PMDB

Teia de interesses liga políticos a mineradoras em debate sobre novo código

Parlamentares proprietários ou próximos a donos de atividades na área apresentam mudanças a texto em tramitação no Congresso para legislar em causa própria. PMDB domina indicações a órgão de execução

Lula Marques/Folhapress

Calheiros, Lobão e Sarney: os três definem as regras que serão executadas pelas próprias empresas

As veias do Brasil continuam abertas. De olho nelas, os políticos. Diferentemente da bancada ruralista, os parlamentares ligados à mineração orbitam em torno do poder do PMDB no setor. Mas um PMDB ampliado, com parceiros em outros partidos. A Frente Parlamentar da Mineração Brasileira, com 196 membros, é uma pista falsa sobre o tema. Traz até políticos que criticam abertamente o loteamento no setor. Fomos atrás da história real. E bem mais intrincada.

Dono de uma empresa de mineração, a Vale do Sol, um dos senadores da real bancada da mineração atende pelo nome de Edison Lobão Filho (PMDB-MA). Ele é filho do ministro das Minas e Energia. Outro senador, autor de projeto de lei que autoriza a mineração em terras indígenas, é investigado pela Procuradoria Geral da República, acusado de beneficiar a Vale S/A, a maior mineradora do Brasil, segunda do mundo. Chama-se Romero Jucá (PMDB-RR). O caso foi parar, no fim de agosto, no gabinete do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Deputados responsáveis pela discussão do novo Código da Mineração indicam políticos para as superintendências do Departamento Nacional de Produção Mineral. O DNPM é um órgão responsável pelas autorizações e fiscalizações no setor. Gera royalties que ultrapassam R$ 1 bilhão por ano. Alguns destes superintendentes são alvos de investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Sob a acusação de beneficiarem empresas mineradoras e até políticos.

O conflito de interesses no Congresso não para por aí. Os mesmos parlamentares que participam de Comissão Especial para discutir o tema na Câmara têm suas campanhas financiadas por algumas das maiores corporações do setor mineral. Com valores significativos em relação aos gastos totais. Muitos desses políticos são do PMDB, partido que controla o Ministério das Minas e Energia, o DNPM e as emendas para o Código da Mineração.

Boa parte dos nomes mencionados nesta reportagem pertence à elite dos caciques do partido. Ou por eles foram indicados. Do poder no Senado, como o de José Sarney (AP), até o da Câmara, como o de Eduardo Cunha (RJ).

Enquanto isso, os parlamentares mais influentes enriquecem durante o exercício dos seus cargos. Um desses deputados, Leonardo Quintão (PMDB), relator do novo Código, é um exemplo de parlamentar bem-sucedido. Entre 2002 e 2010, o advogado e economista teve seu patrimônio multiplicado de R$ 314 mil para R$ 2,6 milhões. Enriqueceu 8 vezes em oito anos. É ligado a Eduardo Cunha, o líder do PMDB.

A Agência Pública faz aqui um resumo dessa ópera. Primeiro, traz um levantamento inédito dos nomes de políticos que indicaram superintendentes para o DNPM. Depois, resume um estudo do Ibase sobre as doações de campanha para os parlamentares que tratam do tema. Em meio aos levantamentos, faz um resumo das investigações em curso envolvendo políticos. Entre elas uma bem recente: um diretor do DNPM acusado por funcionários do órgão no Maranhão de beneficiar um ex-deputado, secretário no governo de Roseana Sarney.

Quem manda é o PMDB

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é um órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia (MME). Cabe a ele autorizar lavras, e fiscalizar as atividades mineradoras. Após ter ficado anos nas mãos do PT, quem tem controlado o órgão, desde o fim do governo Lula, é o PMDB, que detém as indicações da maior parte das superintendências do DNPM. Com algumas concessões para outros partidos da base governista, como o PP, o PSB e o próprio PT.

Deve-se observar que o ministro Edison Lobão, desde a Constituinte ligado a cargos poderosos no Congresso (ele presidiu na ocasião a Subcomissão de Reforma Agrária), é um cacique discreto do PMDB, diretamente ligado ao ex-presidente José Sarney. Mas outros nomes importantes do partido emergem das listas, como o líder na Câmara, Eduardo Cunha – um dos mais influentes do país e a principal dor-de-cabeça do governo Dilma Rousseff.

