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Gestão Haddad termina primeiro ano entre reestruturação, esperança e cobranças

Com bom programa de governo, mas ante dificuldades em implementar políticas, prefeito leva para 2014 a obrigação de revolucionar a gestão

Marlene Bergamo/Folhapress

Eleito homem novo, Haddad decepcionou quem aguardava mudanças grandes, mas ainda desperta esperanças

São Paulo – O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), vai concluir seu primeiro ano de mandato em uma situação complexa. É mal avaliado pela população, segundo pesquisas internas e externas, bem visto por intelectuais e duramente criticado por movimentos sociais. Cumpriu importantes ações de seu programa de governo, como a implementação de 220 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus, mas ficou longe do esperado pelos movimentos de moradia e da população de rua. A gestão tem promovido diálogo, mas encontra dificuldades em criar políticas públicas para concretizá-lo.

O coordenador do programa de governo do petista, Aldo Fornazieri, considera normal o governo ser mal avaliado em seu primeiro ano, por se tratar de uma gestão de mudanças, se comparada às anteriores. “As mudanças demoram para produzir frutos positivos para a população, então aqueles que as percebem, olham de certa forma desconfiados. E aqueles que são atingidos no primeiro momento pela mudança serão críticos ferozes dela, como ocorreu com a implementação das faixas de ônibus”. Para ele, isso tende a mudar nos próximo anos, pois o programa de Haddad está pensado para mudanças estruturais na cidade.

Em entrevista à RBA, Fornazieri criticou principalmente o setor de comunicação da prefeitura, que considera responsável pela má avaliação do prefeito. A pesquisa do Datafolha, divulgada em 2 de dezembro, indicou que 39% dos paulistanos consideram a gestão Haddad ruim ou péssima; 40%, regular, e somente 18% a avaliam como ótima ou boa.

A avaliação de Fornazieri se pauta nas promessas de campanha do prefeito, em que houve avanços significativos na estrutura da cidade. Somente neste ano foram implementados 300 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus, iniciadas uma série de obras contra alagamentos, reforma do sistema semafórico – que ainda apresenta problemas em dias de chuva –, foi criado o Bilhete Único Mensal, a Controladoria Geral do Município e iniciada a operação da Rede Hora Certa, com mutirões para marcação de consultas e exames.

No entanto, a gestão deixou de lado a construção de parques lineares, a construção dos três hospitais – Parelheiros, Brasilândia e Vila Matilde – não avançou e a revolução na política habitacional foi descartada em reunião com os movimentos de moradia do centro, na última quinta-feira (5), por falta de verbas.

A ampliação de vagas em creches também tem sido muito criticada, porque até agora ela se deu somente pela “bolsa-creche”, que prevê um repasse de verbas para as famílias que não encontram vagas em unidades públicas matricularem as crianças em unidades privadas.

Para o vereador de oposição Gilberto Natalini (PV), Haddad ainda não disse a que veio. “Foi um ano perdido para a cidade.” Para ele, a gestão é um desastre ambiental, por ter deixado de lado a Operação Córrego Limpo e a construção de parques lineares. “Não está havendo políticas. Só pintou faixas para os ônibus. Não entregou nenhuma nova escola ou Unidade Básica de Saúde (UBS). Faltou remédio nas UBS”, afirmou. Natalini discorda da ideia de que o primeiro ano demandava a reestruturação da prefeitura. “Tem R$ 6 bilhões em caixa. Ou ele é muito azarado ou é incompetente.”

Na Câmara, Haddad vem enfrentando algumas dificuldades. Com uma base não muito firme, o prefeito vem sofrendo pressões sobre seus projetos. Na quinta-feira (5), os vereadores da base promoveram um esvaziamento da sessão impedindo a votação de projetos importantes para o Executivo, como a concessão de terminais de ônibus à iniciativa privada.

O deputado estadual Luiz Claudio Marcolino (PT-SP) culpou as gestões anteriores pela dificuldade de Haddad desenvolver seu governo. “A cidade estava destruída pelas gestões Serra (PSDB) e Kassab (PSD). Sem investimento, sem políticas estruturais para a cidade.” Segundo Marcolino, a gestão do petista é para um projeto maior do que os quatro anos de governo. “Haddad está estruturando a cidade, construindo um projeto para longo prazo. Tem que construir um diálogo melhor nas subprefeituras, tem que fazer um diálogo melhor com a Câmara Municipal, mas boa parte das indicações e propostas de campanha está sendo executada”, ponderou.

