Eleições 2014

Amarras de fidelidade estimulam troca-troca e criação de novos partidos

Ao vedar migração partidária em 2007, TSE forçou abertura de novas siglas, que agora resultam em intensa movimentação em busca de espaço, especialmente para as recém-criadas Pros e Solidariedade

Sérgio Lima/Folhapress

O Pros, de Eurípedes Júnior, conseguiu crescer rapidamente na Câmara graças a adesões em massa

São Paulo – A intensa movimentação e as trocas de partidos por parte de lideranças de alto e baixo clero, no Congresso Nacional, e também de políticos de fora do Parlamento, verificada nas últimas semanas, é vista como uma tentativa de driblar as atuais regras de fidelidade partidária. Em 2007, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que parlamentares que trocam de partido sem uma causa devidamente justificada devem perder o mandato. A norma foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano seguinte.

“Em todos os períodos de véspera de eleições como agora, a dança de cadeiras é intensa, é normal que haja acomodações: políticos vão buscar espaços em outras siglas, há negociações para atrair puxadores de votos”, diz Vitor Marchetti, cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Mas a fidelidade partidária colocou os termos dessa dança em outro patamar. Essa criação de partidos recente talvez se explique mais como consequência da regra de fidelidade, porque permite que os mandatários migrem sem grandes penalizações, como Paulo Pereira da Força e toda a parcela do PSB que vai pro Pros.”

Só nas últimas semanas o TSE avalizou a criação de duas siglas. O Partido Republicano da Ordem Social (Pros) é presidido por Eurípedes Júnior, que já se aventurou por algumas candidaturas, mas nem de longe era um nome de expressão na política nacional. E o Solidariedade é comandado por Paulinho da Força, deputado que se viu sem espaço no PDT paulista. Com 32 partidos, o Brasil tem na fila do tribunal uma série de pedidos que florescerão nos próximos meses, embora a essa altura não haja mais tempo de que novas legendas sejam abertas para disputar as eleições de 2014.

Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a ameaça de perda de mandato que pesa sobre políticos de migrarem de partido é determinante para a opção de inúmeros parlamentares de trocarem de legenda e escolherem as novas. O Pros diz já contar com 28 deputados, e o Solidariedade projetava fechar a janela de transferências, amanhã (5), com número superior a 20 parlamentares. Além das movimentações no Congresso, houve mudanças nos estados – a de maior destaque foi a de Cid Gomes, que deixou o PSB, insatisfeito com os rumos adotados pelo presidente da sigla, Eduardo Campos, para ingressar no Pros.

O movimento de agora repete o que se viu quando da criação do PSD, em 2011. A sigla de Gilberto Kassab deixou claro que programa não era o forte, e que o mais importante era atrair parlamentares insatisfeitos com a situação na legenda à qual estavam ligados. O então prefeito de São Paulo atraiu muitos deputados que estavam na oposição e desejavam migrar a uma posição de suposta independência, claramente mais próxima da base aliada.

“Muitos parlamentares estão descontentes com seu partido atual. Como não podem migrar sem perda do mandato exceto se tiverem razões muito fortes ou com a criação de novos partidos, aproveitam as novas legendas para migrar e escolher a candidatura que desejam no estado, o que nem sempre conseguem nos atuais partidos”, analisa Queiroz. Alguns também almejam “ser donos de um partido, ter liderança desde o seu nascedouro.”

Esse é o caso de Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, do Solidariedade, que deve atrair no mínimo seis parlamentares do PDT. E seria o caso da Rede Sustentabilidade de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e candidata à presidência da República em 2010, que não conseguiu o registro junto ao TSE para disputar as eleições.

Há um certo senso comum, difundido nos meios de comunicação, segundo o qual o chamado troca-troca é imoral. “A possibilidade de um parlamentar mudar de partido é saudável para a democracia. Até porque não é sempre o parlamentar que entra em desacordo com a orientação partidária, muitas vezes o partido muda de posição na conjuntura e ignora o programa com base no qual foi eleito”, entende o analista do Diap. “O que há de condenável é que o partido surja sem clareza programática, doutrinária, ideológica. Isso é que é trágico. Alguns partidos surgem em alguns casos para fazer negócio.”

O analista do Diap diz achar necessário uma mudança na legislação exigindo algum tipo de cláusula de barreira “para evitar a criação de partidos nesses termos”.

Para Queiroz, a regra da fidelidade que pune o parlamentar é até certo ponto capenga. “Da mesma forma que o partido tem o direito de exigir fidelidade, o parlamentar teria o direito de exigir que a legenda seja fiel ao que defendeu nas urnas.” O analista entende que o sistema seria mais equilibrado se houvesse “um mecanismo de fidelidade recíproca e permitisse que o parlamentar pudesse mudar se o seu partido não está mais cumprindo o programa”.

Sobre os novos partidos, Vitor Marchetti diz que não concorda com questionamentos sobre a legitimidade ou mesmo moralidade das siglas recém-criadas. “Não questiono a legitimidade dos partidos políticos logo de cara. Se houve adesão, se seguiram a lei, mas se há denúncia de que houve algum tipo de fraude, então que se prove e se cancele o registro do partido. Senão fica muito em cima de especulações.”

A Rede de Marina

Para Marchetti, o caso da Rede de Marina Silva é emblemático, tanto sob o aspecto político como em relação a algumas alusões disseminadas em redes sociais segundo as quais o fracasso da sigla interessaria ao PT da presidenta Dilma Rousseff. Ele entende que não se pode partir do pressuposto de que a boa intenção na criação do partido é suficiente, como advogou ontem o ministro Gilmar Mendes durante o julgamento no TSE, deixando de lado a exigência de cumprimento da legislação eleitoral.

Segundo o cientista político da UFABC, é preciso considerar a possibilidade de que a liderança da ex-senadora possa estar sendo superestimada. “É uma candidata badalada, que conseguiu um bom número de votos em 2010 [19,6 milhões], mas pode não ter conseguido mobilizar o número de eleitores necessários agora. Por que não partimos do pressuposto de que talvez o fôlego da Rede fosse menor do que se estava supondo?”

Marchetti chama a atenção para o relatório do vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, que esta semana se manifestou contrariamente ao registro da Rede. “Ao mesmo tempo em que faz uma defesa da Rede, dizendo que ‘é um pesar’ rejeitar o pedido, que a legenda tinha boas intenções etc.,  ele deixa uma acusação no ar: criar um partido só para lançar um candidato a presidente talvez não seja o intuito mais nobre de se criar um partido”, lembra o cientista político.

Segundo o vice-procurador Aragão, “a criação de um partido não se destina à disputa de determinado pleito eleitoral. Na verdade, um partido é uma instituição permanente na vida política da Nação”.

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