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Governo traça estratégia para Congresso votar mudança de superávit na próxima semana

Parlamentares da base aliada, ministra do Planejamento e economistas defendem alteração e afirmam que medida não impedirá investimentos

O líder do governo, Henrique Fontana (esq), fala sobre votação na CMO de projeto que altera superávit primário

Brasília – O debate sobre o projeto que promove mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) alterando a meta de superávit fiscal levou a base aliada do Congresso Nacional a definir novas estratégias junto aos parlamentares para a próxima semana. O objetivo é evitar que o governo seja pego de surpresa com mais uma polêmica – como a que foi observada na última quarta-feira (19), quando após ter sido aprovada numa sessão tumultuada da véspera (que acabou sendo cancelada), a matéria terminou tendo sua apreciação postergada pelos integrantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO).

A demora, parte da estratégia de atuação dos oposicionistas, é tida como prejudicial para o governo, motivo pelo qual a ideia das lideranças é centrar esforços na votação. O líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), passou a quinta-feira (20) empenhado em conversas com os deputados que votarão a favor do texto para solicitar a chegada de todos a Brasília já na segunda-feira (24). A ideia é tentar antecipar a discussão numa reunião extraordinária da CMO a ser realizada no mesmo dia, caso haja quórum suficiente. Se não for possível, a sessão da comissão será realizada na terça-feira em horário mais cedo que o tradicional (às 14h).

Ainda que o texto seja aprovado em tempo hábil, esse não é o único problema dos parlamentares da base governista. É preciso, depois da aprovação pela CMO, ser encaminhado ao plenário do Congresso, numa sessão conjunta entre Câmara e Senado. Mas em razão dos atrasos nas reuniões das outras comissões, a sessão da última terça-feira (18) acabou sendo cancelada e deixou 38 vetos presidenciais trancando a pauta de votações.

Ou seja, só após a votação destes vetos – alguns dos quais possuem discussão mais complexa, como o que derruba o projeto de criação de novos municípios – é que poderá ser incluído na pauta a mudança da LDO quanto ao superávit fiscal. “A intenção é, havendo quórum, concluir essa questão na próxima semana mesmo, saindo da comissão de orçamento para o plenário do Congresso e deliberando até mais tarde. Caso não seja possível, marcaremos uma nova sessão no dia seguinte”, já adiantou o relator do texto, senador Romero Jucá (PMDB-RR) – antecipando uma espécie de “plano B” a ser posto em prática para garantir a tramitação da proposta.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por sua vez, disse que está confiante na votação. Calheiros atribuiu o fraco quórum dos últimos dias ao desestímulo que os parlamentares sentem nesse período, acentuado pelo fim da atual legislatura. Mas afirmou que esse comportamento de deputados e senadores não significa insatisfação com a base do governo. “É um quadro de indefinição evidente que exige maior mobilização de nossa parte, mas vamos conseguir desobstruir a pauta e votar”, acentuou.

A ideia da oposição é clara: barrar a votação do projeto. Mas depois das últimas brigas observadas, os parlamentares refrearam trocas de palavras acintosas na tentativa de buscar um equilíbrio no tom das conversas. “Somos democráticos. Independentemente de apoiarmos ou não o projeto, estamos aqui para votar, agora não abriremos mão de argumentar para mostrar de todas as formas que essa maquiagem a ser feita nas contas públicas não é boa para o país”, salientou o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE).

Meta de resultado

A grande divergência em torno do projeto se dá, na prática, com a substituição, proposta pelo relator, da expressão “meta de superávit” do texto da LDO, por “meta de resultado”. A mudança permitirá ao Executivo, deduzir do cálculo do superávit primário os investimentos feitos este ano em obras estruturais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nas desonerações tributárias.

A retirada dos valores do PAC se dá porque, atualmente, a meta de superávit – o resultado da diferença entre as chamadas receitas primárias (principalmente tributos e receitas globais) e as despesas primárias (gastos sociais) que é utilizado para pagar juros da dívida do país – é de R$ 116 bilhões, mas o Tesouro Nacional registrou um déficit de R$ 15,7 bilhões até setembro passado. A autorização do Congresso liberaria o governo a fechar o ano com déficit nas contas. Caso essa liberação não ocorra, o Executivo fica impedido de dar continuidade a alguns de seus atuais investimentos, como obras do PAC.

