Debate de paixões

Em encontro com movimentos, ministro admite que PT tem de se reaproximar da base

Gilberto Carvalho se reuniu com representantes do Território Livre e Comitê Popular da Copa, e ressaltou que partido precisa retomar 'espirito coletivo'

Gisele Brito/RBA

Ministro defendeu legado Copa e da gestão petista; para ativistas, conquistas sociais do passado não anulam erros

São Paulo – O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, se reuniu na noite de ontem (2) com representantes dos movimentos Território Livre e Comitê Popular da Copa, no espaço Epicentro Cultural, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. Após quase quatro horas de debate, o ministro declarou à RBA que existe uma “guerra de valores” em curso e que o PT precisa se reaproximar das bases e retomar o “espírito coletivo.”

“Tem (o PT) que fazer uma conversão no sentido de conviver na base, de retomar o espírito de serviços, de coletivo. Isso é fundamental. O PT é um agente fundamental que tem que recobrar forças para isso”, afirmou Carvalho, admitindo que o partido ainda não está “preparado” para o enfrentamento do cenário.

O ministro vê como necessário realizar um embate contra valores retrógrados presentes em segmentos da sociedade. “Tem uma guerra de valores que nós temos que fazer. O nosso governo, sobretudo o partido e os partidos que nos apoiam, tem que levar muito em conta isso. Há, de fato, uma perda dos valores que deram base para a nossa luta, para a nossa geração. O individualismo, o consumismo, o sexismo, a cultura da violência contra a cultura de paz, isso nos preocupa”, comentou, ressaltando que essas características “não estão presentes na maioria da juventude.”

Durante o debate, o que se viu foi uma discussão de paixões, apesar de o tema central ser “Copa: promessas e direitos civis”.

Na ocasião, o governo teve a oportunidade de entender a chamada “oposição à esquerda” feita pela juventude. Para os movimentos, a solução das demandas não veio, como avaliou o próprio ministro. “Serve (o debate) muito para a gente entender questões que estão na cabeça de uma parte da juventude brasileira e que são importantes a gente ver, verbalizar ao vivo, com a paixão que as pessoas levantam.” Ele também viu o encontro como forma de apresentar informações “reais” sobre a Copa.

O evento foi uma rara chance de diálogo com o Território Livre, grupo que tem disseminado as palavras de ordem “Não Vai ter Copa”, e uma forma de escutar a juventude que se opõe ao projeto petista.

“O PT não é um partido qualquer. Ele se construiu com bases populares muito fortes. Agora, a cartada da burguesia para dominar o Brasil, para conseguir continuar explorando a juventude e os trabalhadores, precisava disso: um partido que se dizia dos trabalhadores, que estava bastante enraizado nas camadas populares, para garantir uma cartada que um partido como o PSDB não pode dar mais”, disse Rodrigo Antonio, membro do Território Livre que compôs a mesa de debates.

A defesa da gestão do PT, nas palavras de Carvalho, pode ser compreendida com uma afirmação. “Nossa geração não conseguiu fazer a revolução. Lamento profundamente. Quem sabe a de vocês consiga. Nós estaremos juntos. Mas, enquanto isso não acontecer, temos que cuidar da fome. A democracia é 40 milhões de pessoas que passavam fome e foram incluídas”, enfatizou, quando se referiu a críticas sobre a acomodação do PT ao sistema capitalista.

Os participantes do debate repeliram o argumento do ministro de que a Copa garantiria “mais comida no prato” dos trabalhadores e reivindicaram outros direitos “com a mesma importância da alimentação”, como o de manifestação e o de ir e vir.

Gilberto Carvalho reconheceu como legítimas as reivindicações apresentadas e admitiu erros na falta de pronunciamento oficial sobre a repressão policial a manifestações, principal tema apresentado pelos jovens – vários deles foram presos durante protestos e acusam a polícia de espionagem com grampos telefônicos e rastreamento de e-mails.

O secretário nacional do governo federal, Wagner Caetano, lembrou que ainda este ano haverá eleições e que será possível fazer escolhas, o que foi contestado com a argumentação de Marina Mattar, do Comitê Popular da Copa. “Quem está na rua não acredita que a democracia se encerre nas urnas”, ressaltou.

Rodrigo Antonio marcou posição clara em relação ao governo federal. “A juventude que está nas ruas não tem compromisso algum com o legado do PT.”

Carvalho rebateu e garantiu que essa não é a realidade da maioria dos jovens brasileiros. “A maioria da juventude brasileira está vivendo uma mudança e sabe disso. Isso é uma posição muito minoritária. O que é real é que essa juventude não viveu o período anterior ao governo Lula e, portanto, desconhece o que era o Brasil antes disso. Isso é real e nos preocupa. A gente tem que trabalhar com esse elemento”, destacou.

Num espaço pequeno, onde os representantes do governo federal podiam ver e contestar as reações dos 30 ativistas que participaram do debate na noite de ontem, os petistas lembraram do envolvimento com movimentos sociais, inclusive durante o período da ditadura civil militar. O ministro afirmou que os jovens ali presentes eram a imagem e semelhança dos próprios representantes do governo no passado. Um membro da plateia rebateu: “Espero que a gente não seja vocês amanhã.”

Posturas

Há diferenças entre os movimentos que estão nas ruas. O Comitê Popular da Copa e o Território Livre têm táticas e críticas diversas em relação ao mundial. Enquanto o Comitê questiona “Copa pra quem?”, denuncia violações de direitos de pessoas removidas para dar lugar a obras, trabalhadores mortos na construção de estádios, bloqueio aos trabalhadores ambulantes e cobra o governo para tomar medidas para solucionar o legado negativo do evento, o Território Livre fala sobre o cancelamento do torneio e orienta o debate para a discussão da ruptura com o Estado e o sistema da “construção revolucionária de um outro modelo de sociedade.”

No fim de abril, Carvalho esteve em São Paulo para conversar com movimentos sociais, assim como fez nas outras 12 cidades-sede da Copa, buscando construir o que ele mesmo definiu como “diálogo tardio” para apresentar o que o governo considera a importância e os legados do torneio.

Na ocasião, no entanto, representantes da frente de movimentos Se Não Tiver Direitos Não Vai Ter Copa, da qual o Território Livre e o Comitê Popular fazem parte, se recusaram a sentar na plateia com movimentos sociais próximos ao PT e dificultaram as falas, erguendo faixas e gritando durante todo o evento na Casa de Portugal, na Liberdade.

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