Reforma Política

‘Discutiram, discutiram e ficou tudo como já está’, diz líder do PMDB

Deputado federal Eduardo Cunha afirma ser contrário ao financiamento privado de campanhas, diz apoiar a prática enquanto não se mudam as regras do jogo, mas que não acredita ser possível mudá-las

Gustavo Lima / Câmara dos Deputados

Congresso Nacional segue sem atender demandas da sociedade, em especial a reforma política

Brasília – Analistas legislativos e políticos têm ampliado às críticas ao Congresso Nacional em razão de não ter acolhido os apelos das sociedade por uma reforma política consistente. O anteprojeto elaborado por um grupo de trabalho constituído exclusivamente com esse fim foi entregue na última semana à presidência da Câmara. O grupo não deu andamento a uma das mais importantes medidas – cobradas por dezenas de entidades da sociedade civil que há anos trabalham em cima do tema: o fim do financiamento privado, sobretudo das empresas, para as campanhas eleitorais. O texto do anteprojeto não traz mudanças significativas em relação ao sistema observado atualmente.

Com o argumento de que não haveria espaço na Casa para mexer no vespeiro que é o relacionamento entre “doadores” de campanhas e seus beneficiários, fica quase tudo como está. As últimas semanas de movimentação na agenda política em Brasília trouxeram, porém, algumas amostras do quanto a presença do capital das grandes corporações econômicas das eleições afeta também a agenda de projetos para o país.

Na prática, o grupo técnico da reforma política discutiu financiamento de campanhas apenas nas últimas reuniões. E mesmo assim, praticamente manteve o sistema que permite financiamento público e privado, com pequenas modificações.

Para que mexer

Foi intenso, por exemplo – nos corredores do Congresso, em ambientes privados ou em mesas de restaurante – o assédio de empresários sobre políticos que têm pela frente temas como o Marco Civil da Internet, a proposta que transfere decisões sobre demarcações de terras indígenas do Executivo para o Legislativo (onde a bancada do agronegócio deita e rola), outra que afrouxa o enfrentamento do trabalho escravo, projetos que ampliam as terceirizações e outros que facilitam a redução de direitos trabalhistas. Todos, assuntos que têm em comum o interesse de grandes proprietários rurais, empresários da indústria, do comércio, empreiteiras, bancos, donos de redes de comunicação e operadoras de telefonia. Setores sempre presentes nas contribuições de campanha.

O assédio muitas vezes sai do Legislativo e se enfronha em órgão do Executivo. Numa dessas abordagens, segundo denúncias repercutidas no início do mês, foi revelado que o deputado federal Saraiva Felipe (PMDB-MG), ex- ministro da Saúde, tem atuado como interlocutor junto à pasta que integrou e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para discutir interesses de representantes da indústria farmacêutica. Saraiva Felipe está em sua quinta legislatura e seus próprios correligionários confirmam que ao menos duas empresas do segmento teriam contribuído para a sua última campanha.

O deputado e ex-ministro não quis falar sobre o valor recebido durante a campanha, mas destacou que faz parte da sua atuação parlamentar o trabalho voltado a assuntos destas empresas. De acordo com ele, os contatos que mantém não ocorrem pelo fato de ter recebido ajuda financeira em período eleitoral e sim, por ser médico e pelo fato de a saúde consistir numa área a qual sempre se dedicou.

Luis Macedo / Câmara dos DeputadosCunha.jpg
Cunha (centro): influência em bancadas de vários partidos

Questão cultural

“A defesa de interesses de determinados setores pelos parlamentares é legítima e faz parte da democracia desde sempre, sobretudo dentro de um Congresso que tem a proposta de aglutinar representantes de toda a sociedade brasileira. O problema são as cada vez mais enredadas relações entre as empresas financiadoras e os deputados e senadores financiados, que em geral ficam reféns de quem banca suas campanhas”, ressaltou o analista legislativo Fernando Ferreira, professor do Centro de Ensino Universitário de Brasília (Ceub), responsável por um estudo sobre o financiamento de campanhas para um proposta de reforma política a cargo do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

“O fim do financiamento privado de campanha não vai passar nunca, porque a mudança está atrelada a regras que tendem a levar as doações a passarem a ser dirigidas aos partidos. E ninguém que está aqui dentro quer perder o dinheiro que recebe das doações diretamente das empresas”, destacou o deputado Espiridião Amin (PP-SC), favorável ao financiamento público.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), se diz contrário ao financiamento privado. Embora já tenha declarado inúmeras vezes não ver como a matéria possa passar, considera o problema uma “questão cultural” e afirmou aceitar o financiamento privado até que as normas sejam mudadas. Ou seja, concordará segundo ele mesmo, para sempre, já que não acredita em mudanças das “regras do jogo político”.

Cunha tem grande influência sobre a bancada do PMDB e também de outros partidos menores, principalmente onde estão parlamentares evangélicos. É conhecido por sua habilidade em obter recursos para campahas eleitorais e tem trânsito em diversos setores econômicos. Conforme revelou o colunista Paulo Moreira Leite, da revista IstoÉ, entrou para o currículo do peemedebista ter procurado o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para tratar da recuperação de ativos do extinto Banco Nacional. “Tombini encaminhou o parlamentar ao procurador-geral do BC, Isaac Sidney Menezes, que ficou estarrecido com a atitude de Cunha. O peemedebista disse que representava os interesses dos antigos controladores da entidade financeira e estava ali para negociar o pagamento de uma fatura de R$ 30 bilhões”, disse a coluna.

“Não acho que está correto o entendimento de que quem tem suas campanhas financiadas por empresas estará preso a essas empresas ao longo do mandato. Seria coisa de deputado inexperiente, e quem é bobo ou inexperiente não consegue passar mais do que dois anos aqui dentro”, argumentou o líder peemedebista. Ele deixou claro que, a seu ver, cada um defende, sim, os setores com os quais esteja comprometido, “mas não vejo nisso uma cooptação pelo fato de ter recebido o apoio financeiro em suas campanhas, até porque concordo que o financiamento, se passar a ser só público, será bem melhor para o país”. E ironizou: “Você viu o resultado do grupo técnico não é? Discutiram, discutiram e ficou tudo da forma como já está”. Eduardo Cunha repete o discurso de atribuir à “sociedade” a maior resistência ao financiamento público. E diz defender que “as empresas devem financiar apenas os partidos e os partidos, por sua vez, os candidatos”.

Valter Campanato/ABrBerzoini
Berzoini: sistema ruim para a democracia e o país

“Esses exemplos são uma prova de que temos, hoje, um modelo que permite a compra de mandatos, especialmente para o legislativo. É por conta disso que não se valoriza mais os programas de cada legenda. E quanto maior for o número de eleitos pela força do dinheiro, mais isso vai influenciar as legislaturas seguintes. Por isso precisamos da reforma política urgente, para mudar radicalmente o modelo que temos hoje e passar a valorizar propostas e não, interesses de empresas do setor A ou B”, rebateu o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI).

O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), um dos primeiros a denunciar a existência de que empresas estariam fazendo lobby junto ao projeto da terceirização, afirmou que o financiamento privado “envenena a credibilidade do Parlamento”. Para ele, a prática passará sempre a ideia de que quem financia, financia com uma contrapartida, mesmo quando não quer. “Isso é muito ruim para a democracia e para o país.”

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