Encruzilhada

Votos do PSDB não significam ‘ressurgimento vigoroso’ , diz analista

Para Leonardo Barreto, polarização com PT conduziu PSDB à direita. Mas se olhar para o resultado de 2014 como 'patrimônio', e não se reformar, 'vai dançar e caminhar para ser partido regional'

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Pragmatismo eleitoral dos tucanos levou a distanciamento do progressismo e a guinada conservadora

São Paulo – Dias antes da votação do primeiro turno da eleição presidencial, o candidato Aécio Neves corria o risco de se tornar o primeiro presidenciável do PSDB desde 1994 a ficar fora do segundo turno. Com a entrada de Marina Silva, do PSB, na corrida pelo Planalto, o presidenciável tucano despencara nas intenções de voto apuradas pelos dois principais institutos de pesquisa do país. Um revés logo no primeiro turno era dado como uma tragédia para o PSDB, que correria o risco de seguir os passos do seu fiel aliado, o DEM, que chegou a ser força política nos anos Fernando Henrique Cardoso  – quando era ainda o PFL (Partido da Frente Liberal) –, mas, nos últimos anos, se tornou legenda coadjuvante no cenário político brasileiro.

Na reta final do primeiro turno, Aécio cresceu e atraiu o eleitorado com forte rejeição à candidatura de Dilma Rousseff, do PT. O resultado final foi uma votação alta, com mais de 51 milhões de votos, 3,45 milhões a menos que a presidenta reeleita.

No Legislativo federal, o partido fez 54 deputados na Câmara, dez a mais do que na última eleição, assumindo o posto de terceira maior bancada na casa. No Senado, o partido caiu de 12 para 10 parlamentares, mas se mantém com terceiro maior. Entre eles, os ex-governadores Antonio Anastasia (MG), José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE). Os tucanos governarão ainda os estados de São Paulo, Paraná, Pará, Goiás e Mato Grosso do Sul – perdeu três estados em relação a 2010, mas desde 1994, elege pelo menos cinco governadores.

“É interessante, porque essa era uma eleição de morte para o PSDB. Em um determinado momento, correu o risco de não ir para o segundo turno. Se não tivesse ido, muito possivelmente, mesmo com o crescimento nos estados, teria muitos problemas”, avalia o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). “Deu sorte de passar para o segundo turno, e de ter uma votação recorde. Por esse lado, o PSDB foi um partido que saiu melhor do que entrou nessa eleição.”

Para Barreto, o desempenho pode iludir o próprio PSDB caso o partido acredite que tenha recebido votos pelas propostas e não faça um juízo crítico de que precisaria mudar o perfil elitizado. “O PSDB reuniu em torno de si o voto anti-PT. Se olhar para esse resultado e achar que esse patrimônio é dele – sem fazer os movimentos que precisa fazer para se reformar, vai dançar e continuar a caminhar para ser um partido regional.”

Outro desafio para os tucanos, na opinião do analista político, é que embora Aécio Neves deva despontar como presidenciável natural para as eleições de 2018, ele terá a forte concorrência de José Serra e Geraldo Alckmin. “Daqui para frente, é tentar observar como cada um vai resolver os seus passivos e valorizar os seus ativos. Se a decisão da indicação fosse semana que vem, não haveria uma decisão natural e sim um contexto de disputa.”

Como os senhor avalia o balanço para o PSDB nas eleições 2014?

São mais notícias boas do que ruins se comparar com as três últimas eleições presidenciais. Aumentou a bancada da Câmara Federal em dez deputados, o primeiro crescimento em quatro eleições, e teve votação recorde na eleição presidencial. No caso dos governos estaduais, perdeu um estado importante, no âmbito das disputas estaduais, teria saído como perdedor talvez, porque perdeu Minas Gerais. Manteve Paraná, São Paulo, Pará e Goiás. A perda de Minas é um problema. Pela narrativa, pela maneira como as pessoas estão retratando essa votação recorde, diria que o partido sai mais fortalecido, com uma percepção mais positiva do que negativa. É interessante, porque essa era uma eleição de morte para o PSDB. Em um determinado momento, ele correu o risco de não ir para o segundo turno. Se não tivesse ido, muito possivelmente, mesmo com o crescimento nos estados, teria muitos problemas. Deu sorte de passar para o segundo turno e deu sorte de ter uma votação recorde, quase empatando com a presidenta Dilma. Por esse lado, o PSDB foi um partido que saiu melhor do que entrou nessa eleição.

