Após eleições

Justiça proíbe uso da segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira

Juiz Miguel Florestano Neto, da 3ª Vara Federal em Piracicaba, determinou também a manutenção da vazão para região de Campinas e Piracicaba e o planejamento semanal das retiradas de água do Sistema Cantareira

Renato César Pereira/Futura Press/Folhapress

Represa Atibainha, uma das que compõem o Sistema Cantareira, está com somente 1,5% da capacidade

São Paulo – O juiz Miguel Florestano Neto, da 3ª Vara Federal em Piracicaba, acolheu ontem (10) o pedido liminar da ação civil pública proposta no último dia 2 pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal e proibiu a utilização da segunda cota do volume morto das represas que compõem o Sistema Cantareira, em virtude do risco de prejudicar o abastecimento das cidades que ficam na Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacia PCJ).

O magistrado também determinou que a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) retomem o planejamento semanal e excluam a Sabesp do Grupo Técnico de Assessoramento e Gestão do Sistema.

A decisão ocorre cinco dias após a eleição estadual que reelegeu o governador Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano sempre garantiu o abastecimento até maio do ano que vem e negou a medida de racionamento na região metropolitana de São Paulo.

Florestano reconheceu o risco iminente de desabastecimento da região de Piracicaba, caso a utilização da segunda cota do volume morto ultrapasse o nível das tubulações que levam água para os rios Jaguari e Atibaia, que hoje ficam submersas. Segundo os MPs, se o volume das represas ficar abaixo da metade do bocal da tubulação, a água não terá pressão para chegar em níveis que possibilitem a captação aos municípios da bacia PCJ.

“É como uma caixa d’água. Quando está cheia, o próprio peso da água faz com que ela tenha pressão para correr pelos canos. Quando está muito baixa a água somente escorre pelo encanamento. Imagine isso em um rio”, explicou o promotor do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (GAEMA) do Ministério Público Estadual (MPE) em Piracicaba, Rodrigo Sanches Garcia.

O juiz ponderou, no entanto, que caso fique demonstrada necessidade de utilizar a segunda cota do volume morto, que isso seja feito respeitando-se os estudos técnicos e de acordo com as determinações feitas por ANA e Daee. Mas não será permitido reduzir a vazão de água para a região da Bacia PCJ para menos do que 3,75 metros cúbicos por segundo de água.

Florestano também determinou que a Sabesp seja mais transparente nas informações sobre a crise e coloque na internet, além dos dados sobre níveis das represas, todas as informações históricas e atuais relativas às chuvas, afluência das águas nos reservatórios (água que entra) e saída de água pelos sistemas hidráulicos. Ele também proibiu a companhia de fazer qualquer tipo de restrição à fiscalização dos sistemas e reservatórios, sob qualquer justificativa.

O magistrado reconheceu, com base nos expostos pelos MPs, que tanto a Sabesp quanto os órgãos reguladores tinham pleno conhecimento da situação, mas nada fizeram para evitar que se chegasse ao atual cenário.

E ressaltou a pouca atuação dos governos tucanos nesses 20 anos como mandatários. Há anos o estado de São Paulo necessita de novas represas para armazenar a quantidade de água necessária a prover a demanda crescente. Contudo, os últimos governantes de nosso estado contribuíram muito pouco para sanar tal omissão.”

Florestano também destacou o viés político na condução da crise. “Ao que tudo indica a situação hídrica de nosso estado pode ter sido usada para fins políticos. Frise-se: não pretendo imputar a este ou aquele agente público o desvio de finalidade da condução de políticas públicas, mas é consenso na opinião pública que algo de muito extraordinário (do ponto de vista negativo) vem ocorrendo com o manejo de nossas bacias hidrográficas.”

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Além disso, o magistrado acatou pedido para que os órgãos reguladores façam planejamento semanal, definindo uma cota que deverá restar ao final de cada período, com o objetivo de garantir, além do abastecimento imediato da população, que não se chegue ao mês de maio do próximo ano com um valor inferior a 10% do volume útil das represas. O que significa que é preciso elevar em 25% o volume atual.

Também fica determinado que os órgãos reguladores devem reduzir as autorizações de retirada de água, e que “o planejamento tenha por base as previsões mais conservadoras, levando-se em conta a situação de armazenamento dos reservatórios e as vazões afluentes reais”.

Hoje, a Sabesp retira 19,7 metros cúbicos por segundo de água do Cantareira para abastecer cerca de 6,5 milhões de pessoas na capital e na região metropolitana de São Paulo. Outros 4 metros cúbicos devem ser enviados para a região da Bacia PCJ. Mas em alguns momentos chegou a 3 metros cúbicos, segundo a ação. Hoje o sistema atingiu 5,1% da capacidade, contando o volume morto.

Os MPs haviam argumentado na ação o abandono das regras da outorga – respeito à Curva de Aversão a Risco, que determina o volume de água a ser retirado de acordo com o nível das represas – e do planejamento, tanto que as bases em que fora lançado o uso do volume morto – iniciar em outubro e utilizar até o próximo ano – não se mostraram realistas. O volume morto começou a ser utilizado em junho, a primeira cota deve acabar ainda em outubro e a Sabesp já solicitou autorização para utilizar a segunda cota.

O único pedido que o magistrado não deferiu foi a proposta de multa aos réus em caso de descumprimento das decisões. Para ele, a medida é inócua e é mais efetiva a sujeição deles “aos crimes descritos no Código Penal e na legislação extravagante, em especial o de desobediência e prevaricação”.

As agências reguladoras e a Sabesp ainda não foram notificadas da decisão e podem recorrer.

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