Comunicações

Lei de Meios inibe chantagem midiática a partidos e sistema político, diz jornalista

Fundador do diário Página12, Horacio Verbitsky afirmou na Comissão da Verdade de São Paulo que legislação reconhecida pela Corte Suprema argentina é fundamental para consolidar democracia

Roberto Navarro/Assembleia

Verbistky considera que o empresariado foi fundamental para sustentar a ditadura na Argentina

 

São Paulo – Em sessão realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, na tarde de hoje (25) na Assembleia Legislativa, o jornalista argentino Horacio Verbitsky disse que a Lei de Meios Audiovisuais é fundamental para a consolidação da democracia em seu país. Para ele, a nova legislação, considerada constitucional pela Corte Suprema de Justiça da Nação no último dia 29 de outubro, inibe as “chantagens” contra o sistema político, facilitadas pelo poder concentrado nas mãos de poucas empresas. “O Estado tem o direito de regular a forma da propriedade dos meios de comunicação e ninguém tem direito adquirido a uma determinada legislação que diz respeito ao interesse público”, afirmou, durante sessão para debater a relação entre empresariado e regimes autoritários.

Verbitsky ressaltou que a Lei de Meios se concentra nas questões mercadológicas, e não nos aspectos relacionados ao conteúdo da programação de televisão. Ela proíbe a propriedade cruzada e veda, por exemplo, a empresas que têm uma TV aberta possuir também um canal fechado. Porém, o jornalista enfatiza que a legislação “é muito importante, porque (não pode haver) um grupo de comunicações que controla tudo, que é hegemônico em todos os mercados, que tem mais da metade do mercado de imprensa escrita, de TV aberta, por cabo, de produção de conteúdos, de papel, de transmissão de notícias”.

Ao definir pela constitucionalidade da legislação, após quatro anos de uma liminar que amparava o Grupo Clarín, a Corte Suprema manifestou que a liberdade de expressão da sociedade é superior à liberdade de expressão de uma empresa, e que a Lei de Meios contribui para construir a democracia ao facilitar a circulação de mais vozes em um espectro de rádio e TV hoje limitado a poucos grupos.

“A possibilidade de que haja outros atores abre a possibilidade de livrar o sistema político, os partidos e a sociedade da capacidade de chantagem que tem um poder tão concentrado. Esse é um passo para a afirmação democrática”, afirmou Verbitsky.

A lei argentina abre espaço para um terço da radiodifusão ficar nas mãos dos setores sem fins lucrativos, comunitários e um terço para universidades, governos provinciais e municipais. “Assim, se garante uma diversidade de vozes que possibilita uma diversidade que será, e já está sendo, um avanço muito grande.”

Verbitsky é presidente do Centro de Estudios Legais e Sociais (Cels), organização não governamental fundada em 1979 que atua em processos judiciais contra agentes públicos que cometeram crimes contra a humanidade na Argentina. O Cels foi um dos responsáveis pela ação do caso Poblete-Hlaczik, que abriu espaço a uma nova ofensiva pela punição de agentes da última ditadura (1976-1983).

Ao proferir sua sentença, em 2001, o juiz Gabriel Cavallo avaliou que o sequestro do casal José Liborio Poblete Roa e Gertrudis Hlaczick de Poblete e da filha deles, em novembro de 1978, constituiu um crime de lesa-humanidade que, como tal, não poderia estar amparado pelas leis Obediência Devida e Ponto Final, equivalentes no Brasil à Lei de Anistia. A decisão foi depois confirmada em segunda e em terceira instâncias, e nos anos seguintes a Argentina conseguiu promover uma série de julgamentos que resultaram, até setembro deste ano, em 104 sentenças, com 2.316 agentes acusados.

Ditadores

Perguntado sobre uma comparação entre o Brasil, que não puniu nenhum comandante militar da ditadura (1964-1985), e a Argentina, onde o ditador Jorge Rafael Videla e outros cabeças da repressão foram para a prisão, o jornalista disse preferir não falar da realidade brasileira.

Verbitsky veio ao Brasil especialmente para participar da oitiva na Assembleia, na comissão presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT). O argentino contou que empresários do setor industrial de seu país se reuniam com militares, com os quais faziam o planejamento da repressão. “Havia diferentes tipos de cumplicidade. Não podemos esquecer que os planos econômicos da ditadura não são feitos por militares, mas por economistas, advogados e empresários.”

Já Adriano Diogo reiterou que a Operação Condor contava com forte trabalho dos militares brasileiros no intercâmbio de informações e de técnicas repressivas com Paraguai, Uruguai e Argentina.“Os brasileiros não eram alunos, eram os professores”, disse. “No Brasil é proibido falar da participação de empresas e empresários na repressão.”

Em setembro, a Comissão da Verdade paulista mostrou documentos que revelam a participação de empresários, na época vinculados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no esquema de tortura e repressão política no regime militar brasileiro.

Verbitsky divulgou na sessão da Assembleia o recém-lançado livro Cuentas Pendientes: los cómplices económicos de la ditadura. Ele é autor de 21 títulos, dos quais apenas um publicado no Brasil: O Voo: a historia da operação militar do extermínio que abalou a Argentina (Editora Globo). Esta obra, em formato de entrevista, narra como um dos comandantes dos chamados voos da morte, responsável por atirar ao mar militantes vivos e sedados, se chocou ao perceber que seus comandantes não assumiam os crimes.

O testemunho de Adolfo Scilingo revelou a metodologia e o processo pelos quais os opositores do regime ditatorial argentino eram jogados ao mar. “Pela voz desse homem, pela primeira vez, os militares argentinos reconheceram os fatos”, declarou o jornalista.

Ele também é autor do polêmico El Silencio – Las Relaciones Secretas de la Iglesia con la Esma (Sudamericana, 2005), que denuncia a participação da Igreja Católica no desaparecimento de cidadãos durante a ditadura argentina.

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