“O que está em debate não é compromisso com o equilíbrio fiscal como dizem temer alguns. Isso o nosso governo já tem e podemos apresentar exemplos de sobra para comprovar. O Brasil não deixará de fazer superávit. Esse ajuste é momentâneo”, frisou Henrique Fontana. De acordo com o líder do governo, o superávit primário é usado para pagamento de juros da dívida, mas o país não pode priorizar estas reservas hoje, caso contrário, correrá o risco de prejudicar investimentos de infraestrutura, a manutenção de empregos e a distribuição de renda. “Não nos falta clareza. O que mais temos é transparência de readaptações da política econômica para adaptar o país à conjuntura mundial”, destacou.

Garantia de investimentos

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, afirmou, em sua passagem pela Comissão de Orçamento, que a redução tem o objetivo de manter os investimentos e as políticas de desoneração em meio a um cenário de pouco crescimento na arrecadação. “O governo federal está disposto a fazer o maior superávit primário possível dentro das dificuldades econômicas”, assegurou ela, ao acrescentar que os investimentos federais e as políticas de reduções de tributos para estimular a economia não serão sacrificados.

“O comportamento imprevisível da arrecadação este ano não permite à equipe econômica traçar uma previsão. O compromisso do governo é fazer superávit primário este ano, mas não temos como cravar uma meta no momento porque dependemos do comportamento da receita, que está errática”, ressaltou. Conforme a explicação de Miriam Belchior, a redução do crescimento da economia afetou as receitas previstas para 2014 necessárias para garantir todos os investimentos e políticas públicas previstas no Orçamento. E é preciso garantir a execução dos investimentos e a manutenção dos incentivos dados por meio de desonerações.

A ministra lembrou, ainda, que não é apenas o Brasil que está crescendo menos do que o previsto em 2014. Citou o exemplo da Índia, cuja previsão de crescimento passou a ser de 1,4% a menos e países emergentes, que caíram em média 1,3% nas suas previsões. “Enquanto a maioria dos países vai ter déficit, o Brasil seguirá buscando fazer superávit”, colocou.

Confiança no mercado

A mudança na meta de superávit também foi abordada na última quarta-feira pelo economista José Carlos de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como ação que, a seu ver, não é importante. “O que os economistas de mercado chamam, pejorativamente, de criatividade fiscal como propósito explícito de expor ao mundo a falta de transparência e credibilidade do governo é apenas a expressão ideológica, não tem o menor efeito ou importância macroeconômica”, disse ele.

Segundo Assis, do ponto de vista ideológico o superávit serve para conquistar a confiança do mercado no pagamento da dívida pública. “Isso é uma grande bobagem. Se não houver superávit – na verdade, mesmo quando há um déficit – o governo paga a dívida velha, e o fluxo dos juros, lançando no mercado dívida nova sem necessidade de superávit primário, que é o resultado de uma receita tributária inferior à despesa corrente. Como essa dívida nova, uma vez lançada, é como dinheiro vivo nas mãos do seu tomador, porque pode ser trocado no BC a qualquer momento por moeda pelo tomador dos papéis, não há possibilidade de calote”, afirmou.

Em artigo técnico, o economista acentuou que o que se deve criticar não é a chamada “criatividade fiscal” e sim, a postura do Executivo de, em sua opinião, “não assumir diretamente a redução do superávit primário ou mesmo o déficit”. “A economia está em recessão, e vai continuar assim por algum tempo até que alguma iniciativa heroica externa ou interna nos leve a um novo ciclo de produção e consumo. Acho que o governo não assume de vez uma política anticíclica de tipo keynesiano por um motivo muito simples: teme as notas baixas das agências de risco alimentadas por nossos economistas de mercado, e determinadas a dobrar de joelhos nossa política econômica em nome de interesses especulativos globais”, salientou.