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Plano Diretor de SP vai a votação nesta quarta sob pressões sociais e empresariais

Acordo prevê aprovação em comissão no começo da tarde e envio a plenário em seguida. Movimentos, empresários e vereadores se mobilizam por mudanças

Luiz França/CMSP

Os vereadores da Comissão de Política Urbana realizaram oito audiências desde a apresentação do substitutivo

São Paulo – Deve ir ao plenário da Câmara Municipal de São Paulo hoje (23) o Projeto de Lei 688, de 2013, que promove a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade. A votação depende de cumprimento de acordo que prevê a aprovação na Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Casa, sem alterações no texto do substitutivo apresentado pelo vereador Nabil Bonduki (PT), relator da peça. As propostas de mudança apresentadas por vereadores e pela sociedade civil nas audiências públicas após a apresentação do substitutivo devem ser anexadas ao texto e debatidas no plenário.

A expectativa é de que movimentos sociais ligados a diversas questões urbanas compareçam às duas votações para pressionar os vereadores. Só o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) promete levar alguns milhares de pessoas para a frente da Casa, no centro da capital.

O novo Plano Diretor pretende regular ações, obras, distribuição e desenvolvimento da cidade pelos próximos 16 anos. O conjunto de normas anterior foi aprovado em 2002, na gestão de Marta Suplicy (PT), porém acabou sendo praticamente ignorado durante as gestões seguintes – José Serra (PSDB, 2005-2006) e Gilberto Kassab (PSD, 2006-2012).

Uma das demandas dos movimentos é garantir a manutenção das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) demarcadas no plano desde 2002. Essas áreas definem locais em que já há pessoas vivendo, mas em condições precárias, ou ociosas, e que devem ser aproveitadas para construir moradias para a população de baixa renda. Além disso, os movimentos querem criar instrumentos para efetivar as habitações e não deixar as Zeis apenas marcadas.

Outros pontos considerados avanços na política fundiária da cidade, como o que cria mecanismos para a formação de um estoque de terras públicas para a construção de Habitações de Interesse Social (HIS), a partir de verba do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) e a regulamentação do IPTU progressivo – que aumenta a taxação sobre imóveis subutilizados ou abandonados – também estão na pauta dos movimentos.

Uma inovação nascida na revisão do plano é a Cota Solidária, que determina que o equivalente a 10% da área de empreendimentos com mais de 20 mil metros quadrados sejam destinados à construção de Habitações de Interesse Social. Nesse caso, o proprietário pode garantir uma parte da própria obra ou construir moradias, nessa proporção, em outro terreno dele na mesma região.

As medidas, tidas como progressistas em relação à produção de moradia para pessoas de baixa renda, não têm sido alvo de críticas públicas. No entanto, podem ser usadas como forma de barganha para se obter outras vantagens para o setor imobiliário. Os empresários do setor se queixam, por exemplo, do encarecimento da outorga onerosa, taxa cobrada pelo poder público para se construir mais que padrão permitido em determinada área.

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Um ponto polêmico é a possível autorização da construção de um aeródromo privado em Parelheiros, no extremo sul da capital, uma área de proteção ambiental. Parte dos parlamentares – Antônio Goulart (PSD), Milton Leite (DEM), Alfredo Alves, o Alfredinho (PT) e Ricardo Nunes (PMDB) – é favorável, justificando a demanda por empregos na região, o aumento dos voos de pequeno porte e o uso de tecnologias ambientais no empreendimento.

Outra parte – como Nabil Bonduki (PT) e Ricardo Young (PPS) – avalia que o terminal traria prejuízos ao equilíbrio ambiental local, além de prover poucos empregos diretos e fomentar o adensamento de construções comerciais e moradias. Este grupo defende que seja priorizado o investimento em ecoturismo, criação de dispositivo de pagamento de serviços ambientais – em que o Estado paga pela preservação de uma nascente ou de mata nativa contidos em um terreno privado, por exemplo – desenvolvimento e fortalecimento da atividade agrícola local com o enquadramento da região como zona rural.

