Nova visão

STF revê tratamento desigual a condenados e corrige retrocesso em sistema prisional

Tribunal autoriza trabalho de Dirceu. E nega ida de Genoino para casa. Barroso defende equilíbrio em relação a presos em situação similar, e lembra que ex-deputado terá direito a regime aberto, em agosto

José Cruz/ABr

“Não vejo fundamento que justifique tratamento desigual aos condenados na AP 470 ou, pior, promover um retrocesso geral no sistema carcerário”

Brasília – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, não saiu ainda do cargo – o que acontece só nos próximos dias –, mas a opinião geral de advogados, magistrados e políticos que acompanharam a sessão desta quarta-feira (25) é de que o tribunal já mudou. Na sessão, que julgou os recursos apresentados pelo ex-deputado José Genoino e pelo ex-ministro José Dirceu, o colegiado, sem embates nem manifestações acaloradas, acatou os votos do relator, ministro Luiz Barroso, numa decisão que, em relação a Genoino surpreendeu muita gente, mas ao mesmo tempo não deixou de satisfazer a defesa dos dois réus.

No caso de Genoino, o relator negou o pedido para reversão do seu regime prisional de semiaberto para domiciliar. Indo na contramão do que muitos esperavam, o ministro disse que outros presos com quadro de saúde semelhante ao do ex-deputado passam por esse tipo de situação. Motivo pelo qual, segundo ele, acatar o agravo de instrumento interposto pela defesa do réu poderia reforçar o que se costuma afirmar popularmente: que a lei é desigual.

Por outro lado, o ministro praticamente garantiu a ida de Genoino para casa a partir do dia 24 de agosto, quando o ex-deputado completa o período de cumprimento de 1/6 da pena ao qual foi sentenciado. Disse que diante das suas condições de saúde, se compromete a analisar com celeridade a progressão de regime prisional – à qual todo preso tem direito, a partir do cumprimento deste período. Saindo do semiaberto, Genoino terá direito ao sistema aberto.

“Em outras palavras, ele descobriu com uma mão e cobriu com a outra. Seu relatório-voto foi redigido dentro de um contexto que não levasse ao entendimento de justiça desequilibrada. Jogou para a plateia, mas foi muito inteligente na relatoria”, avaliou o advogado Olavo Araújo, que acompanhou a sessão.

Em relação a José Dirceu, Barroso acatou o recurso da defesa, autorizando o ex-ministro a trabalhar, mas não sem antes traçar várias ponderações sobre a questão da autorização de trabalho para presos. Ele lembrou decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 1999, que criaram jurisprudência no sentido de que não é necessário o cumprimento de 1/6 da pena para tal tipo de autorização. E fez questão de enfatizar: “penso diferente do antigo relator”, numa referência direta a Joaquim Barbosa.

‘Entre amigos’

Barroso, ao prover o recurso de José Dirceu, de uma única vez afastou a exigência de cumprimento de um tempo mínimo de pena, afastou a discussão de que Dirceu não poderia trabalhar na iniciativa privada – colocada anteriormente – e destacou que argumentos como os de que o emprego que conseguiu teria sido uma espécie de “ação entre amigos” não interferia na decisão. “Se por acaso ele é amigo ou não do responsável pelo escritório que o quer contratar, isso não vai ter peso na realização do trabalho”, acentuou. Mas disse que se sentia incomodado com o fato do ex-ministro trabalhar num escritório de advocacia, embora achasse que esta é uma questão a ser avaliada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e não naquele momento.

A colocação do relator, no entanto, embora seguida pela maioria dos ministros, teve votos contrários. No caso do recurso de Genoino, por parte dos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowiski. No caso de Dirceu, por parte do ministro Celso de Melo. “Se o procurador-geral da República deu parecer favorável à reversão do sistema prisional do réu (Genoino), sou favorável a que se acate o recurso. Existem laudos médicos que se contrapõem a outros laudos médicos e, de um modo geral, todos dizem que o paciente tem uma cardiopatia crônica e grave”, ponderou Lewandowski, concordando com a defesa.

Lewandowiski, que assumirá a presidência do STF em substituição a Joaquim Barbosa, acentuou ainda, ao falar sobre argumentos diversos, que alguns laudos atestaram não ser imprescindível a manutenção de Genoino em casa, enquanto outros lembraram que o sistema penitenciário do Distrito Federal não tem condições de oferecer ao apenado o cuidado de que ele precisa. “Temos uma profusão de conclusões”, frisou.

Já Celso de Mello, que foi voto contrário à autorização de trabalho para Dirceu, pregou que o trabalho externo não é próprio do regime semiaberto e, por isso, Dirceu só poderia ser autorizado a trabalhar se fosse dentro da cadeia, em casos, por exemplo, de marcenarias existentes dentro de presídios ou em colônias agrícolas.

Sistema prisional

O voto de Barroso, porém, deu abertura para discussões sobre deficiências no sistema penitenciário do país, a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que atualmente é o órgão responsável pelo acompanhamento da execução criminal – e até novas alternativas para o trabalho de apenados. Neste último caso, propostas pelo ministro Gilmar Mendes (em cuja gestão como presidente do CNJ foi criado o programa de mutirão carcerário, que deu início ao acompanhamento dos presídios).

“Sou filosófico a favor da prisão domiciliar monitorada para criminosos não violentos, mas não posso deixar de reconhecer que estaria reproduzindo uma exceção e não seria igualitário nem republicano. Existem, no sistema prisional do Distrito Federal hoje, 306 hipertensos, 16 cardiopatas, 10 pessoas com câncer, 56 com diabetes, 65 com HIV, além de outros 11 presos internados em alas de hospitais públicos de referência”, afirmou Luiz Barroso.

Em relação ao seu antecessor, o ministro relator não poupou palavras: “Não vejo fundamento legítimo que justifique dar tratamento desigual aos condenados na ação penal 470 ou, pior, promover um retrocesso geral no sistema carcerário e restringir as perspectivas já limitadas dos apenados”.

“Com a decisão, o STF mudou o discurso e mudou a forma de avaliação sobre a situação dos réus da AP 470”, opinou o analista legislativo Robson Azevedo, professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB), que acompanhou a sessão.

Para o novo relator, imperou a frase destacada por ele no início da leitura do voto, do filósofo alemão Immanuel Kant – “age de tal modo que a máxima de tua vontade possa se transformar numa lei universal”. Considerando-se que o Brasil tem a quarta população carcerária do mundo, formada por 567 mil presos e um déficit de 210 mil vagas, conforme dados apresentados pelo próprio Barroso, a decisão de hoje pode ajudar a mudar a progressão de pena e situação prisional de muitos destes detentos.

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