Desencontros

Perto do fim, comissão da reforma política expõe rachas e insatisfação com trabalho

Erundina diz que sociedade civil foi ignorada, e Vaccarezza reage dizendo que balanço é positivo. Grupo aprova proposta que prevê financiamento privado e público de campanha ao mesmo tempo

Lucio Bernardo Jr./Câmara

Vaccarezza afirmou que os insatisfeitos devem procurar o presidente da Câmara para protestar

Brasília – Os deputados que compõem Grupo Técnico da Reforma Política realizaram, hoje (24), uma reunião tumultuada que resultou em lavagem de roupa suja. Ao longo de quatro horas, foram feitas queixas sobre a utilidade dos itens debatidos, a falta de comprometimento do Congresso com o tema, o descaso de integrantes da equipe com as reuniões e o fato de serem apresentados recursos de última hora como tentativa de modificar itens que já tinham sido acordados. A reunião conseguiu aprovar, apesar disso, a sugestão de sistema misto de financiamento de campanhas, cujos termos precisam ser definidos.

Mesmo assim, o sistema aprovado pelo grupo já foi visto por muitos analistas como paliativo. O modelo, acordado entre os deputados por sugestão do coordenador, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), prevê o financiamento público e privado, dando aos partidos o direito de optar pelo que melhor escolherem (ou pela escolha dos dois tipos de patrocínio para as campanhas). Também ficou decidido que o limite de financiamento privado será estabelecido posteriormente, após discussão sobre quem terá de fazer esse cálculo: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou o Congresso, por meio de lei.

O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) protestou afirmando que a Lei Eleitoral (9.504/97) já estabelece essas normas.

Alfredo Sirkis (PSB-RJ) apresentou proposta que estabelece que a doação de pessoas físicas possa ser feita apenas para candidatos e, no caso de pessoas jurídicas, para os partidos.

Inutilidade e desmotivação

“Pergunto aqui qual a utilidade deste trabalho, qual a motivação que temos e até mesmo o comprometimento do Congresso com o assunto, se os trabalhos deste grupo estão sendo concluídos na próxima semana e não abordamos com profundidade nada sobre a reforma política. Acho muito grave o fato de um projeto sobre o tema, elaborado pela Coalizão pelas Eleições Limpas, que conta com o apoio de 91 entidades da sociedade civil, estar buscando assinaturas para ser apresentado à Câmara e este grupo não se manifestar em nada a respeito”, bradou a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) durante a reunião.

Erundina destacou o fato de o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ter prometido em setembro aos coordenadores desse movimento que organizaria audiências públicas para que participassem das discussões no grupo técnico. “Isso não aconteceu, sequer o presidente participou de uma única reunião e não podemos dizer que os representantes de tais entidades conseguiram defender uma opinião neste grupo. Dessa forma, a Câmara descumpre com tudo o que tinha sido acordado atrás e que corresponde a uma manifestação da sociedade”, ressaltou.

Diante do impasse, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) sugeriu que os parlamentares do grupo técnico acompanhassem a reunião realizada hoje, na sede da OAB, pelos integrantes da coalizão com o intuito de intensificar a busca por assinaturas e que ajudassem a protocolar o projeto na Casa assim que possível.

Voto facultativo e financiamento

Na reunião, o grupo de trabalho aprovou a inclusão no anteprojeto de que o voto passe a ser facultativo no país. Também ficou definido que o valor das contribuições a serem feitas nas campanhas terão de ser comunicadas e declaradas pelos partidos até 72 horas depois da entrada do montante nas respectivas contas partidárias (ou contas de campanha) – o que hoje em dia só é feito no ano posterior à realização das eleições.

A questão suscitou novos debates sobre os deputados que se manifestam contra ou a favor do financiamento público. O deputado Leonardo Gadelha (PSC-PB) aproveitou para afirmar que, para que o tema financiamento público exclusivo seja “melhor absorvido pela população” é interessante a aprovação de um sistema misto, antes. “É preciso que a sociedade se familiarize com a ideia do financiamento público para que possamos avançar com a discussão daqui a quatro ou oito anos”, pregou. “A sociedade já demonstrou e tem demonstrado que quer isso desde 2002 ou muito antes”, rebateu a deputada Luiza Erundina.

Também Cândido Vaccarezza (PT-SP) repetiu que, a seu ver, o trabalho realizado pela equipe já avançou muito e chegou, inclusive, ao ponto de discutir uma sugestão sobre financiamento de campanha para o anteprojeto, o que ele não esperava que viesse a acontecer. “Tivemos avanços, sim, agora não posso falar sobre compromissos que tenham sido assumidos pelos que estão no Comando da Casa. Acho que quem não estiver satisfeito precisa marcar uma audiência com o presidente para expor suas colocações”, ressaltou, numa resposta às críticas de Erundina.

Em outra discussão, os deputados optaram por manter em quatro anos a duração dos mandatos eletivos. O tema provocou transtornos porque foi provocado por um recurso apresentado pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC) pedindo a mudança – quando já tinha sido decidido, semanas atrás, ampliar a duração dos mandatos para cinco anos e pelo fim da reeleição (Amin também pediu a continuidade das eleições). Como provocou grande irritação por parte do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que resolveu se retirar da reunião em protesto, o assunto ficou de ser discutido melhor na próxima quinta-feira. Passou a ser chamado de “embargo infringente da reforma política”. “Não dá para ser assim. O pessoal discute, decide e depois vem outro parlamentar e muda tudo. Dessa forma o trabalho não pode andar”, frisou Castro.

O argumento foi aproveitado por vários deputados para reclamar sobre a participação dos integrantes do grupo ao longo do trabalho, uma vez que muitos se ausentaram diversas vezes durante as reuniões. “Acho, e repito, que estamos dando um grande avanço na discussão da reforma política”, disse Vaccarezza, ao final. “Estou aqui cumprindo com o meu papel. Sigo a orientação do meu partido e não concordo com o financiamento privado de campanha. Mas sigo, porque estou atuando ao lado dos colegas e acho importante participar dessa discussão, inclusive para impedir que coisas ainda piores venham a ser aprovadas”, deixou claro Ricardo Berzoini (PT-SP).

Nesse clima em que poucos demonstraram se entender, ficou acertado que na próxima terça-feira (29) será distribuída a todos os deputados a minuta do anteprojeto a ser discutido, em sua versão final, na última reunião, programada para acontecer na quinta-feira (31). Logo depois, o texto será entregue oficialmente ao presidente da Câmara.

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