Novo manual

Forças Armadas asseguram que poderão reprimir manifestantes se Dilma mandar

Após críticas, documento Garantia da Lei e da Ordem é revisado para evitar 'falsas interpretações'. Almirante explica, porém, que alterações são semânticas. 'A essência é a mesma'

EFE/Antonio Lacerda

Soldados do Exército fazem segurança do leilão de Libra no RJ por requisição da Presidência da República

São Paulo – O vice-almirante Luiz Henrique Caroli, subchefe de operações do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, assegurou hoje (6) que Exército, Marinha e Aeronáutica apenas reprimirão manifestações populares após ordem expressa da Presidência da República. “As Forças Armadas são instrumento da manutenção da lei. É o poder político que decide quando a lei foi quebrada ou não.”

Caroli conversou com a RBA por telefone sobre as modificações realizadas na última segunda-feira (3) pelo Ministério da Defesa no manual Garantia da Lei e da Ordem ou MD33-M-10. (Confira versão atual e antiga.) Publicado em 19 de dezembro, o documento regulamenta atuação das Forças Armadas em operações de segurança pública nos casos em que as polícias estaduais perderem o controle da situação.

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Apesar de não ser uma novidade, uma vez que condensa normas já estabelecidas pelos comandos militares, com o devido amparo da Constituição, o manual recebeu duras críticas. Como a RBA publicou, o documento considerava “movimentos ou organizações” como “forças oponentes” de Exército, Marinha e Aeronáutica, e os igualou a facções criminosas, quadrilhas e contrabandistas.

No quesito Comunicação Social, o manual estabelecia como objetivos a “preservação da imagem das forças empregadas” e alertava: “um simples incidente poderá ser explorado pelas forças oponentes ou pela mídia, comprometendo a imagem das Forças Armadas”. O texto autorizava cerceamentos ao trabalho da imprensa quando “a presença de pessoal da mídia possa comprometer o sucesso da operação”.

Na nova versão, o Ministério da Defesa preferiu excluir os trechos mais controversos. “A revisão foi conduzida com o propósito de tornar mais claro e evitar o surgimento de interpretações equivocadas”, explica o vice-almirante Caroli. “Talvez a forma como abordamos na primeira edição tenha suscitado dúvidas. Mas nunca houve dúvida por parte dos militares que não estamos sendo empregados contra cidadãos brasileiros.”

O subchefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas ressalta, porém, que as mudanças efetuadas no texto foram basicamente terminológicas. Agora, por exemplo, já não há menções às “forças oponentes”. O conceito foi substituído por “agentes de perturbação da lei e da ordem”, sem qualquer discriminação de quais pessoas, grupos ou organizações se encaixam nessa definição.

“É uma questão semântica. Usar ‘forças oponentes’ ou ‘agente perturbador’, no final das contas, vai ter o mesmo efeito”, assegura o oficial. “O manual citava exemplos de possíveis agentes que levariam a essa situação, e aí passou uma ideia, pelo menos para alguns, que estaríamos enfocando em alguns tipos de grupos ou organizações.”

O vice-almirante ressalta que manifestações populares são legítimas e legais, e assegura que não devem ser alvo das Forças Armadas. “Nunca seremos empregados contra manifestantes, mas contra pessoas que estejam perturbando a ordem e a paz, e ameaçando a integridade dos demais”, explica.

O novo manual, porém, não modificou alguns focos de atuação das tropas federais em operações de garantia da lei e da ordem que guardam estreita relação com estratégias de reivindicação típicas de movimentos sociais e políticos no país. A versão antiga classificava como “principais ameaças” ações como “bloqueio de vias públicas de circulação”, “invasão de propriedades rurais ou urbanas” e “paralisação de atividades produtivas”.

Nesse quesito, o documento sofreu poucas alterações. A segunda edição afirma que as Forças Armadas poderão ser empregadas para “controlar vias de circulação”, “garantir o direito de ir e vir da população” ou “impedir o bloqueio de vias vitais para circulação de pessoas e cargas”.

Questionado sobre a possibilidade de manifestantes eventualmente serem considerados “perturbadores da ordem”, Caroli explica que essa classificação não caberá ao comando militar. “Definir se ocupar prédios públicos, bloquear ruas, queimar carro ou quebrar vidraça é legal ou não, cabe ao poder político, ao governo estadual e federal. Se disserem para desbloquear a via, vamos desbloquear.”

