Direitos Humanos

Para identificar ossadas de Perus, SP cria 1º centro de antropologia forense do Brasil

Articulação da prefeitura de São Paulo com a Secretaria de Direitos Humanos do governo federal criou as bases para o primeiro centro desse tipo no Brasil. Outros desaparecidos poderão ser localizados

carlos bassan / reprodução

Ossadas de Perus na Unicamp em dezembro de 1990, onde foram analisadas pela primeira vez

São Paulo – As secretarias de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo e do governo federal, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Cemdp) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) assinaram nesta semana o protocolo de intenções para a criação do primeiro centro de antropologia forense do Brasil, que terá como missão a identificação de militantes assassinados durante a luta contra a ditadura  (1964-1985) entre as mais de mil ossadas encontradas em uma vala comum no cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em 1990.

Depois de instalado, o grupo poderá também atuar na identificação de restos mortais em outros locais onde o aparelho repressivo militar ocultou corpos de presos políticos mortos pelo regime. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, por exemplo, poderá indicar novos locais onde corpos foram enterrados clandestinamente e há necessidade de identificação de ossadas.

“Em primeiro lugar, trata-se de um reconhecimento de que o Estado, na figura do município, do governo estadual ou federal, ainda deve muitos esclarecimentos para a sociedade e em particular para os familiares de mortos e desaparecidos políticos vítimas da ditadura. A prefeita Luiza Erundina, com muita coragem, há 20 anos, mandou abrir as valas comuns de Perus onde havia 1.049 ossadas, e muito provavelmente há muitos desaparecidos entre elas”, afirma o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Rogério Sottili. “Mas, desde então, não se deu nenhum passo adiante, não se tomou nenhuma ação no sentido de buscar a identidade dessas ossadas. O prefeito Fernando Haddad, ao me passar a tarefa de comandar a secretaria de Direitos Humanos, nomeou essa como uma das prioridades da gestão.”

A negociação teve início já no primeiro ano da gestão Haddad (PT), mas foi necessário amarrar as condições institucionais para a realização dos trabalhos e, também, superar as deficiências técnicas brasileiras: não há, hoje, produção científica suficiente nesse ramo no país para a realização de trabalho tão complexo. “Vamos contar com o apoio de especialistas da Argentina e do Peru, que têm as técnicas mais avançadas, para atualizarmos nosso conhecimento nessa área. Foi um pedido dos familiares, inclusive, que sabem do expertise nesses países. Inicialmente, o governo estadual nos havia oferecido as dependências do Instituto Médico Legal (IML) para esse trabalho, mas a Unifesp demonstrou muito interesse em abrir esse centro de estudos e mantê-lo”, conta Sottili.

Na Argentina, o Estado reconhece oficialmente 13 mil desaparecidos da ditadura argentina (1976-1983), embora movimentos sociais, como as Mães da Praça de Maio, estimem que até 30 mil pessoas tenham sido sequestradas e possivelmente assassinadas pelo regime. O número é próximo do estimado pelo governo do Peru para os mortos e desaparecidos durante os confrontos entre Estado e o grupo maoísta Sendero Luminoso, que levou a disputa de territórios e intensos conflitos armados nas décadas de 1980 e 1990.

Não há estimativa de prazo para a conclusão da identificação das ossadas, mas o trabalho de depuração das ossadas já começou. Com a coordenação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o grupo de trabalho irá analisar as ossadas levando em conta características como sexo e idade de desaparecidos políticos, bem como a análise das informações disponíveis sobre as vítimas da ditadura no estado para avaliar quais poderiam estar na vala comum de Perus. “Será um trabalho longo, mas pelo qual temos de ter grande cuidado e responsabilidade. É muito importante reforçar que essas famílias já ouviram muitas promessas de que algo seria feito para encontrar seus desaparecidos, e já se decepcionaram muitas vezes. Esta não será mais uma”, frisa Sottili.

Bilhete Único

A prefeitura de São Paulo anunciou também a criação de uma edição especial do Bilhete Único com a logomarca dos 50 anos do golpe militar. Serão 15 mil unidades assinadas pelo artista Elifas Andreato com o objetivo de despertar a curiosidade dos paulistanos sobre a ditadura. “O bilhete será permanente, poderá ser recarregado e continuará sendo útil. É uma forma de instigar a curiosidade das pessoas sobre esse período histórico, para que elas busquem mais informações sobre o que ocorreu. Entre as propostas de desenho do Elifas, havia imagens mais fortes, mas preferimos o logotipo para evitar que a reação fosse o choque. O que queremos é mais curiosidade sobre o assunto”, destaca Sottili. O Bilhete Único especial poderá ser adquirido por meio de uma recarga de R$ 15 em passagens.