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PMDB mais arredio deve colocar Dilma contra parede no Congresso

Reeleita com apoio de movimentos sociais, que já cobram agenda de reformas, presidenta vê seu maior aliado legislativo acenar para oposição em busca de mais influência no governo

Antonio Cruz/ABr

Renan avisou que PNPS cairá no Senado; vice-presidente Michel Temer não assegura coesão do partido no apoio a Dilma

São Paulo – Tudo indica que Dilma Rousseff terá vida ainda mais difícil no Congresso em seu segundo mandato. Reeleita por uma estreita margem de votos, a presidenta terá que conciliar o apoio recebido de movimentos sociais no segundo turno, determinante para garantir a vitória, com acordos políticos a serem costurados com a base aliada, essenciais para que consiga governar. Aqui, o PMDB entra em cena.

“O PMDB não ajuda muito na eleição, porque sempre esteve mais interessado em fortalecer sua própria base parlamentar e sua base nos estados, ganhando governos e prefeituras, do que em consolidar um projeto nacional”, resume Valeriano Costa, cientista político da Universidade de Campinas (Unicamp). “Mas tem peso depois da eleição, por causa de sua base grande no Congresso. É uma bancada heterogênea e não muito confiável, mas sem a qual o governo não poderia ir pra frente.”

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A partir de 2015, o PMDB terá a segunda maior bancada na Câmara, 66 deputados, apenas quatro a menos que o PT, que viu seus representantes serem reduzidos de 88 a 70. No Senado, os peemedebistas manterão supremacia, com 19 parlamentares, frente a 12 do PT – que podem ser 13 caso a ministra da Cultura, Marta Suplicy, deixe a pasta. O partido também é campeão no número de governadores eleitos, sete, além de comandar a maior quantidade de municípios, 1.023, espalhados por todos os estados.

Com toda essa força, na primeira semana após a vitória de Dilma Rousseff, o PMDB deu mostras de que, mesmo tendo a vice-presidência da República, com Michel Temer, não trabalhará necessariamente a favor do governo. Na terça-feira (28), o empenho da bancada peemedebista na Câmara foi decisivo para aprovar a derrubada do decreto presidencial que criou a Polícia Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, em episódio repercutido como “primeira derrota” da presidenta reeleita.

No mesmo dia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), adiantou que os senadores devem ratificar a decisão da Câmara e enterrar a medida, cujo objetivo era apenas regulamentar o funcionamento dos conselhos populares que funcionam no país. A ofensiva continuou na quarta-feira (29), quando o partido abriu caminho para Eduardo Cunha (PMDB-RJ) iniciar acordos com as demais bancadas com vistas à sua eleição como presidente da Casa – cargo atualmente ocupado por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

PT e PMDB se revezam no comando da Câmara desde 2007. Como o mandato de Alves termina em fevereiro de 2015, o partido de Dilma, detentor da maior bancada, reivindica o posto. Por isso, analistas se apressaram em entender a derrubada do decreto como uma sinalização do PMDB à oposição, a quem pedirá votos contra os petistas no iminente embate para o controle da Casa. Os últimos movimentos peemedebistas ecoam posturas adotadas nos últimos quatro anos, fruto de uma aliança repleta de idas e vindas.

    Eleições

    “O PMDB acertou em firmar parceria com o PT, tanto que o resultado foi a eleição e a reeleição da chapa, mas ansiamos candidatura própria em 2018”, promete o deputado estadual Baleia Rossi, presidente do PMDB em São Paulo. “Isso não quer dizer que tenhamos dificuldades com o PT. O que temos são pontos semelhantes e discordantes. Tanto é que, em determinados momentos, como agora, com o decreto, não concordamos e votamos contra. Na democracia, temos que ter respeito por essas diferenças.”

    Baleia percorreu o estado na companhia de Michel Temer fazendo campanha para Dilma, sobretudo no segundo turno, quando as pesquisas prenunciavam resultado apertado. “Temer teve uma participação efetiva e decisiva na eleição, porque fez uma agenda intensa nos quatro cantos de São Paulo”, lembra. “Também se mobilizou junto aos deputados e prefeitos do partido, falando dos avanços e conquistas do governo, levando a mensagem da reeleição.”

    Com lideranças regionais, Temer insistiu na tecla da redução da pobreza, rebateu acusações de que o país está em crise e insistiu na continuidade, prometendo conduzir pessoalmente uma revisão do pacto federativo para dar mais autonomia orçamentária aos municípios. “O PMDB é um partido municipalista. Não só a Dilma tem falado em favor da revisão do pacto federativo, para fortalecer os municípios, como estou à frente desse movimento”, prometeu a peemedebistas em 13 de outubro, em Jundiaí (SP).

