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Ministro diz que cabe ao Judiciário coibir abusos em prisões de manifestantes

Cardozo, da Justiça, foi cauteloso ao falar sobre detenções com indícios de arbitrariedade e deixou entrevista logo após ser questionado sobre processos contra militantes no Rio e em São Paulo

Wilson Dias/Agência Brasil

Para Cardozo, falta de comunicação entre poderes inviabiliza formulação de política de segurança

São Paulo – O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi cauteloso hoje (30) ao comentar as prisões e processos contra manifestantes nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Eu, como ministro da Justiça, tenho que tomar cuidado com pronunciamentos que possam substituir a apreciação pelo órgão competente”, afirmou. Ele defendeu que cabe ao Judiciário nos estados definir sobre legalidade ou não dos processos. “A polícia investiga e cabe ao poder judiciário decidir se as provas são frágeis ou se não são. Se devem ser condenados ou não devem”, completou.

Cardozo buscou um certo “equilíbrio” entre a condenação de abusos por parte das forças de segurança e do uso de violência nas manifestações. “O ministério tem uma posição muito clara contra abusos, venham de onde vierem. Nós não podemos aceitar que pessoas utilizem manifestações para cometer crimes. Se há prova disso, têm de ser punidos. Por outro lado, não podemos concordar com abusos de autoridade”, declarou, após palestrar no 8º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado na Faculdade Getúlio Vargas (FGV), na Bela Vista, região central da capital paulista.

Hoje se completam 37 dias das prisões do estudante e funcionário da Universidade de São Paulo, Fábio Hideki Harano, e do ex-policial Rafael Marques, durante ato contra a Copa do Mundo em 23 de junho. Eles foram acusados de associação criminosa – de serem adeptos da tática black block – e porte de explosivos. No entanto, a Polícia Civil nunca apresentou tais artefatos. Testemunhas afirmam que Hideki não possuía qualquer explosivo no momento da prisão e que ele não participou de atos violentos nas manifestações.

No Rio de Janeiro, o desembargador Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal, concedeu habeas corpus para os 23 ativistas acusados de formação de quadrilha armada para incitar atos violentos na capital carioca. O magistrado argumentou que a decisão de encarcerá-los “deixou de contextualizar, em dados concretos, individuais e identificáveis nos autos do processo, a necessidade da segregação dos acusados, tendo em vista a existência de outras restrições menos onerosas”.

A prisão foi embasada por escutas telefônicas e delação. A acusação de porte de arma foi por conta de uma adolescente cuja prisão se deu em casa, onde estava a arma do pai dela, com registro de porte vencido.

O ministro afirmou que vem buscando a elaboração de um protocolo universal de atuação em manifestações, mas que sofre resistência porque as práticas são muito distintas em cada estado. “Nós chegamos muito perto de ter um resultado. Acho que o país precisa disso. Tem muitas diferenças regionais, mas nós vamos investir nisso”, disse, ressaltando que o diálogo vem sendo realizado com os todos os comandos policiais.

Na entrevista, Cardozo comentou a pesquisa que indica que 85% dos policiais seriam a favor de mudanças na estrutura atual das polícias, sendo 27% a favor da criação de uma única polícia de caráter civil. “Esse ponto da pesquisa me surpreendeu. É preciso caminhar no sentido da modernização das polícias do país, levando em consideração a opinião dos policiais e também o que a sociedade quer”, afirmou.

Para o ministro, a principal questão que precisa ser enfrentada é a da integração. Cardozo defendeu a continuidade da ação do centro integrado de segurança que operou durante a Copa do Mundo, coordenando ações conjuntas das polícias Federal, rodoviárias, civis, militares, bombeiros e Força Nacional. “Nós temos uma boa experiência durante a Copa e temos também boas experiência regionais e locais. Vamos caminhar para fortalecer a integração e criar novas estruturas institucionais nesse sentido”, afirmou.

A dificuldade de integração leva a outro problema: a carência de informações. O ministro destacou que não há diálogo entre as polícias Civil e Militar e delas com o Poder Judiciário, o que prejudica o repasse de informações para outras esferas. “Se não sei onde ocorrem os crimes não tenho como fazer uma política séria de segurança pública. A carência de planejamento e a improvisação são o padrão na atuação em segurança no país”, disse Cardozo.

Ele admite que ainda se encontra em processo, mesmo no ministério, a transição para a proposição de políticas de segurança e não simplesmente o repasse de verbas e o combate ao crime sem planejamento. Para o ministro, o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) deverá representar o salto para uma ação propositiva na área da segurança por parte do Ministério da Justiça. “O ministério não é um banco. Queremos mudar o caráter de repassador de recursos da pasta”, defendeu.

Especialistas da área de segurança reconhecem que a dificuldade em integrar as polícias Civil e Militar, para além do âmbito territorial, é um dos principais problemas para desenvolver uma política ampla e integrada de segurança pública.

André Zanetic, do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), avaliou que muitas vezes é difícil diferenciar o que é cooperação do que é conflito. “Fala-se muito pouco de relações práticas entre as policias, quando isso é fundamental para pensar mudanças nesse sentido. Existe uma grande desarticulação entre as forças para planejamento de ações e na integração entre base de dados. Isso é causado por uma barreira conceitual, mas também corporativa”, afirmou.

O pesquisador Robson Sávio, da PUC-MG,  lembra que há os que ganham com a situação de insegurança e preferem que a situação permaneça como está. “Os problemas de segurança no ambiente público aumentam a demanda da segurança privada. E muitos gestores do privado são atores do público. Temos também um Congresso que prefere agir sobre demandas midiáticas e conservadoras e não pensar uma reformulação da legislação.”

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