A cientista política Maria Victoria Benevides avalia que Haddad tem sido mais criticado por suas virtudes do que por defeitos. “Quando falo das qualidades é porque o programa de governo dele é muito bom. Ele foi eleito por muita gente que acreditava nesse programa, mas acreditava em mágica, que de uma hora pra outra tudo aquilo ia ser resolvido. Ele assumiu no começo do ano. Os protestos aconteceram em junho e o tornaram muito impopular. Mas não apenas ele. Todos os políticos sofreram com o impacto das manifestações.”

Movimentos sociais

O coordenador da Central de Movimentos Populares, Benedito Barbosa, avalia que a gestão está sem rumo na política habitacional. “Não se pode fazer política habitacional só com Minha Casa Minha Vida”, afirmou. Para ele, a relação entre a gestão e os movimentos de moradia tornou-se tensa desde a entrega da Secretaria da Habitação (Sehab) a um quadro do Partido Progressista, do deputado federal Paulo Maluf. “Há um claro desconhecimento da Sehab sobre os movimentos e as propostas para uma política habitacional na cidade.”

Barbosa mostra-se decepcionado pela comunicação, feita por Haddad na última quarta (4), em reunião com representantes dos movimentos, de que a prefeitura não tem condições de bancar as ações de moradia prometidas. “Nós vinhamos dialogando sobre a desapropriação de prédios na região central, mutirões de construção, urbanização de favelas. Após um ano de conversas, não houve avanços no sentido de constituir uma política habitacional para a cidade.”

Segundo a prefeitura, seriam necessários R$ 400 milhões para realizar as desapropriações de prédios na região central da cidade, para atender às reivindicações dos movimentos. E o município não tem essa receita.

A gestão Haddad também enfrenta uma onda de ocupações na região sul da cidade, algumas organizadas por movimentos sem teto, outras de ação espontânea. E tem agido de forma contraditória, ora dialogando, ora acusando os grupos de fomentarem ações para tumultuar a efetivação da promessa de construção de 55 mil unidades habitacionais.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto prometeu uma grande manifestação para os próximos dias, para cobrar da gestão Haddad uma postura diante do déficit habitacional de cerca de 600 mil moradias.

Na mesma condição de frustração se encontra o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua, Anderson Miranda. “Acabamos de somar nove anos de desrespeito. Oito das gestões Serra e Kassab e um da gestão Haddad.” Miranda avalia que a gestão acabou apenas com a truculência da Guarda Civil Metropolitana, mas segue com a expulsão de moradores de rua. “Na Praça da Sé, no Largo São Francisco, a rotina ainda é a mesma. Logo cedo, tiram as pessoas das ruas, recolhem pertences”, afirmou.

Segundo o militante, a criação do Comitê da População Rua foi importante, mas ficou por isso. “Não foi desenvolvida uma política intersetorial. O secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, tem se esforçado. “Mas a pasta e o comitê não têm infraestrutura, não têm apoio do prefeito”, afirmou.

Como exemplo, Miranda cita o programa de formação profissional para a população de rua. “Inscreveram-se mais de 200 pessoas. O Senai deu os cursos. Mas na hora de buscar emprego não houve intermediação da prefeitura. A promessa de que haveria diálogo com os empresários deu em nada. Foi um fiasco total.” De acordo com o militante, somente oito pessoas foram contratadas após a realização dos cursos.

Na avaliação dos 100 dias de governo, os mesmos grupos avaliavam que a gestão estava promovendo diálogos importantes, mas já cobravam que era preciso sair do discurso para as ações práticas.

Longo prazo

O coordenador da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, acredita que o governo está no rumo certo. “A prefeitura tem um excelente plano de metas, está ampliando a participação popular e combatendo a corrupção com a Controladoria Geral do Município. O primeiro ano é de organização, não dá tempo de se mostrar a que se veio”, avaliou. Para ele, as faixas de ônibus e a eleição dos conselhos participativos das subprefeituras são exemplos de que a prefeitura está agindo no sentido de um projeto de longo prazo.

Broinizi ressaltou que Haddad também sofreu uma campanha de desinformação na discussão sobre o reajuste do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). “O imposto tinha de ser revisado e é a base econômica para implementação de políticas públicas que elevem a cidade a um novo patamar social”, defendeu.

“Claro que há coisas a avançar. A falta de vagas em creches não podem ser resolvidas por um benefício em dinheiro. A prefeitura precisa investir em estrutura física, em programa pedagógico. Além disso, acreditamos que o município precisa desenvolver uma política social com os jovens em situação de vulnerabilidade que até agora não deu sinais de que vá surgir”, completou.