STF

Advogado de Dirceu se diz perplexo com decisão de Barbosa contra trabalho externo

Presidente do Supremo recorre a jurisprudência dos anos 1990 e altera a própria linha de argumentação para barrar autorização. Oliveira Lima diz que medida 'passa por cima' do Ministério Público

Marlene Bergamo/Folhapress

Ex-ministro vai continuar na Papuda até cumprir um ano, três meses e 25 dias em regime fechado, no cálculo de Barbosa

São Paulo – O advogado do ex-ministro José Dirceu, José Luis Oliveira Lima, afirmou no início da noite de hoje (9) ter recebido com “perplexidade” a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de negar o pedido para que seu cliente pudesse deixar o presídio da Papuda durante o dia para trabalhar em escritório de advocacia em Brasília.

“Avalio com perplexidade. Porque a decisão deixa de lado uma jurisprudência consolidada no país, em todos os tribunais brasileiros e no Superior Tribunal de Justiça, que diz que o sentenciado, mesmo não tendo cumprido um sexto da pena, pode, sim, trabalhar fora do presídio”, disse Oliveira Lima, em entrevista a jornalistas. De acordo com Barbosa, o artigo 37 da Lei de Execuções Penais determina que o sentenciado tem de cumprir 1/6 da pena antes de obter o benefício.

Barbosa adotou a mesma argumentação do dia anterior, com base na qual cassou a autorização para trabalho de outros dois condenados, Romeu Queiroz e Rogério Tolentino. Ao avaliar a jurisprudência que permite o trabalho externo, a mesma que havia utilizado para conceder o benefício aos condenados, o presidente do STF criticou seus colegas de toga e afirmou ser preciso mudar esta prática.

Para o advogado, as decisões dos últimos dois dias são juridicamente inexplicáveis. “O que causa espécie à defesa é que o ministro Joaquim Barbosa tinha conhecimento de que outros sentenciados na AP 470 que cumpriam pena, com decisões dos juízes das varas de execuções, trabalhassem fora, e em nenhum momento cassou essas decisões. Na véspera de decidir o pedido do ex-ministro Dirceu, ele revoga a decisão de dois sentenciados e aí indefere o pedido do ex-ministro”, lembrou. “A decisão passou por cima das manifestações do Ministério Público.”

Ao proferir a decisão, Barbosa vai além da questão jurisprudencial e passa a tecer considerações sobre o local de trabalho de Dirceu, que atuaria em um escritório de advocacia. O presidente do Supremo considera que se trata de uma manobra e alega que o proponente do emprego não estará dentro da sala durante todo o período de trabalho do ex-ministro, “o que evidentemente inviabiliza a fiscalização do cumprimento das normas, que é da essência do cumprimento de uma sentença criminal”.

Além de contrariar a jurisprudência “pacífica dos tribunais e a melhor doutrina brasileira”, Oliveira Lima entende que a decisão do presidente do STF atinge a própria política do sistema penitenciário. “Sentenciados que preenchem os requisitos legais para trabalhar externamente vão ficar presos? O encarceramento é a questão mais lógica para o sistema penitenciário?”

Ele lembrou também que o Ministério Público em três oportunidades se manifestou favoravelmente à concessão do trabalho externo e afirmou que vai interpor agravo regimental contra a decisão. “Espero que o presidente leve o agravo ao plenário da Corte, porque em outras oportunidades agravamos e infelizmente o ministro Joaquim Barbosa não levou ao plenário, o que significa uma denegação de justiça.”

Segundo o advogado de Dirceu, a jurisprudência citada por Barbosa para respaldar a negativa de trabalho externo já está superada. “Essa jurisprudência do próprio STF da década de 1990 já foi maciçamente superada, não tem respaldo na jurisprudência dominante nos tribunais brasileiros. Qualquer operador do direito sabe disso.”

O defensor de José Dirceu preferiu não se manifestar sobre uma suposta perseguição pessoal de Joaquim Barbosa a Dirceu. “Não me cabe fazer avaliação política, me cabe me manifestar de maneira jurídica. Juridicamente a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal não tem respaldo na jurisprudência. Ele interpreta a lei, do ponto da defesa, de maneira equivocada.”

Mídia

Oliveira Lima disse ainda que a mídia teve atuação importante no desfecho da ação. “A mídia tem, sim, papel importante no julgamento da AP 470. Num curto espaço de tempo há necessidade de ter uma reflexão de como foram as coberturas, deste caso e de outros”, declarou.

Jornalistas insistiram em saber de Oliveira Lima o que ele tinha a dizer sobre o episódio em que a filha de José Dirceu “furou fila” para ver o pai no presídio. “Não é uma questão jurídica ainda. O fato foi noticiado hoje pelo jornal Folha de S. Paulo”, esclareceu. “Não me cabe fazer ilações ou interpretações de matéria da imprensa, que aliás em algumas situações vêm pautando algumas decisões. Meu cliente teve seu pedido de trabalho suspenso com base numa nota da imprensa, numa nota veiculada também no jornal Folha de S. Paulo, sem que tivesse tido uma investigação.”