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MP discute investigação de ‘falha’ em apuração sobre Metrô de São Paulo

Conselho do Ministério Público avalia qual será o procedimento usado para saber como caso de corrupção no governo paulista foi parar na pasta errada. Juízes pregam cooperação internacional

Milton Michida/Governo SP

A investigação do MP tentará esclarecer se houve má-fé em pedido que se perdeu nos meandros do Metrô

Brasília – Na semana em que ocorrem na Bahia e no Rio Grande do Norte seminários para avaliação do trabalho dos últimos anos do Ministério Público Federal, irritou e surpreendeu promotores e procuradores da República a notícia de que foram arquivadas pelo MP suíço as investigações sobre denúncias de recebimento de propina por agentes públicos feitas pela empresa Alstom no caso que envolve licitações e obras do metrô paulista.

O arquivamento seria devido a um erro administrativo do MPF em São Paulo. O procurador da República Rodrigo de Grandis, responsável pela apuração no Brasil, disse que o pedido vindo da Europa foi arquivado, por engano, na pasta errada, equívoco descoberto apenas na última quinta-feira (24). A investigação envolvia a movimentação financeira dos consultores Arthur Teixeira, Sérgio Teixeira e José Amaro Pinto Ramos, suspeitos de intermediar as propinas pagas pela Alstom, e do ex-diretor da CPTM João Roberto Zaniboni, que teria recebido US$ 836 mil (equivalentes a R$ 1,84 milhão) da Alstom na Suíça.

A avaliação dos procuradores regionais e promotores é de que, mesmo que o ato não tenha sido praticado de má-fé, consistiu em um procedimento que precisa ser apurado, por afetar o trabalho do Ministério Público e por “afastar resultados positivos do trabalho observados nos últimos anos”, conforme deixou claro um representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que preferiu omitir o nome para não ser impedido de se posicionar em plenário em algum processo referente ao caso.

O CNMP tem a competência de apurar situações de ingerência e infrações cometidas pelo Ministério Público em todo o país e, embora três dos conselheiros ouvidos pela RBA tenham evitado dar declarações públicas, os três confirmaram que o colegiado está visivelmente incomodado com as revelações.

Asseguraram ainda que os integrantes do conselho passaram o dia falando ao telefone nos seus estados ou mantendo conversas reservadas em grupos para discutir como se dará o procedimento de abertura de uma apuração disciplinar sobre o caso. No momento, a maior parte deles e dos representantes do MP está em Comandatuba, na Bahia, para o Encontro Nacional dos Procuradores da República, que começou hoje (28).

A dúvida principal, que os conselheiros devem esclarecer até quarta-feira (30), é se será aberto inquérito pela corregedoria do órgão ou iniciada uma apuração administrativa formalizado por um dos conselheiros. Caso optem pela segunda alternativa, será definido qual dos conselheiros tomará a frente do processo.

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, o sentimento é de que é preciso, o quanto antes, ampliar o trabalho de cooperação internacional entre Brasil e outros países na troca de informações sobre trabalhos que envolvam investigações em uma ou mais jurisdições. O assunto é objeto de uma resolução cujo teor está sendo definido pelo CNJ – a quem compete o controle do Judiciário brasileiro – para ser submetido ao plenário. O texto prevê, inclusive, a figura do chamado “juiz de ligação”, que consiste na designação de um magistrado que passará a coordenar a troca de informações em situações que envolvam pedidos do Judiciário ou do Ministério Público de outros países.

“O Judiciário brasileiro e o Ministério Público estão muito atrasados em relação a este tipo de integração, que é importantíssima. Vemos um aceno bom por parte do Executivo em situações como troca de dados sobre tráfico de pessoas, sobre outros casos importantes, como para desbaratar quadrilhas internacionais de drogas, mas ainda nos perdemos em situações que mostram a necessidade de aumentar esse contato com a presença de um juiz de ligação. Esse caso de São Paulo só acentua a necessidade de tais medidas virem a ser adotadas o quanto antes”, enfatizou o conselheiro do CNJ e representante do Ministério Público no Pará, Gilberto Valente Martins.

Sem querer entrar no mérito do caso de São Paulo, o conselheiro do CNJ Gilberto Valente Martins lembrou que enquanto a Polícia Federal mantém adidos policiais em diversos países da América Latina e da União Europeia, além dos Estados Unidos, no Judiciário o ritmo é outro. “O Judiciário ainda não ocupou o espaço que é dele, que ele deve efetivamente ocupar na cooperação judiciária internacional”, disse.

De acordo com o conselheiro, a resolução que cria a figura do juiz de ligação chegou a ser aprovada pelo plenário do CNJ no ano passado, mas nunca entrou em vigor. Por conta da demora, o colegiado considerou importante rediscutir possíveis ajustes ao texto, forma de atualizar seu teor, facilitar esse tipo de trabalho e coibir qualquer tipo de ingerência em casos de repasse de informações.

Até a aprovação do novo texto da resolução, o Conselho Nacional de Justiça pretende elaborar uma espécie de diagnóstico sobre os problemas enfrentados pelo Judiciário em relação à cooperação jurídica internacional em matéria civil e penal e no repasse de informações entre órgãos do Ministério Público do Brasil e outros países.

Comunicado à DRCI

Na Procuradoria Geral da República (PGR), o procurador Rodrigo Janot limitou-se a divulgar uma nota à imprensa na qual afirma que o MPF já comunicou o ocorrido a todas as autoridades diretamente interessadas na investigação, inclusive ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). A PGR ressalta que ainda existe investigação sobre a Alstom em andamento e que não chegou ao Ministério Público Federal qualquer comunicação formal das autoridades suíças no sentido de arquivar as investigações sobre o caso naquele país.

Acrescenta também que a Procuradoria da República em São Paulo cumpriu com as diligências que constavam do pedido originário do MP suíço, incluindo as oitivas de investigados solicitadas pelas empresas estrangeiras – faltando essa última parte da solicitação feita pelo MP daquele país.

A polêmica sobre o caso se deu com a notícia, no último domingo (27), de que o Ministério Público da Suíça comunicou, na semana passada, a decisão de arquivar investigações sobre três suspeitos de intermediarem pagamentos de propina a agentes públicos do governo de São Paulo pagos pela Alstom para influir nos resultados de licitações para obras e serviços no Metrô e na Companhia Paulistana de Trens e Metrô.