Tocando o terror

Aécio, Alckmin e Serra fazem jogral de dados incorretos para anunciar crise

Trabalhadores da Voith foram convocados para assembleia por sindicato, mas acabaram no segundo plano de um ato de campanha

Orlando Brito/ Divulgação

Aécio, Serra e Alckmin tiram ‘selfie’ com militância ao fundo durante evento com operários em SP

São Paulo – O candidato a presidente da República pelo PSDB, senador Aécio Neves, realizou atividade de campanha na manhã de hoje (7) na porta da fábrica de máquinas Voith, no Jaraguá, zona norte de São Paulo, onde voltou a investir no discurso da crise econômica iminente para apresentar seu projeto de país aos trabalhadores, em uma ‘versão popular’ das falas feitas aos patrões durante sabatina da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em julho; aos operários, apenas não mencionou planos de reduzir o tamanho e os investimentos do Estado. O tripé dos ataques tucanos à gestão da presidenta Dilma Rousseff é composto pela ameaça de desemprego causado por desindustrialização, inflação descontrolada e falta de segurança no país para investidores internacionais, pontos paralelos à campanha que o mercado financeiro tem feito contra a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT).

“Vivemos hoje a pior desindustrialização da história do Brasil, e com ‘estagflação’, que é quando a economia não cresce, mas a inflação, sim. Trazemos uma alternativa para trazer de volta a confiança no investimento”, afirmou o candidato, que defende como principal ação para a política econômica o estabelecimento de “regras claras que permitam o retorno do capital” e o “cumprimento de acordos”. Embora tenha aberto o discurso dirigindo-se aos “trabalhadores que estão assustados com o que está por vir”, Aécio encerrou a entrevista coletiva à imprensa destacando que foi à fábrica para “trazer uma mensagem de esperança”.

Durante a breve sessão com repórteres, o candidato repetiu duas vezes discurso praticamente idêntico ao que fez sobre o caminhão de som, já que durante o primeiro pronunciamento um gravador disparou e atrapalhou a fala do tucano às câmeras. Ele não respondeu a perguntas fora do tema central da atividade: o quão mal a economia brasileira deve ir entre este ano e o próximo.

O deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (Solidariedade), foi o “mestre de cerimônias” do ato pró-Aécio, reafirmando seu papel de induzir e facilitar o diálogo da campanha do PSDB com os trabalhadores, em especial os sindicalizados. Na festa de 1º de Maio da Força Sindical, quando o grupo ligado a Paulinho e ao Solidariedade declarou oficialmente apoio a Aécio, os dois já haviam utilizado um humorista do Pânico, da TV Bandeirantes, para caçoar da presidenta Dilma Rousseff (PT) e apresentar-se ao eleitor menos politizado.

Acompanhado dos tucanos Aloysio Nunes, candidato a vice-presidente, José Serra, que tenta vaga no Senado, e Geraldo Alckmin, que concorre à reeleição ao cargo de governador de São Paulo, Aécio liderou um desfile de incorreções sobre a economia brasileira. Ao defender a tese de que enquanto o governo não reajustar a tabela de restituições do Imposto de Renda (IR) para alcançar a inflação estará praticando “confisco de salário”, por exemplo, Serra apontou que o trabalhador que recebe dois salários mínimos (R$ 1.448) sofre para pagar o IR. Antes dele, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres, em discurso ácido contra a gestão Dilma, reclamou do fato de que quem recebe R$ 1.700 tem de pagar imposto – na verdade, o trabalhador que recebe até R$ 1.900 é isento da taxa.

Alckmin completou dizendo que o Brasil ainda vive o “7×1”, ou 7% de inflação com 1% de crescimento do Produto Interno Bruto, em menção também ao placar sofrido pela seleção brasileira contra a Alemanha na Copa do Mundo. Embora a projeção de crescimento do PIB esteja, de fato, na casa de 1% para 2014 (o último boletim Focus, do Banco Central, fala em 0,9%), o dado sobre a inflação não condiz com as estatísticas: a inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 6,5%, conforme o IPCA, e a projeção para 2014 é de 6,3%. Paulinho reafirmou que “amanhã a inflação estoura a meta”, embora nos últimos meses o índice siga em viés de queda – amanhã, às 9h, o IBGE divulgará o IPCA e o INPC de julho.

O sindicalista disse ainda que a Voith teria fechado 40% dos postos de trabalho nos últimos dez anos durante fala sobre “o desemprego pesado” e a “indústria nacional, que acabou”. A empresa nega o dado: “Devem ter falado no improviso ali”, afirmou assessor de imprensa da Voith à reportagem da RBA após o evento. Embora greve dos servidores do IBGE tenha impedido a divulgação da taxa oficial de desemprego no Brasil, levantamento do Dieese e da Fundação Seade em seis regiões metropolitanas do país mostra que a taxa segue estável, em torno dos 10% desde o ano passado. Levando-se em conta os demais municípios brasileiros, de acordo com projeção da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a taxa de desemprego atual também segue estável, na casa dos 5%.

Todo ano é igual

A atividade, que teve início às 6h30, foi anunciada aos trabalhadores da Voith como “assembleia” do sindicato e, antes do discurso de Aécio, representantes sindicais seguiam informando que, após as falas políticas, haveria informes aos trabalhadores, que não ocorreram. A Voith informou que recebeu solicitação do sindicato de parar o turno matutino por uma hora e meia para atividade sindical, e que é recorrente a presença de candidatos nesse tipo de ato em anos eleitorais. “É assim todo ano mesmo. O sindicato organiza um encontro com o candidato que ele está apoiando. Eu não conhecia o Aécio, não. Vim pelo sindicato mesmo. Vamos ver o que ele tem a dizer”, disse Reginaldo Vieira da Silva, 46 anos, ajustador mecânico e integrante da Cipa, que liderou um dos grupos de trabalhadores que deixou a fábrica para acompanhar o ato político.

“Fiquei sabendo em cima da hora que vinha candidato aí. Ainda não escolhi nenhum deles, mas, pra mim, eles têm de apresentar propostas para a segurança e a saúde, que estão uma calamidade”, ponderou o lixador Edivaldo Souza Lima, de 50 anos. Após os discursos, ele se demonstrou desanimado por não ter ouvido propostas para as áreas que considera mais importantes. “Estou igual antes. Sem vontade de votar em ninguém.”

“Cada discurso põe problemas diferentes, eles falam de acordo com o que atende a eles e que interessa à gente aqui ouvir, né?”, sintetizou a aprendiz de mecânica Jaqueline Alves, de 20 anos. “Para mim, o mais importante é saúde e educação, porque é assim que investimos no futuro, nas crianças”, afirmou.

As impressões dos trabalhadores refletem pesquisa Datafolha de abril sobre as maiores preocupações dos brasileiros: segundo o levantamento, 34% das pessoas preocupa-se com a qualidade da saúde pública, 20% veem a segurança pública como questão principal a lidar no país, 13% têm como prioridade o combate à corrupção e 11% acham que a educação deve ser o tema mais importante para o governo. Apenas 5% demonstram preocupação com desemprego no futuro próximo.

As perspectivas para a economia também destoam do tom de discurso do PSDB: a mesma pesquisa mostra que 46% dos brasileiros acreditam que a condição econômica pessoal vai melhorar, e outros 39% acham que vai ficar como está; apenas 12% creem que a situação vai piorar. Em relação ao Brasil, 27% acreditam que vai melhorar, e 39% acreditam que fica como está, enquanto 29% preveem piora.


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