retrocesso

Deputados querem liberar a posse de até nove armas por pessoa no país

Projeto de Lei do catarinense Rogério Peninha Mendonça (PMDB), que revoga o Estatuto do Desarmamento, facilita a obtenção e o porte de armas de fogo. Entidades e especialistas querem barrar o projeto que pode ir a plenário semana que vem

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Segundo dados do Ipea, Estatuto do Desarmamento foi responsável pela queda de 12,6% na taxa de homicídios

São Paulo – A ‘bancada da bala’ da Câmara dos Deputados, composta por parlamentares financiados pela indústria de armas e munições, pretende revogar o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003 e referendado em 2005, possibilitando que qualquer cidadão com mais de 21 anos possua, sem nenhum motivo justificável, até nove armas de fogo e compre até 50 balas por mês.

O Projeto de Lei 3.722/2012, do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), tramita em uma comissão especial – o que impediu a análise pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias – e deve receber um parecer no próximo dia 10. A RBA tentou entrevistar o deputado, mas não teve retorno.

“O projeto em questão seria desastroso para a segurança pública do país, ao facilitar a compra de armas de fogo flexibilizando requisitos hoje existentes, permitir que civis voltem a andar armados, dificultar a destruição de armas apreendidas”, defende, em manifesto contra a aprovação do projeto, um grupo de entidades – como Instituto Sou da Paz e Conectas Direitos Humanos –, especialistas – como Julio Jacobo Waiselfisz, pesquisador e idealizador do Mapa da Violência – e gestores públicos.

Levantamento do Fórum Brasileiro da Segurança Pública aponta que 70% dos 50 mil homicídios ocorridos em 2013 foram cometidos com arma de fogo. Um estudo feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) demonstrou que, entre 2011 e 2012, no estado de São Paulo, 83,03% dos homicídios com causa provável foram cometidos por motivos fúteis, como discussões em baladas e brigas de trânsito. No país, o indicativo é de cerca de 50% dos casos.

Na prática, o PL 3.722/2012 inverte o estatuto do desarmamento, reduzindo as taxas para obtenção de propriedade e posse de armas, retirando a necessidade de renovação, diminuindo a indenização pela entrega voluntária de armamentos, retirando a apresentação de motivo justificável e determinando que o acesso às armas de fogo é um direito do cidadão, o que praticamente obriga o governo federal a conceder a posse.

As exigências passam a ser simplesmente a ocupação lícita, atestado psicológico e curso básico de manuseio de armas. A idoneidade comprovada por atestado de antecedentes foi reduzida a que a pessoa não tenha sido condenada nem esteja respondendo a inquérito policial por homicídio doloso. Mas a exigência não se aplica a homicídio culposo, mesmo que por arma de fogo.

“O projeto está sendo vendido como um projeto de controle de armas, mas ele não é. Ele revoga o Estatuto do Desarmamento, e os requisitos para compra de armas serão bastante flexibilizados. Pessoas que foram presas por tráfico de drogas ou posse ilegal de armas poderiam requerer este porte e o Estado seria obrigado a dar”, explicou Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, em entrevista à TVT. Confira a reportarem no pé da página.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Estatuto do Desarmamento foi responsável pela redução de 12,6% na taxa de homicídios no país, muito embora o país ainda tenha uma das maiores taxas de homicídios do mundo. Segundo o Mapa da Violência, são 29 casos para cada 100 mil habitantes, quando a ONU considera epidêmica a incidência do crime acima do limite de 10 para cada 100 mil.

Como justificativa, o deputado Mendonça apresenta dados dos Estados Unidos, que tem uma das legislações de armas mais liberais do mundo e cuja taxa de posse de armamentos pela população é de 90 armas para cada 100 mil habitantes. No entanto, a taxa de homicídios por armas de fogo é de 2,97 por 100 mil.

Já o Reino Unido tem uma das legislações de armas mais restritivas do mundo, mas a taxa de homicídios não é muito diferente da estadunidense. Entre 2012 e 2013, somente 29 dos 551 homicídios cometidos no paísforam causados por arma de fogo, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas (Office for National Statistics, em inglês).

“O projeto de lei que originou o estatuto do desarmamento começou a tramitar em 1999 e precisou de muita mobilização da sociedade, passeatas, as pessoas irem às ruas e pressionar o Congresso para que essa lei pudesse existir”, ressaltou Langeani. O projeto foi aprovado em 2003 e só não restringiu completamente o acesso às armas porque no referendo que questionou sobre a proibição completa, 68% da população votou “não”.

Agora, no entanto, deputados que tiveram suas campanhas financiadas pela indústria de armas e munições têm se empenhado para acelerar a votação do projeto de lei, na Câmara dos Deputados. O relator do projeto, deputado federal Cláudio Cajado (DEM-BA), não compõe a bancada da bala, mas já se manifestou favorável ao projeto em seu parecer.

Em prol da vida

“A discussão do tema é muito importante, visto que o Estado não consegue amparar a população e essa iniciativa garante aos brasileiros o direito à segurança e defesa pessoal. Mais uma vez, reforcei no encontro a minha posição como relator e cidadão brasileiro de analisar todas as sugestões das diversas entidades e adotar de forma democrática os anseios da população. Assim, mais um passo foi dado em prol da vida do cidadão brasileiro”, escreveu Cajado nas redes sociais, após a primeira audiência pública sobre o projeto.

O projeto deve ser votado na comissão especial na próxima quarta-feira (10). O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) é um dos que tem tentado barrar o avanço do PL. “O que deve ser feito é educar o cidadão para uma cultura de paz, de não utilização de armas, e melhorar a segurança pública. Vamos lutar contra a aprovação. Não podemos aceitar tamanho retrocesso”, defendeu. A preocupação do parlamentar é que a próxima legislatura, com mais representantes da indústria de armas, tenha mais facilidade em aprovar o projeto.

No entanto, a comunidade pró-armas tem se mobilizado seriamente. Em um videochat sobre o tema, realizado pelo relator, a maior parte das participações foi de defensores do projeto. E que, além de apoiar, reivindicaram maior liberdade para acesso às armas, como idade mínima de 18 anos e que a liberação seja feita por órgãos estaduais e não pela Polícia Federal.

Assista também à reportagem de Michelle Gomes, no Seu Jornal, da TVT

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