Reação

Dividida, Brasília aguarda STF; lista de apoio a Genoino chega a 13 mil

Manifestantes intensificam protestos no DF. Militantes de todo o país chegam para pedir saída de Genoino e respeito ao direito ao regime semiaberto de Dirceu. Ministro do STJ critica Barbosa

marcello casal jr./abr

No Complexo Penitenciário da Papuda, localizado na cidade mineira de Unaí, estão presos os réus do mensalão

Brasília e São Paulo – Como uma cidade dividida, Brasília amanheceu com os olhos voltados, nesta segunda-feira (18), para o Supremo Tribunal Federal (STF) e o complexo presidiário da Papuda, localizado na cidade mineira de Unaí, que faz fronteira com o Distrito Federal e onde estão presos os réus do mensalão. As expectativas do dia são a possibilidade de liberação, ou não, de José Genoino – que enfrenta sérios problemas de saúde –, e de que José Dirceu possa exercer seu direito ao regime semiaberto. Desde sábado, várias pessoas ocupam a frente da Papuda em protesto. Militantes do PT se organizam para intensificar a mobilização a partir das 15h.

Isso porque aguardam para o meio da tarde alguma resposta do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, em relação ao pedido dos advogados para rever, especialmente, a situação de Genoino – operado há poucas semanas, cardíaco, sem dieta específica e que chegou a ser atendido por um médico encaminhado pela sua família no último sábado.

“Estamos ao relento, fazendo fogueiras e aguardando, mas agora à tarde será montado um toldo e chegarão pessoas de outros estados. Se não foi feita justiça até agora, ao menos que liberem o Genoíno, que está muito mal, e façam os presos cumprirem suas penas em regime semiaberto, é isso que queremos”, acentuou o produtor Pedro Heneichs, secretário de mobilização do PT de Brasília, um dos acampados.

Outros dois motivos de discussão manhã foram a notícia de que os réus foram algemados no trajeto de avião entre Minas Gerais e o Distrito Federal, quando havia sido solicitado pelo Ministério da Justiça e, aparentemente, pelo presidente do STF, que isso não fosse feito.

“Se o Genoino morrer aí dentro, acho que vão ter que mandar as forças nacionais virem fazer a segurança em frente à Papuda, porque não sei como vai ser possível controlar a revolta desse pessoal”, declarou Heneichs. “O sentimento é de protesto e muita dor”, destacou Ana Flores, estudante de Física da Universidade de Brasília, que foi até o local se reunir com o grupo.

Em São Paulo, na sede do partido, o presidente estadual da legenda, Emidio de Souza, afirmou que a maneira como estão sendo conduzidas as prisões causou indignação. “A prisão do Genoino, em razão de seu estado de saúde, é um escândalo, um escárnio. Joaquim Barbosa está agindo como a Justiça jamais deve agir, com postura de vingança”, criticou.

O deputado federal Paulo Teixeira reiterou: “O que está acontecendo demonstra desejo de Joaquim Barbosa produzir imagens. Ele tem um objetivo político e o realizou à revelia da lei que deveria cumprir”, afirmou Teixeira. “O STF deveria preservar a Constituição, mas passou a dialogar com certos setores que exigiam um linchamento. Barbosa cumpriu o roteiro midiático.”

Uma lista de apoio a José Genoino, intitulada “Estamos aqui” e organizada desde o início de setembro, deve superar hoje a marca das 13 mil adesões. O documento assinado por artistas , intelectuais, jornalistas, acadêmicos e admiradores leva os nomes de personalidades como Chico Buarque, Beth Carbalho, Antonio Candido, Marilena Chauí, Fernando Morais, Franklin Martins, Maria Rita Kehl, Juca Kfouri e Nelson Jobim.

