cabo de guerra

PMDB sinaliza dificuldades na relação com Dilma e busca força por presidência da Câmara

Petistas falam em 'sabotagem' e 'birra' após votação contra decreto sobre participação social. Com pouca consequência prática, atitude pode ser aceno de peemedebistas à oposição

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Com apoio do PMDB, do vice-presidente Michel Temer, governo é derrotado na Câmara

São Paulo – Equívoco, sabotagem, birra. As alas progressistas do Congresso não conseguem explicar, senão como um misto de divergência ideológica e recado direto ao governo federal, a mobilização parlamentar que derrubou ontem (28) na Câmara dos Deputados o Decreto Presidencial 8.243, de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).

“É um grave erro”, avalia o líder do PT, o deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (SP). “O decreto em nada altera poder do parlamento. Pelo contrário, assegura o cumprimento do artigo 1° da Constituição, que determina que o poder emana do povo, pelos seus representantes eleitos ou diretamente, pelos conselhos, que já existem há muito tempo.” Ao comentar declarações de deputados que apoiaram a derrubada do decreto, como Mendonça Filho (DEM-PE), para quem a medida governamental é uma manobra “bolivariana” para suplantar as prerrogativas legislativas, Vicentinho acredita que as argumentações são falaciosas.

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“Isso é mais uma birra pós-eleitoral na tentativa de derrotar politicamente a presidenta Dilma Rousseff, que acaba de ser reeleita”, pontua. “Não existe argumento cabível contra a participação popular na política. Então, eles inventam motivos, porque, na realidade, eles não aceitam que o povo participe de maneira mais direta nas decisões do governo. Querem o povo cada vez mais longe.”

Interpretada como a “primeira derrota do governo” após as eleições, a derrubada do decreto que regulamenta o funcionamento dos conselhos teve apoio decisivo do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e de seu partido. “O PMDB teve uma postura muito frustrante, porque não pode ser considerado apenas como base aliada do governo. O PMDB é governo. O vice-presidente da República é do PMDB. Isso deixa tudo ainda mais grave”, lamenta Vicentinho, prevendo que agora será preciso “muita conversa” com os peemedebistas para acalmar a situação.

“Esse é o jeito deles. Muitas vezes os partidos aliados têm uma gula muito grande, em qualquer votação querem mais e mais ministérios e diretorias. E não pode. Tem um limite. Não pode ser que a cada votação enfrentemos uma chantagem”, queixa-se o deputado petista. “Nenhum presidente consegue governar sem colocar seus apoiadores no governo. Isso é normal na democracia. Só não podemos fazer com que o interesse de pequenos grupos sejam superiores aos interesses do Brasil.”

PT, PCdoB e Psol foram os únicos partidos que se opuseram à aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1.491, de 2014, proposto por deputados do DEM, que suspende o decreto presidencial. Foram derrotados. Como resposta, os psolistas, favoráveis à Política Nacional de Participação Social instituída pelo governo, apresentou um novo projeto de lei que reproduz quase que totalmente o conteúdo do decreto presidencial.

O deputado federal Ivan Valente (SP) afirma que a medida pretende quebrar o argumento dos parlamentares temerosos de que a regulamentação dos conselhos fosse uma manobra do governo para enfraquecer o Legislativo. “Já que eles argumentaram que o decreto era uma intromissão do Executivo, agora será uma iniciativa do Congresso estimulando a participação popular.”

Ivan Valente, porém, não se ilude. “A tendência é que as bancadas sigam com a mesma postura”, diz. “O decreto já vinha sendo sabotado não só pela base aliada mas particularmente pelos setores mais conservadores da Câmara. Agora, virou simbologia da primeira derrota do governo Dilma logo após as eleições. Tanto que a comemoração foi excessiva para um texto que só organiza um sistema de participação que já está em vigor há muito tempo, com conselhos e conferências.”

Ao prever dias turbulentos para as iniciativas do governo federal no Congresso, sobretudo para a aprovação de matérias que firam grandes interesses, como reforma política e regulamentação dos meios de comunicação, Vicentinho e Ivan Valente concordam que os deputados precisarão de apoio social. “Ou o governo avança em suas pautas pela esquerda, chamando a sociedade civil para defender a governabilidade, ou o segundo mandato será pior que o primeiro”, diz o psolista. E o petista admite: “Quero que o povo acompanhe mais de perto o Congresso na próxima legislatura, porque, com essa composição, ficará difícil.”

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), considera que a derrubada do decreto tem peso muito mais simbólico do que prático. “O governo pode manter a mesma relação com os conselhos e os movimentos sociais sem necessidade de publicar novo decreto”, pondera. “É uma derrota, mas não é uma derrota estruturante. Não tem efeitos práticos. Como querem se prevenir de que o governo não invista sobre a área de comunicação, por exemplo, tomaram esse tipo de atitude.”

Nesse sentido, continua Queiroz, a derrubada do decreto pode ser vista também como um recado a Dilma Rousseff e ao PT de que a batalha pela presidência da Câmara, em fevereiro, não será fácil. O sinal ficou ainda mais claro com a autorização dada pelo PDMB ao seu líder na Casa, deputado federal Eduardo Cunha (RJ), para lançar sua candidatura ao cargo e, com esse propósito, costurar acordos com bancadas parlamentares.

“O PMDB fez um gesto de olho na presidência da Câmara, consciente de que derrubar esse decreto não cria maiores problemas para o governo. É um risco calculado: o partido se soma à oposição nesse episódio, ajuda a derrubar a matéria, mas sabe que não está fechando pontes e rompendo com o governo”, interpreta o analista do Diap, lembrando que, ressentida pelo resultado eleitoral, a oposição fará de tudo para derrotar Dilma no Congresso. “Assim, o PMDB faz uma sinalização à oposição, para que tenha seu apoio na disputa pela Mesa Diretora da Câmara.”

Depois de ser aprovado na Câmara, o projeto que derruba o decreto presidencial ainda precisa ser aprovado pelo Senado – como se trata de um decreto legislativo, não precisa ser sancionado pela Presidência da República. Hoje, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que os senadores devem confirmar a decisão da Câmara. “Já havia um quadro de insatisfação com relação a essa matéria. O decreto ser derrubado na Câmara não surpreendeu, da mesma forma que não surpreenderá se for, e será, derrubado no Senado.”

Na avaliação do secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), Diogo de Sant’Ana, o governo não viu como “derrota” a derrubada do decreto. Representante do órgão governamental responsável pelas relações entre Planalto e movimentos sociais, Sant’Ana diz que o que se assistiu ontem foi uma decisão anacrônica, mais um rescaldo do que vinha acontecendo após a confirmação da reeleição da presidenta Dilma Rousseff do que uma sinalização para o futuro.

O secretário-executivo revelou ainda que o governo não recebe com ódio ou qualquer outra afetação a decisão da Câmara, que aproveitou o momento para votar como queria. E reiterou as palavras do ministro da Secretaria-Geral, Gilberto Carvalho, segundo o qual trata-se de uma “vitória de Pirro” ao impor uma derrota política à presidenta, já que, na prática, esse decreto mexe pouco com as estruturas de participação já existentes. Para Sant’Ana, agora será preciso negociar com os parlamentares.

A avaliação encontra eco nas análises de Queiroz, do Diap, para quem o sucesso de Dilma Rousseff em aprovar medidas do interesse do governo na próxima legislatura dependerá da relação que manterá com o Congresso daqui pra frente. “O diálogo que Dilma prometeu em seu discurso de vitória pressupõe mais proximidade. Se não, os parlamentares continuarão exigindo novas negociações em cada votação.”

Colaborou Cida de Oliveira