor da economia? Vai se apoiar na exportação de commodities, nos serviços, o que não tem nem pé nem cabeça, e vai deixar a indústria morrer lentamente? Por isso que estou dizendo: o Brasil tem um acordo com os Brics que tem dois pilares: o Banco de Desenvolvimento e o Acordo Contingente de Reservas, na verdade um embrião de “FMI dos Brics”. Se já estivesse em funcionamento, provavelmente teríamos um movimento de amparo à Rússia, neste momento de flutuação da moeda deles.

O Brics já é um caminho consolidado?

Acho que os russos, os indianos e os chineses estão apostando nos Brics muito mais do que nós. Porque nós temos a tropa do “sempre o mesmo”. Eles acham que se aproximando dos Estados Unidos vamos ter alguma vantagem. Nós não temos que nos afastar dos Estados Unidos, temos que manter relações normais. Agora, é só olhar os efeitos do Nafta sobre o México para ver se é bom ter um acordo comercial do tipo. O México é um exemplo de país que está regredindo à idade da pedra, do ponto de vista social e político. A “turma da mesma coisa” não está prestando atenção às transformações da economia mundial e que deslocaram o eixo econômico para a Ásia. Os americanos já perceberam isso.

Mas os Brics são uma forma de você encaminhar uma saída mais razoável, porque não é possível, voltando ao que eu disse inicialmente, que o comando do mercado financeiro submeta as economias emergentes a esse sobe e desce. Ora é a euforia, ora é o desânimo total. Isso tem a ver nos últimos 20 anos com o emperramento do motor da economia brasileira, porque nós na verdade não reagimos de maneira adequada, e não percebemos que estava entrando um novo protagonista importantíssimo (a China), que fez uma atropelada, como se diz no jóquei, do processo de industrialização e em 20 anos passou a ser, de uma economia industrial modesta, para a maior economia industrial manufatureira do mundo.

A queda do preço do petróleo, paradoxalmente, não pode a curto prazo favorecer  o Brasil, até para amenizar o impacto dos preços abaixo do mercado praticados pelo governo nos últimos tempos?

Pode. A curto prazo é verdade. Mas se cair muito vai ter problema com o pré-sal. Se bem que os técnicos da Petrobras dizem que o pré-sal aguenta até 40, 45 dólares o barril (o preço do barril estava em U$ 57 o barril na terça-feira, 30).

Há risco de se deteriorarem os resultados da política iniciada com Lula voltada ao mercado interno brasileiro, diante de um cenário não muito positivo para os próximos anos?

Há, porque a questão não é de oposição entre mercado externo e interno, mas como se articulam as duas coisas. Nos períodos anteriores, o Brasil cresceu com determinado padrão de articulação externa, tanto do ponto de vista de investimento direto quanto do comércio. Nos anos do regime militar nós ampliamos as exportações de manufaturados, com uma série de políticas. O mercado interno cresceu em cima do investimento público e no investimento privado. Você tinha uma articulação virtuosa entre a situação externa, que era favorável, e o movimento da economia doméstica. O Brasil foi a China dos anos 50, 60 e 70, o país que teve o surto de industrialização mais importante. Foi exatamente no período que a China acelerou que a (nossa) indústria foi perdendo peso. Tivemos uma desindustrialização no sentido mais claro.

Desde a campanha eleitoral já sabíamos que 2015 seria difícil, independentemente de quem ganhasse. Qual o grau da dificuldade?

Previsão de economista está sujeita a chuvas e trovoadas. Mas, do meu ponto de vista, a economia já está resvalando numa recessão. Você vai ver os dados do último quadrimestre e do ano, com a indústria claramente contraindo ainda mais. O Banco Central está anunciando que vai subir ainda mais as taxas de juros, isso bate direto na dívida pública, no estoque. Aí, vai-se tentar fazer o superávit primário numa situação em que a economia está desacelerando.

É difícil, porque as receitas fiscais também caem quando você faz esse ajuste, ainda que você aumente impostos. Com a crise da Petrobras e das empreiteiras, quais são os instrumentos que se vai usar pra recuperar o investimento público e em infraestrutura necessários, feitos na articulação do setor público com o privado? Como fazer isso com as empresas em cacos? Por isso eu acho importantíssimo preservar as empresas.

Dilma tentou, até abril de 2013, baixar a Selic, foi muito pressionada pelo mercado e acabou cedendo. Como vê o cenário dos juros?

Nós tivemos várias etapas da política monetária na sua relação com a política fiscal na história da economia brasileira. O tripé é uma ideia que tem a ver com os interesses do mercado financeiro. Quem acha que é uma coisa técnica deve se  internar no Juqueri, se é que ainda existe. Isso é uma articulação de política econômica que diz respeito à globalização financeira, à integração dos mercados financeiros, ao movimento de capitais, sobretudo. É muito difícil afrontar isso. Em geral os países, inclusive os europeus, tendem a enfiar a viola no saco, atropelados pelo mercado financeiro. Eles não tiveram coragem de fazer o que tinham de fazer, nem esse banana desse Obama, que era colocar um controle público em cima dos bancos. Não estou falando estatal, mas público, reincentivar a criação de bancos locais, regionais etc, mudar a estrutura do sistema financeiro.

É um engano pensar que 2015 é igual a 2003 e 2004. Alguns acham que a política (do primeiro mandato de Lula – 2003-2006) foi bem sucedida por causa do (ex-ministro da Fazenda Antonio) Palocci, mas foi bem sucedida por causa da mudança dos termos de intercâmbio provocada pelo avanço chinês nas commodities.

Alguns economistas opinam que não há como estabelecer políticas de longo prazo, em infraestrutura ou distribuição de renda, se no curto prazo a economia está caótica, e por isso é necessário “dialogar” com o mercado. Daí a nomeação de Levy…

O mercado não quer conversar com você. Ele quer que você faça o que ele quer. O diálogo de que falam é um monólogo. Ou você aceita ou vai levar ferro. Estou falando isso desde 2012: que o governo não atraiu para o seu âmbito os empresários que podiam ajudar, por exemplo, ao demorar na decisão dos investimentos em infraestrutura. De que mercado se está falando? De quem? Dessa gente que na verdade é um bando de autistas, que falam com eles mesmos? O que se tem que atrair são aqueles que ainda resguardam o espírito empresarial, que querem fazer as coisas.

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