Confira a entrevista:

Por que o Ministério da Defesa resolveu fazer essas mudanças?

Todos os manuais do Ministério da Defesa incentivam em sua introdução o encaminhamento de sugestões com o propósito de aprimorar o conteúdo do manual. Eventualmente, tornar mais claro um conceito ou cobrir algum vazio que tenha ficado. Como todos os outros, esse aí também fez isso. O Ministério da Defesa entendeu esses comentários que foram feitos na imprensa, não só os positivos como os negativos, como uma contribuição para o aperfeiçoamento do manual. O ministro, que normalmente deveria rever o manual em dois anos, determinou a antecipação da revisão desse manual com base nos comentários apresentados. A revisão foi conduzida com o propósito de tornar mais claro e evitar o surgimento de dúvidas e interpretações equivocadas por parte da população. Fizemos um grupo de trabalho com militares e civis, o manual foi revisado na semana passada e editamos sua versão atualizada.

Chama a atenção mudanças grandes no capítulo da Comunicação Social. Antes, havia preocupação em preservar a imagem das Forças Armadas. Agora, em esclarecer a sociedade sobre as operações. Por quê?

As Forças Armadas existem para garantir a existência do Estado brasileiro. Elas são a última linha de defesa do Estado brasileiro. Nosso treinamento básico é para defender o Brasil contra inimigos externos. Por conseguinte, nossos manuais são sempre adaptados desse nosso treinamento básico para outro tipo de atividade, como é o caso da garantia da lei e da ordem. Então, talvez a forma como abordamos na primeira versão tenha suscitado essas dúvidas. Mas em momento algum houve ou existe dúvida por parte dos militares que nós estamos, nas questões de garantia da lei e da ordem, sendo empregados contra cidadãos brasileiros. Não estamos tratando de inimigos, mas de cidadãos a quem juramos dar a vida para defender. Por isso, decidiu-se alterar algumas coisas para não criar falsas interpretações. No caso da Comunicação Social, seguimos nessa mesma linha. A adaptação de nossos manuais foi feita e a forma como estava escrito gerou essas dúvidas. Mudamos para explicar efetivamente o que efetivamente a gente faz. Nós procuramos esclarecer a população. Entendemos que, quando as Forças Armadas são empregadas em ações de garantia da lei e da ordem, elas estão defendendo o bem-estar e a integridade de todos os brasileiros.

Tirou-se também menções aos grandes eventos. Por quê?

Justamente para não gerar a falsa impressão, a impressão errada de que ele foi feito por causa dos grandes eventos. Isso não é fato. O que ocorreu? O emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem já estava em constituições anteriores e repetiu-se na de 1988. É uma das atribuições constitucionais das Forças Armadas. Esse emprego é regulamentado por uma lei complementar de 1997 e um decreto de 2001. Então, desde 2001 as Forças Armadas vêm sendo empregadas nesse tipo de atividade. Após cerca de dez anos, o Ministério da Defesa decidiu condensar todas essas normas, diretrizes e conhecimentos num único manual. Então, esse manual tem o propósito não só de condensar essas normas, como de padronizar o emprego das forças nessas atividades.

Depois de dez anos, no início de 2012, o Ministério da Defesa começou a elaborar esse manual. Ele ficou dois anos sendo elaborado, discutido e analisado. E ele foi divulgado no final de 2013. Como uma coincidência, entre a divulgação do manual ocorreu a Copa das Confederações, com aquelas manifestações, e a Copa do Mundo vai ocorrer agora no segundo semestre. Então, deu a impressão que fizemos esse manual para fazer frente às demandas que vão surgir nos grandes eventos. Isso não é fato. Foi um trabalho natural e uma coincidência.

No manual anterior, com o termo Forças Oponentes, estava lá discriminado o que seriam essas Forças Oponentes. Agora o termo mudou para Agentes de Perturbação da Lei e da Ordem, mas não há nenhuma discriminação sobre o que ou quem seriam esses agentes. O manual não ficou mais vago assim?