A votação expressiva recebida por Aécio Neves vai credenciá-lo como o presidenciável natural tucano?

Uma coisa mais importante é que as decisões políticas sobre o futuro, principalmente em relação a quem vai ser o candidato dos tucanos daqui a quatro anos, é influenciada por vários fatores, mas, principalmente, por um negócio chamado perspectiva de poder. Essa perspectiva de poder, pelo menos em nível presidencial, vai sendo medida ao longo do tempo por pesquisas de opinião. Especialmente quando vai testar os candidatos de oposição, o resultado das pesquisas é muito influenciado pela memória que as pessoas têm. Muito possivelmente, quando a gente começar a falar da sucessão presidencial e quando começar a ter pesquisa sobre isso, o nome dele vai começar a aparecer forte por causa da memória e isso vai ser um ativo que vai utilizar para tentar conseguir a indicação.

Ele tem essa grande mancha que é ter perdido em Minas, isso vai certamente ser usado contra ele, mas, por outro lado, vai aparecer bem nas pesquisas, porque as pessoas têm memória e vão responder o nome dele quando pensarem em um candidato da oposição, que irá fortalecê-lo frente aos colegas de partido que também querem disputar a eleição presidencial. Entendo que ele sai fortalecido porque sai mais conhecido e, hoje, na cabeça das pessoas, ele é um presidenciável, coisa que não era antes da eleição. Apesar dessa derrota em Minas, ele sai melhor do que entrou.

Ele ganhou um concorrente de peso na disputa pela indicação do PSDB, que é o José Serra. Como o senhor avalia o cenário com os dois políticos no Senado Federal?

Nesses quatro anos que se passaram, o Aécio Neves não tinha concorrência no cenário. Não havia nenhum outro senador do PSDB como concorrente. Talvez o Aloysio Nunes, mas esse nunca foi um presidenciável. O Aécio não tinha alguém para dividir as atenções. Desta vez, ele terá o José Serra em seu encalço.

Isso significa que teremos ao menos um senador do PSDB fazendo muito barulho, trabalhando muito essa perspectiva anti-PT. Até creio que o Aécio começaria disputando um pouco de terreno com o Serra nas críticas ao governo federal, mas ele voltaria a atuar mais discretamente em seguida e acabaria não tendo tanta visibilidade quanto Serra provavelmente terá. Isso será um dos fatores decisivos pela disputa da indicação do PSDB para a Presidência da República em 2018.

Além do futuro senador José Serra, quem mais poderá ameaçar Aécio para o posto de candidato pelo PSDB à presidência da República em 2018?

Há uma disputa muito interessante. São três nomes principais (Serra, Alckmin e Aécio) e um quarto nome correndo por fora, que é o Marconi Perillo…

O governador do Paraná, Beto Richa, não entraria como azarão?

O Beto Richa está com o estado quebrado, dependendo de operações de empréstimo para poder pagar contas, então ele é uma figura que tem muito pouco para mostrar e teria dificuldade em enfrentar um debate público. Em compensação, Goiás é um estado que cresce seguidamente, uma das mais altas taxas do país, que está em uma situação fiscal boa. Ele (Perillo) tem um problema, que é a grande amizade que mantinha com o Carlinhos Cachoeira. De todo modo, ele sonha com essa indicação, mas corre por fora.

Geraldo Alckmin, que já concorreu ao Palácio do Planalto nas eleições de 2006, aparece também como um forte presidenciável tucano para 2018. Qual a sua opinião sobre as chances do governador paulista ser o indicado pelo PSDB?

Para o Alckmin conseguir ser o candidato, ele tem de fazer uma gestão muito boa. Hoje, por exemplo, ele estaria envolvido em uma crise enorme, que é a questão da água. E se ele não conseguir fazer isso…

Ele precisa fazer três coisas: solucionar a crise hídrica, fazer uma boa gestão e passar às claras o escândalo do metrô, ou, pelo menos, deixar isso equacionado. Alckmin conta com o fato de que o Aécio saiu desgastado por ter perdido em Minas, mas, mesmo assim, teve um desempenho melhor em Minas do que Serra e o próprio Alckmin. E está claro para o PSDB que Minas é importante para que o partido possa voltar ao poder. Esses cálculos têm de ser feitos, lá na frente, de forma pragmática.