Diz o documento, que pode ser acessado pela internet: “Somos um grupo grande de brasileiros iguais a você, que deseja um país melhor. Estamos aqui para dizer em alto e bom som que José Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos. Estamos aqui porque José Genoino traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão. Estamos aqui, mostrando nossa cara, porque nos orgulhamos de pessoas como ele, que dedicam sua vida para construir a democracia. Genoino personifica um sonho. O sonho de que um dia teremos uma sociedade em que haja fraternidade e todos sejam, de fato, iguais perante a lei”.

‘Atitude destemperada’

Na sede do STF os gabinetes dos ministros começam a se movimentar aos poucos para os trabalhos da semana. Em caráter reservado, ministros e até mesmo servidores dão conta que a avaliação existente no tribunal é de que a decisão de Barbosa, de declarar a prisão de 12 dos réus da AP-470 durante o feriado teria causado constrangimento para a Corte, por seu caráter precipitado – até porque os ministros aguardavam esta semana para que fossem esclarecidos os termos em que ocorreriam as prisões.

“Foi uma atitude destemperada, com o caráter proposital de aparecer e chamar a atenção no dia da proclamação da República. Um ato cênico bem típico dele (Barbosa)”, comentou um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caráter reservado. Há, entretanto, o entendimento de todos os ministros de que a prisão em si deveria ser decretada, só que de forma bem definida.

No Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o conselheiro Luís Moreira divulgou nota na qual comentou a atuação da Procuradoria Geral da República (PGR) ao longo do processo. Para Moreira, tal atuação teria se caracterizado como “carente de técnica jurídica” e as acusações, a seu ver, teriam uma estrutura “montada a partir de ficção literária, conforme a associação de versões verossimilhantes”.

Moreira, único a falar e a fazer uma avaliação mais crítica sobre a condução dos trabalhos pela PGR, ressaltou na nota, ainda, que o que se conferiu foi um “valor jurídico plausível”. “Ocorre que esse tipo de pensamento não se aplica ao direito penal, que exige a comprovação fática do que se alega. Não é suficiente, no direito penal, estabelecer a culpa, pois para se obter uma condenação penal é necessário demonstrar o dolo do agente.”

“O que me preocupa é o afobamento, é a falta de cuidado em ultrapassar as barreiras civilizatórias, em que os direitos são negligenciados, fazendo-se coincidir o ‘fazer justiça’ com justiciamento”, afirmou Moreira.

Tarjas pretas e faixas

No Congresso Nacional, algumas reuniões marcadas nas comissões técnicas na tarde desta segunda-feira para definição de trabalhos foram desmarcadas, em razão da discussão sobre a situação dos réus da AP-470. Já pelas ruas de Brasília, ao longo de todo o final de semana, o que se viu foram manifestações diversas. Em várias quadras residenciais, como as de números 214 e 126 Norte, no Plano Piloto, prédios estenderam bandeiras do PT em varandas seguidas por tarjas pretas e faixas com os dizeres “Estamos de luto”. No entanto, na parte central da cidade, outra quantidade semelhante de faixas comemorava as prisões e enfatizava Joaquim Barbosa.

“Enquanto eles protestam nós comemoramos. Foi nosso dinheiro que foi desviado. O argumento de que outros corruptos estão aí soltos até hoje não serve porque o importante era que fosse feita alguma coisa. Falta muito a fazer para moralizar o país sim, mas esse primeiro passo foi muito importante para mudar essa cultura no país”, acentuou a veterinária Valéria Ribeiro – desconhecendo o fato de não haver nenhuma prova contra Genoino ou Dirceu. Nem as informações, reveladas pela revista Retrato do Brasil e ignoradas durante o processo, de que o dinheiro supostamente desviado do Banco do Brasil, via Visanet (hoje Cielo), conforme acusação que embasou o processo, não era dinheiro público e tampouco foi desviado.

Apesar de ter expressado sua opinião, Valéria concordou que é preciso evitar insultos e ânimos acirrados em bares e reuniões em comum, porque, ao menos na Capital Federal, tem sido grande a exaltação de ambas as partes por estes dias.