No STF

Ministros apoiam meta de Lewandowski para adiantar julgamentos de repercussão geral

Luiz Barroso, do STF, e Gilson Dipp, do STJ, defendem reformulação de critérios e mecanismos que permitam melhor atendimento aos jurisdicionados

nelson jr./sco/stf

Barroso: “Novo modelo foi criado para o STF selecionar, com critério e transparência, o que vai efetivamente julgar”

Brasília – Com as mudanças que estão sendo implementadas pelo ministro Ricardo Lewandowski para acelerar julgamentos durante sua gestão na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) – cuja posse está marcada para o próximo dia 10 – e a defesa de ações que melhorem a prestação jurisdicional oferecida hoje no país, começa a tomar corpo entre ministros e magistrados um movimento para que passe a ser vista de forma prioritária a tramitação dos processos que se encontram sobre o chamado instrumento constitucional da “repercussão geral”. E mais: os magistrados já sugerem a reavaliação de critérios que possam ajudar na distribuição e no andamento desses tipos de processos.

Na prática, o instrumento da repercussão geral consiste num dispositivo previsto na Constituição que permite que, quando um processo for assim considerado, a decisão sobre o tema em questão passa a ser do STF e as demais ações sobre o mesmo assunto em tramitação nos demais tribunais ficam automaticamente suspensas. A decisão do Supremo passa, portanto, a valer para todas as demais.

Mas tal instrumento, amplamente elogiado no início, terminou se transformando num problema para o Judiciário brasileiro, uma vez que atualmente, a mais alta corte do país tem um passivo de 330 processos de “repercussão geral” para julgar – dos 696 protocolados no tribunal, nos últimos anos, com pedidos para que sejam considerados nesta situação.

Conforme cálculos apresentados pela secretaria processual do STF e apresentados na última semana pelo ministro Luís Barroso, durante evento na Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), desses 696 processos, 199 tiveram negada a possibilidade de serem considerados como de repercussão geral. Ao passo que 493 foram reconhecidos nessa situação. Desses, apenas 163 foram julgados.

Espera de 12 anos

De acordo com Barroso, por meio da avaliação desses dados, o STF julgou uma média de 27 processos com repercussão geral reconhecida por ano, e considerando-se essa média, seriam necessários mais de 12 anos para o julgamento do estoque de 330 processos nas mesmas circunstâncias. Sendo que, conforme afirma o próprio nome, os processos de repercussão geral são aqueles cujos resultados impactarão em ações que dizem respeito à vida de milhões de brasileiros – pois muitos dos que tramitam em outros tribunais são ações coletivas com mais de mil jurisdicionados como partes.

“É um cenário contrafactual e indesejável, no qual não se reconheceria qualquer nova repercussão geral ao longo dos próximos anos”, afirmou o ministro Barroso, depois de acentuar que mesmo após a criação da repercussão geral, mantiveram-se a estrutura burocrática, os bloqueios processuais “e a vasta jurisprudência defensiva que haviam sido concebidos para lidar com o espantoso volume de processos existentes”.

“Não há razão para que esse quadro permaneça. O novo modelo foi criado para o STF selecionar, com critério e transparência, o que vai efetivamente julgar. E não para ficar vergado sob o peso de um trabalho de baixa relevância, levando mais de uma década para concluir o julgamento dos processos”, destacou Luís Barroso.

O ministro sugeriu ao tribunal que passe a ser mais rigoroso no reconhecimento de matérias de repercussão geral por meio de diversas possibilidades. Uma dessas é a de o STF passar a aceitar no máximo dez ações nesta situação por semestre. Outra mudança proposta seria no sentido de alterar o sistema de julgamento e distribuição desses tipos de processos.

E, também, fazer com que a data de julgamento deste tipo de matéria passe a ser definida com mais de um semestre de antecedência. “Um melhor gerenciamento dos recursos a serem admitidos e da agenda de julgamentos contribuirá para a transparência, celeridade e qualidade da jurisdição constitucional. Isso permitirá servir melhor ao país e às pessoas”, acentuou o ministro.

Seguindo a mesma linha, o ministro Gilson Dipp, que deixa hoje (1) o cargo de vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e já foi corregedor nacional de Justiça, destacou a importância de o STF, a seu ver, dar efetividade a esse instrumento.

“Vejo quão dolorosa é a tarefa de examinar um processo sob o instituto de repercussão geral, que é um belíssimo instrumento constitucional para diminuir o numero de demandas individualizadas dos últimos tempos, o que o STF não tem feito. O Supremo não tem dado a devida importância à repercussão geral. Os processos estão sobrestados, esperando decisão. Tenho dito isso a todos os ministros com quem consigo conversar”, acentuou.

Liberados 1.600 processos

Na última semana, já dentro das diretrizes de sua gestão, Lewandowski divulgou que o STF julgou nos últimos dias três recursos com repercussão geral e, com eles, liberou 1.600 processos sobre o mesmo tema que estavam pendentes de julgamento. “O instituto da repercussão geral começa a produzir grandes efeitos”, destacou o ministro Marco Aurélio, depois do julgamento.

No primeiro dos recursos julgados, o STF decidiu que o Judiciário não pode aumentar a remuneração de seus servidores invocando o princípio da isonomia, uma vez que esse papel é exclusivo do Poder Legislativo. Segundo informações do próprio tribunal, existiam 1,1 mil processos sobrestados aguardando a decisão referente a esse julgamento.

O segundo caso foi a pacificação da tese de que a contratação, por ente público, sem concurso, não pode provocar qualquer efeito jurídico válido e o contratado sem concurso tem direito, apenas, de receber salário pelo tempo trabalhado e levantar os depósitos de FGTS. Outras 432 ações referentes ao tema estavam sobrestados em tribunais de todo o país.

Por fim, os magistrados da suprema corte decidiram que os servidores aposentados do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) têm direito a ter seus vencimentos equiparados aos dos servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Com isso, os 98 processos em tramitação no Judiciário brasileiro sobre o assunto passarão a ser julgados nos próximos dias mediante a mesma decisão.

‘Crise de crescimento’

“Apesar de apresentar bons serviços, o Supremo se aproxima da terceira década de sua existência democrática sob severa crise de funcionalidade. Com a redemocratização, ocorreu no país um expressivo aumento na demanda por justiça, o que significou uma expansão exponencial de litigiosidade e, consequentemente, um grande congestionamento nos juízos e tribunais. De certa forma, esse processo era inevitável em uma sociedade que se tornou mais informada acerca de seus direitos e passou a ter uma maior consciência de cidadania. É chegada a hora, no entanto, de enfrentar com desassombro essa crise de crescimento”, salientou o ministro Barroso.

“Se nós conseguirmos efetivamente dar aos tribunais superiores a missão constitucional de julgar os recursos, com o auxílio da informática e as ações coletivas, conseguiremos diminuir os processos que chegam aos tribunais superiores. Instrumentos como o da repercussão geral são mecanismos colocados à disposição do Judiciário e que muitas vezes não vemos, não usamos. É uma pena que quando a gente consegue se aperceber disso é porque a experiência já chegou a um momento em que somos obrigados a apreender”, acrescentou Gilson Dipp.

Com o reforço às metas de Lewandowski e a nova linha de trabalho proposta por ele para o STF capitaneado por magistrados respeitados entre os pares, a expectativa é de que, de fato, os jurisdicionados passem a contar com outro ritmo de tramitação das ações nas quais figuram como partes.

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