A área de quatro milhões de metros quadrados onde a Harpia Logística, empresa de André Skaf, filho do pré-candidato ao governo paulista e presidente da Fiesp Paulo Skaf, quer construir o aeródromo é conhecida como Fazenda da Ilha e fica próxima às Áreas de Preservação Ambiental (APAs) Capivari-Monos e Bororé Colônia, remanescentes de Mata Atlântica que se ligam ao Parque Estadual da Serra do Mar. Ao lado do terreno está a várzea do rio Embu-Guaçu, um dos principais formadores da represa Guarapiranga, responsável pro cerca de 30% da água potável consumida em São Paulo.

A Harpia alega que somente 15% da área será utilizada. O local receberia serviços de táxi aéreo, helicópteros, movimentação de cargas e armazenagem de peças de aeronaves. A capacidade seria de até 154 mil pousos e decolagens por mês. A pista teria 1.830 metros, 230 a mais que a do Campo de Marte (1.600), na zona norte da capital, destinado à aviação executiva.

Deve se juntar à pauta do aeroporto a mobilização por mais parques e áreas verdes na capital, que dominou a última audiência pública sobre meio ambiente, na Comissão de Política Urbana, na terça-feira passada (15).

Outro ponto de divergência seria a definição de Valor Venal de Referência (VVR), índice utilizado como base de cálculo do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos (ITBI), tributo sobre a venda de imóveis. O vereador Police Neto, líder do PSD, é contra a possibilidade de o subsecretário de Receita da Secretaria de Finanças ser o responsável por esta definição.

Police defende ainda que a legislação incentive o “retrofit”, reforma que possibilita que prédios comerciais tenham especificação de uso alterada para residencial, por exemplo. Ele argumenta que dessa forma se barateia a construção de unidades de interesse social, já que não seria necessário derrubar um imóvel comercial e depois reconstruí-lo para fins de moradia.

O texto do substitutivo, no entanto, permite que prédios inteiros na região central sejam derrubados e novos possam ser reconstruídos com a mesma volumetria, muitas vezes maior do que permite a legislação atual. Nabil Bonduki afirmou que a questão pode ser debatida, mas mencionou casos comprovados no centro de que esse retrofit sai mais caro que o processo de demolição e reconstrução.

No último dia 14, um ponto divergente foi acordado em uma reunião entre o vereadores Andrea Matarazzo (PSDB), Nabil Bonduki (PT) e o prefeito Fernando Haddad (PT). O tucano defende a criação de uma zona de transição, entre os eixos de mobilidade e o centro dos bairros, em que os prédios seriam construídos em sequência decrescente de tamanho.

O texto de Bonduki limita a altura nos miolos de bairro a oito pavimentos e libera a altura, mediante pagamento de outorga onerosa, nos eixos. Para Matarazzo, a zona de transição é importante para evitar um grande impacto entre zonas de alta e baixa circulação de veículos e pessoas.

Nesse mesmo tema, o financiamento dos 150 quilômetros de corredores de ônibus ainda é uma incógnita. Pressionada pela dívida de R$ 54 bilhões com a União – cuja renegociação naufragou – e sem possibilidade obter empréstimos volumosos, a gestão Haddad pode não ter condições de apresentar contrapartidas suficientes para garantir a verba necessária.

Mas há outros interesses que podem influenciar no texto final do mais importante instrumento de planejamento da cidade. Nos bastidores, vereadores afirmam que o principal ponto que estaria atrapalhando o andamento do Plano Diretor na Casa é a articulação política da gestão Haddad.

A falta de espaço para aliados políticos de vereadores da base aliada do prefeito na Câmara estaria incomodando muitos parlamentares. A troca no comando da secretaria de Subprefeituras, que saiu das mãos de Chico Macena, do PT, para Ricardo Teixeira, do PV, é um dos exemplos mais citados.

“Essa tensão política dos grupos que querem mais espaço tem sido muito mais paralisadora do que o texto mesmo do plano diretor”, afirmou um parlamentar na semana passada.

Há ainda a judicialização do processo, situação que a gestão Haddad viu prosperar na revisão da Planta Genérica de Valores, que definiria o reajuste do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) neste ano.

Na última terça-feira (15) a Associação Preserva São Paulo obteve uma liminar para suspender as audiências públicas organizadas pela Câmara Municipal, sob a alegação de que o plano estaria sendo alterado indefinidamente, dificultando o acompanhamento da versão do documento que iria a votação. No entanto, sem ter sido comunicado da decisão, o parlamento seguiu com as atividades, que terminaram na quinta-feira passada (17).

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