A seguir publicamos um quadro com os políticos e partidos que indicaram os dois principais diretores do DNPM e a maior parte dos 25 superintendentes. Note-se que muitos atuam em comissões importantes do Congresso, como a Comissão de Minas e Energia, permanente na Câmara, e a Comissão Especial de Mineração, específica para discutir a reforma do Código:


O superintendente no Amapá, Antônio da Justa Feijão, já foi deputado federal, pelo PSDB. É do PTC. Ele possui R$ 6 milhões, boa parte por causa de um imóvel em Macapá no valor de R$ 5,63 milhões. Isto conforme a declaração de bens de 2010. Em 2000, ele possuía um valor 270 vezes menor: R$ 22 mil.

O líder do PMDB, Eduardo Cunha, conseguiu emplacar até um fisioterapeuta à frente do DNPM fluminense. Cunha é o líder em emendas apresentadas para o novo Código da Mineração: nada menos que 90 emendas. O segundo colocado, Bernardo Vasconcellos (PR-MG), apresentou bem menos: 24 emendas. Juntos, os deputados do PMDB apresentaram 114 emendas, diante de 373 apresentadas por parlamentares de outros partidos.

“A maioria dessas emendas do Eduardo Cunha é ruim”, diz Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). “Elas tentam enfraquecer as iniciativas de maior controle. O que o novo código tem de positivo ele tenta piorar”. O deputado Padre Ton (PT-RO), que defende os povos indígenas no Congresso, também não vê um quadro político positivo: “80% dos deputados na Comissão Especial são a favor das mineradoras”.

A teia da Bancada da Mineração no Congresso – e no Executivo – inclui relações de parentesco e amizade. Ou a propriedade de empresas de mineração pelos próprios parlamentares.

O deputado federal Camilo Cola (PMDB-ES), um dos mais ricos do Congresso, possui duas marmorarias. Ele faz parte da Comissão de Minas e Energia e apresentou dez emendas ao Código da Mineração. O chefe do DNPM no Piauí é irmão do deputado licenciado Átila Lira (PSB-PI), secretário de Estado da Educação e possível candidato ao governo estadual. O superintendente na Bahia, Danilo Behrens Correia, tem um filho dono de uma empresa de consultoria no setor de mineração. Quem indicou Behrens foi o deputado Arthur Maia (PMDB-BA), ligado ao empresário João Carlos de Castro Cavalcanti, ex-sócio de Eike Batista e um dos gigantes do setor no Brasil. Com um patrimônio de R$ 2,34 bilhões, Cavalcanti quer transformar sua empresa, a World Mineral Resources Participações S.A. (WMR), em uma nova líder do setor. Já teve mais de R$ 150 milhões bloqueados por decisão judicial.

Maia conseguiu a indicação em 2011, após disputa com o PT. Em 2003, os royalties na Bahia movimentavam R$ 3 milhões. Oito anos depois, ultrapassavam R$ 33 milhões. É um dos mais estratégicos no setor, ao lado do Pará e de Minas Gerais. Os petistas reclamaram, na ocasião, que os peemedebistas ameaçavam abrir uma CPI para apurar as finanças do DNPM. Assinaturas foram recolhidas por Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do candidato ao governo Geddel Vieira Lima, José Priante (PMDB-PA) e Leonardo Quintão (PMDB-MG). Maia e Priante ganharam o direito de indicar superintendentes; Quintão, o diretor-geral. A CPI não foi aberta.

O superintendente de Alagoas, José Antonio Alves dos Santos, tem entre suas tarefas fiscalizar o trabalho de empresas de mineração como a do deputado estadual Olavo Calheiros Filho (PMDB-AL). Ele é irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), outro dos principais líderes do PMDB. Em 2006, Olavo foi multado pelo DNPM, por não ter autorização para pesquisa no subsolo de suas terras. Caberá a Santos também fiscalizar a Portobello, líder no setor de cerâmicas, que está entrando em Alagoas com a bênção do senador. O suplente de Renan, Fábio Farias (PMDB-AL), é conselheiro da Portobello.(Olavo Calheiros é outro político que teve salto extraordinário em seus bens. Em 1996, possuía R$ 38 mil. Em 2010, o valor saltou para R$ 4,1 milhões.)

