Crime permanente

MPF quer que ação sobre Rubens Paiva continue: Lei da Anistia não se aplica

Procurador-geral nega reclamação de militares e pede urgência no julgamento. Ele afirma que, enquanto acusados não revelarem onde está o corpo de ex-deputado, crime de ocultação continua

Ministério Público firma posição sobre obrigatoriedade de o Estado esclarecer a morte de Rubens Paiva

São Paulo – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defende a continuidade da ação penal sobre o ex-deputado Rubens Paiva, que envolve cinco militares reformados. No entendimento de Janot, a Lei da Anistia não se aplica ao caso por se tratar de um crime de natureza permanente – Paiva está desaparecido desde 1971, quando foi preso. Em manifestação enviada no início do mês ao Supremo Tribunal Federal (STF) – ou seja, antes da divulgação do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) –, o procurador pede apreciação urgente do caso, porque há pendência de produção de provas para que se comprovem os fatos criminosos.

A defesa dos militares envolvidos havia apresentado Reclamação (18.686), contra a continuação do processo, entendendo que a ação se chocava com decisão do próprio STF, favorável à interpretação atual da Lei da Anistia (6.683, de 1979). Janot se manifestou pela improcedência da reclamação e pediu urgência no julgamento. Em agosto, ele já havia enviado parecer ao Supremo no qual sustentou que graves violações de direitos humanos são crimes contra a humanidade – e, portanto, imprescritíveis. Agora, em sua manifestação, Janot lembrou que sequestros cujas vítimas não foram localizadas constituem crimes de natureza permanente, sobre os quais não incide a Lei da Anistia.

“Enquanto os acusados não apontarem onde se encontra o corpo de Rubens Paiva, cuja família até hoje, depois de décadas de seu assassinato, não lhe pôde dar funeral adequado, a conduta de ocultar ocorrerá”, afirmou Janot. “Delitos perpetrados por agentes estatais com grave violação a direitos fundamentais constituem crimes de lesa-humanidade.”

O procurador-geral também destaca o “efeito vinculante” da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010 condenou o Estado brasileiro no chamado caso Gomes Lund, relativo à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970.

“Dessa maneira, à luz da Constituição do Brasil, da reiterada jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da doutrina e da interpretação dada por diversas cortes constitucionais e organismos internacionais representativos, como a ONU, a atos semelhantes e também por força dos compromissos internacionais do país e do ordenamento constitucional e infraconstitucional, delitos envolvendo grave violação a direitos humanos perpetrados à margem da lei, da ética e da humanidade por agentes públicos brasileiros durante o regime autoritário de 1964-1985, como são os versados na ação penal subjacente, devem ser objeto de adequada investigação e persecução criminal, sem que se lhes apliquem institutos como anistia e prescrição”, diz Janot na manifestação ao Supremo.

Rubens Paiva foi levado de sua casa em 20 de janeiro de 1971, para prestar depoimento no quartel da 3ª Zona Aérea, no Rio de Janeiro. De lá, levaram-no ao DOI-Codi. Posteriormente, o I Exército divulgou uma versão segundo a qual ele fugiu durante ação em que um veículos com “elementos desconhecidos” interceptou o carro em que Paiva era conduzido por agentes de segurança para “ser inquirido sobre fatos que denunciam atividades subversivas”.

No relatório divulgado no último dia 10, a CNV afirma que essa versão é contrariada pela própria documentação dos órgãos de repressão, que atestam a presença do ex-deputado  no DOI, para onde ele foi levado, além da descrição de documentos, cadernos de anotações e objetos pessoais de Paiva. Nas investigações, a conclusão é de que ele morreu nas instalações do DOI-Codi do I Exército.

Em maio deste ano, o MPF apresentou denúncia contra cinco militares, pelos crimes de homicídio e ocultação de cadáver: major José Antônio Nogueira Belham, major Rubens Paim Sampaio, sargentos Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza e capitão Raymundo Ronaldo Campos. “Torturas, mortes e desaparecimentos não eram acontecimentos isolados no quadro da época, mas a parte mais violenta e clandestina do sistema organizado para suprimir a todo custo a oposição ao regime, não raro mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do Estado”, diz o Ministério Público.

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