Acho que é uma questão semântica. Usar Forças Oponentes ou Agente Perturbador, no final das contas, vai ter o mesmo efeito. O manual citou exemplos, na primeira versão, de possíveis agentes que levariam a essa situação, e aí passou uma ideia, pelo menos para alguns, que estaríamos enfocando em alguns tipos de grupos ou organizações. Isso não é verdade. As Forças Armadas, primeiro, só serão empregadas com ordens da Presidência da República. E as Forças Armadas entendem que, quando estivermos nas ruas, significa que os órgãos de segurança pública não foram capazes de manter a ordem. Então, existe uma perturbação da ordem pública. E as forças serão empregadas para conter essas pessoas.

A manifestação é legítima e é legal. As Forças Armadas nunca foram nem nunca serão empregadas contra manifestantes. Elas serão empregadas em casos de falência dos órgãos de segurança pública contra pessoas que estejam perturbando a ordem e a paz, e ameaçando a integridade dos demais. Para orientar o preparo da força, precisamos dizer quem iremos encontrar lá. Então, chamar de Força Oponente, realmente talvez seja um pouco exagerado. Aí decidimos mudar para Agentes Perturbadores da Ordem Pública. No fundo, a gente entende que é a mesma coisa. Quem são essas pessoas? Não são organizações ou grupos, nada disso. São pessoas que estão perturbando a ordem pública. Na verdade, essa mudança foi no sentido de esclarecer esse conceito. Não vamos ser empregados contra grupos organizados da sociedade brasileira, nem contra manifestantes, mas sim contra perturbadores da ordem pública.

Uma coisa que mudou pouco é a caracterização do que é perturbar a ordem pública. As Forças Armadas mantiveram no novo documento menções ao direito de ir e vir e trancamento de vias, que são estratégias comuns de manifestações no país. As Forças Armadas poderão atuar contra manifestantes nestes casos?

As Forças Armadas, como eu disse, serão empregadas somente nas situações em que a Presidência da República autorizar. Não existe outra opção. O manual não dá direito às Forças Armadas de serem empregadas contra brasileiros. As Forças Armadas só são empregadas por decisão da Presidência da República, que atende a um pedido do governador, porque os órgãos de segurança pública não foram capazes de manter a ordem. A questão de ocupar prédios públicos, bloquear ruas, queimar carro, quebrar vidraça, se é legal ou não, não cabe às Forças Armadas decidirem.

Cabe ao poder político, ao governo estadual e federal. Eles vão dizer se é legal ou não, eles vão decidir se as Forças Armadas vão ser empregadas. Só agiremos por ordem e determinação do poder político. Não são as Forças Armadas que vão dizer se uma estratégia de reivindicação de determinado grupo é legal ou não. Se disserem para desbloquear a via, o órgão de segurança pública tem que desbloquear a via. Se não conseguirem e chamar as Forças Armadas, as Forças Armadas vão desbloquear. Não cabe às Forças Armadas discutir a legalidade de uma estratégia de reivindicação. Esse é o ponto. Seremos empregados como instrumento de manutenção da ordem pública, de acordo com a lei, sempre com base na legislação brasileira.

Em última instância, quem vai dar a palavra final sobre o que é uma ameaça à lei e à ordem e, assim, convocar as Forças Armadas para atuar será a Presidência da República.

Correto. Esse é o conceito. Sempre será assim. Normalmente, sempre ouve os governadores. O que costuma gerar o emprego das Forças Armadas é o pedido dos governadores e uma autorização formal, por escrito, da Presidência da República, nunca por iniciativa própria das Forças Armadas. As Forças Armadas são instrumento da manutenção da lei. É o poder político que decide quando a lei foi quebrada ou não, e em que situação seremos empregados quando os órgãos de segurança pública não forem capazes de manter a ordem pública.

Então, existiu essa avaliação no Ministério da Defesa de que alguns conceitos no manual eram descabidos?

Certo. A gente entende e recebe de forma positiva essas contribuições. São boas para aperfeiçoar o manual. Se a forma da redação levantou algum entendimento diferente do que a gente quer passar, entendemos que é nossa obrigação rever. Na essência, o manual é o mesmo, mas redigimos de forma que não gere dúvidas. Isso é importante para todos.

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