    “Somos uma força”, continuou o vice-presidente, enumerando as conquistas eleitorais do partido, “e essa força tem de se revelar não só na casas legislativas, mas também nas eleições. Não é só televisão que funciona. O bate-papo é uma coisa importante.” Assim, Temer conclamou correligionários: “Vocês vão sair daqui e vão fazer campanha em todas as portas, especialmente nas periferias das cidades. É o mesmo voto de quem tem dinheiro. Vocês precisam ir às periferias e pleitear o voto em nossa chapa.”

    O empenho do maior cacique do PMDB paulista, porém, parece não haver surtido efeito. Em São Paulo, onde o partido comanda 89 prefeituras, Dilma Rousseff colheu sua derrota mais amarga contra Aécio Neves: perdeu por quase sete milhões de votos. Apesar do apoio peemedebista, no primeiro turno, o candidato do PMDB ao governo do estado, Paulo Skaf, se recusou a declarar voto na petista. Quando questionado publicamente, como ocorreu nos debates, respondia: “Votarei no vice-presidente Michel Temer.”

    Fidelidades

    “Temer é um dos únicos peemedebistas fiéis a Dilma”, analisa o cientista político Valeriano Costa. “Como vice, ele tem que demonstrar uma fidelidade que outros não precisam.” Mesmo assim, o professor da Unicamp aponta fragilidades na capacidade de Temer em reproduzir a aliança com o PT no estado. “Ele reorganizou o PMDB em São Paulo, mas Skaf se recusou a fazer campanha para Dilma. Mesmo sendo vice-presidente da República, ele não é capaz de direcionar suas próprias bases em apoio à presidenta.”

    São Paulo não é o único estado onde a coalizão federal entre PT e PMDB demonstra fraquezas. No Rio de Janeiro, após oito anos de acordos entre petistas e peemedebistas no governo Sérgio Cabral, seu sucessor, Luiz Fernando Pezão, preferiu se aproximar de Aécio Neves – numa parceria que ficou conhecida como “Aezão”. Após ser derrotado no primeiro turno na corrida pelo governo fluminense, Lindbergh Farias (PT) resolveu apoiar Marcelo Crivella (PRB) contra o PMDB. E perdeu.

    O PT foi derrotado diretamente pelo PMDB no Rio Grande do Sul, onde o governador petista Tarso Genro disputou o segundo turno com José Ivo Sartori. O peemedebista venceu o ex-ministro da Justiça por mais de 22 pontos percentuais. No Maranhão, PT e PMDB estavam unidos em torno da candidatura de Edison Lobão Filho, herdeiro político do atual ministro de Minas e Energia. Parte da militância, porém, resolveu apoiar Flávio Dino (PCdoB), que faturou em primeiro turno.

    “Nenhum diretório do PMDB está fechado 100% com o PT. Em cada lugar há uma estratégia e preocupações diferentes, sempre relacionadas a questões regionais. O PMDB cresce horizontalmente, com prefeitos, governadores, deputados e senadores, e vai crescendo por crescer, sem estratégia única”, continua Valeriano Costa, que prevê dificuldades para Dilma Rousseff no Congresso precisamente devido à falta de um projeto nacional que consiga unificar o principal partido da base aliada.

    Princípios

    “O PMDB está claramente menos à vontade no governo agora”, avalia, apontando as eleições apertadas e a natureza “mais conservadora” dos peemedebistas como fonte de problemas para a governabilidade. “A polarização tende a levar o PT mais para esquerda e os partidos tradicionais, para a direita. Cria um afastamento. É cada vez mais difícil para o PT ficar no centro, e o PMDB ficará oscilando entre apoiar e rejeitar o governo, pragmaticamente. Deverá chantagear ainda mais em busca de cargos.”

    Assim como ocorreu com o decreto sobre participação social, a situação da aliança pode se complicar caso o governo tente emplacar propostas que mexam com estruturas de poder no país, como a reforma política ou a reforma dos meios de comunicação. “Existe uma desconfiança que é estratégica e não depende de cargos”, diz Leonardo Barreto, cientista político da Universidade de Brasília (UnB). “Nessas agendas, o PMDB é oposto ao PT. Eles têm uma diferença e ninguém vai consertar isso.”

    Barreto argumenta que a liderança consolidada de Eduardo Cunha sobre a bancada do PMDB da Câmara, que se ampliará ainda mais caso consiga eleger-se presidente da Casa, deve ser um dos motivos de maior preocupação para Dilma. “Como ele tem sido um interlocutor duro junto ao governo, o PMDB tende a criar ainda mais problemas”, prevê. “Principalmente porque não há outros caciques na Câmara a quem possa se recorrer para equilibrar o poder de Eduardo Cunha. É uma situação mais complicada.”

    O cientista político da UnB revela que não se surpreenderia se o PMDB começasse a agir mais como oposição do que como aliado do governo. E a analista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Magna Inácio, lembra que essa “traição” pode ocorrer mais facilmente graças ao crescimento da oposição nas últimas eleições. “Na medida em que a oposição se fortalece e mostra capacidade de atuação mais coesa, o valor do PMDB tende a aumentar, a dependência do governo vai ser muito maior.”

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