Em Santa Catarina, o superintendente Ricardo Peçanha chegou a viajar para a China com o deputado estadual Valmir Comin (PP-SC), em missão internacional. Comin faz parte do grupo do deputado federal João Pizzolatti, que indicou Peçanha ao cargo no DNPM. É proprietário da empresa de mineração Comin & Cia Ltda.

A lógica é a da aproximação. Em 2010, os senadores Garibaldi Alves (PMDB-RN), que indicou o superintendente Roger Garibaldi, e Valdir Raupp (PMDB-RO), membro de uma subcomissão de Mineração e Terras Raras no Senado, pediram ao ministro Edison Lobão gratificações para funcionários do DNPM. O órgão admite atender especificamente pedidos de deputados e senadores. Mas diz que esses pedidos são para “terceiros”, e não para benefício dos próprios políticos.

O Ibase lançou em agosto um documento que mostra a influência política das empresas mineradoras junto aos parlamentares que decidem sobre o tema. O estudo feito pela pesquisadora Clarissa Reis Oliveira se chama “Quem é Quem nas Discussões do Novo Código da Mineração”.

O trabalho traz detalhes sobre as doações de campanha feitas pelas seguintes empresas, em 2010: Vale, Votorantim, AngloGold, Usiminas, Kinross e MMX (Eike Batista).

A Vale só doou para os comitês nacionais de campanha, ou diretórios nacionais. E não para candidatos individuais. Ao todo, foram R$ 29,96 milhões. A maior parte foi para o PT (R$ 10,38 milhões) e PSDB (R$ 6,95 milhões). Note-se que esses dois partidos tiveram os dois principais candidatos à Presidência da República. Em seguida, porém, vem o PMDB, com R$ 5,76 milhões.

A Vale informa que não financia parlamentares, não financia partidos. E que as empresas vinculadas a ela financiaram12 partidos, e não três. (Os valores são mais tímidos para outros partidos.) A empresa diz que o financiamento de campanha no Brasil é feito por empresas privadas, de forma legal, e, portanto, não há conflito de interesses. Se houvesse, informa a assessoria da empresa, seria de “todas as empresas com todos os partidos”.

O relator do novo Código da Mineração, Leonardo Quintão (PMDB-MG), pré-candidato ao governo mineiro, recebeu R$ 70 mil da Usiminas. O deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), o segundo em número de emendas apresentadas (24), atrás apenas do líder de seu partido, Eduardo Cunha, teve 70% de sua campanha financiada por empresas ligadas ao setor de mineração.
O responsável no Ibase pelo acompanhamento da política em Brasília, Carlos Bittencourt, considera um dos casos mais gritantes o de Quintão: 20% de sua campanha foi financiada pelas mineradoras. “Como coincidência, ele é relator, mais importante, portanto, que o presidente da comissão”, diz o pesquisador. “Se um juiz fosse julgar, teria de ser impedido. No caso da nossa República, infelizmente não”.

Em 2006, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que indicou o superintendente do DNPM no Mato Grosso do Sul, recebeu R$ 300 mil da Vale, por meio da Urucum Mineração, como financiamento de campanha. Naquele ano um dos que mais tiveram a campanha financiada por empresas ligadas à Vale (Urucum, MBR, Caemi) foi o senador Aécio Neves (PSDB-MG), com R$ 1,05 milhão. José Sarney (PMDB-AP), padrinho do ministro Edison Lobão, recebeu R$ 400 mil. Sua filha Roseana, R$ 1,3 milhão.

O jornal Valor Econômico informou no dia 25 de setembro que Quintão, definido como um político “jovem e cheio de fôlego”, cogita mudanças importantes no texto enviado pelo governo para o Código da Mineração. Pretende garantir, segundo o jornal, “algum direito de prioridade” na exploração de minérios por empresas que se dedicaram às atividades prévias de pesquisa.

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