Então, daqui para frente é tentar observar como cada um vai resolver os seus passivos e valorizar os seus ativos. Se a decisão da indicação fosse semana que vem, não haveria uma decisão natural e sim um contexto de disputa.

A candidatura de Aécio Neves apostou intensamente em um sentimento antipetista. O senhor acredita que, se mantida essa estratégia, o governador Geraldo Alckmin possa encarnar melhor o antipetismo em 2018?

Talvez. Isso a gente sabe agora, antes nós não sabíamos. O sentimento anti-PT, na campanha, foi realmente muito mais forte do que se podia antecipar e mesmo que o PT antecipou. Além do antipetismo, houve uma onda conservadora, então talvez ele tivesse mais força entre os evangélicos, entre o pessoal mesmo mais tradicional, mas talvez perdesse espaço entre os jovens. Ele é claramente um candidato que não tem a dinâmica do Aécio. Por mais que Aécio tenha perdido em Minas, ele ficou em uma situação próxima ao empate. Não temos garantias de que o Alckmin ou o Serra tivessem esse desempenho. Talvez, o desempenho fosse melhor em São Paulo, mas não há garantias para Minas. Qualquer figura do PSDB teria um ótimo desempenho.

Por quê?

A variável de votos é o antipetismo. Esse é um aspecto que talvez possa enganar um pouco o PSDB e o partido precisa estar muito atento a isso: essa votação que o Aécio teve não é uma votação do PSDB, por mais que eles vão falar e eles queiram dizer, esse não é um ressurgimento vigoroso do partido, uma consequência de um processo de reforma partidária, nada disso. É uma coincidência. O PSDB reuniu em torno de si o voto anti-PT.

Se o PSDB olhar para esse resultado e achar que esse patrimônio é dele, sem fazer os movimentos que precisa fazer para se reformar, vai dançar e continuar a ser um partido que caminha para ser um partido regional. Se o PSDB entender que essa votação não era dele e sim do sentimento anti-PT, e que o partido precisa desenvolver uma boa história para voltar a reunir pessoas em torno dele, aí tem uma boa condição para se reformar e ser competitivo em 2018. O cenário está em aberto.

Pelas experiências passadas, nas três derrotas que sofreu o PSDB, que prometeu se emendar, se renovar e não fez isso. Bem, eu não sei se vai fazer isso achando que “venceu’ a eleição”, ou ao menos achando que esses votos são dele, mas a gente tem que esperar. O PSDB tem um desafio de deixar de ser um partido de quadros – na classificação da ciência política é um partido elitizado – e ganhar características de partido de massa, com militância espontânea, grande quantidade de filiados, algum nível de democracia interna, processo claro de renovação das elites partidárias e isso, hoje, no Brasil, só um partido tem, que é o PT.

O PSDB, ao menos nas origens, nasceu como um partido propositivo, de centro e com alguma bagagem social. Nas últimas eleições, elegeu parlamentares de perfil ultraconservador e aceitou o apoio de candidatos como Pastor Everaldo. Como o senhor analisa essa guinada conservadora?

Isso é uma coisa que cria uma mácula na história do PSDB. Era um partido que estava ligado às causas de características mais progressistas. A dinâmica eleitoral vai mudando os partidos. Na medida em que começou a ter que lutar contra o PT, o PSDB acabou sendo empurrado cada vez mais para a direita. Acho que essa não é uma posição que foi discutida internamente no partido, até porque o PSDB discute muito pouco internamente, não acho que isso tenha sido resultado de uma reflexão interna. Isso é fruto puramente do resultado do embate eleitoral. Na medida em que era o grande antagonista ao PT, e o PT domina agendas mais progressistas, como as pautas LGBT, de direitos humanos, questões de preconceito e de gênero, dentre outras coisas, o PSDB acabou se vendo obrigado a defender outros valores para conseguir se diferenciar e se tornar competitivo.

O Aécio, quando diz que é contra a descriminalização do aborto, a favor da redução da maioridade penal, acho que ele está fazendo um discurso muito mais para a plateia do que propriamente destilando valores em que acredita. Essa situação é muito diferente para o Alckmin, um conservador mais genuíno, e são complicadas no campo do Serra, que acabou assumindo bandeiras conservadoras, e isso fez muito mal para a biografia dele.