Eleições 2014

Convivência entre desenvolvimentismo de Campos e ambiente de Marina vira problema

Ex-senadora diz agora que não tem problemas em conviver com ruralistas e rejeita cabeça de chapa. Integrantes de PSB e Rede elencam discordâncias para tentar chegar a programa de consenso

Sérgio Lima/Folhapress

A turbulenta entrada no PSB tem levado Marina a tentar, todos os dias, explicar o dito no dia anterior

Brasília – A ex-ministra e ex-senadora Marina Silva concedeu hoje (9) nova entrevista coletiva na capital federal para tentar esclarecer mal-entendidos em suas declarações nos últimos dias, em novo intento de apaziguar os ânimos dentro e fora do PSB. As afirmações da fundadora da Rede Sustentabilidade sobre agronegócio, cabeça de chapa nas eleições presidenciais de 2014 e montagem de coalizão, que provocaram rebuliço no mundo político, levaram Marina a uma nova conferência com jornalistas, breve, para tentar desfazer parte dos problemas.

Marina disse que foi mal-interpretada a respeito da declaração de que é uma possibilidade para disputar o Palácio do Planalto no próximo ano. A versão de bastidores sobre a migração para o PSB é de que foi ela quem procurou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o que levou a crer que havia deixado de almejar a cabeça de chapa, sonho do neto de Miguel Arraes. “Só tem uma posição na chapa que está posta que é a do Eduardo”, disse hoje a ex-senadora.

Ela confirmou que no próximo domingo (13) integrantes da Rede terão um dia de reuniões com representantes do PSB para tentar afinar o discurso: eles vão discutir os pontos de consenso na aliança formalizada no último sábado, bem como as coligações a serem observadas nos estados com vistas às eleições de 2014.

Uma lista de propostas tidas como “inegociáveis” por Marina provocou irritação no PSB. Caberá agora ao ex-ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, o trabalho de ouvir todas as possibilidades, colocar no papel temas sobre os quais o PSB se manifesta de uma forma e a Rede de outra e tentar consolidar um programa de consenso que atenda aos dois grupos. Por parte da Rede, compete ao biólogo João Paulo Capobianco, principal interlocutor da ex-ministra, a missão de trabalhar e executar a estratégia.

Um dos centros de discórdia é a posição de Marina em relação ao agronegócio e à preservação ambiental, problemas que a levaram a deixar o governo Lula e o PT. Existe preocupação por parte dos aliados de Campos de que o setor produtivo, em especial os empresários do setor de energia, que tinham se aproximado do PSB, acabe por se afastar da candidatura do partido.

Por parte dos integrantes da Rede, as objeções passam pelas filiações feitas pelo PSB nos últimos meses com velhos caciques políticos e representantes de partidos da direita tradicional, como Democratas, além de tentativas de transferência, para a legenda, de parlamentares de siglas como PDT, PSD e PTB.

Hoje, um dos incêndios criados pelas declarações de Marina se deu em torno de Ronaldo Caiado (DEM-GO), apoiador da candidatura de Campos e que preparava migração para o PSB, acompanhando outros antigos colegas de partido, como Heráclito Fortes (PI) e Jorge Bornhausen (SC). O deputado foi presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e segue como uma das vozes mais ativas em defesa do agronegócio. “É preocupante que alguém, que postula a Presidência da República, seja intolerante e hostil exatamente ao setor mais produtivo da economia, responsável por 23% do PIB e por mais de um terço dos empregos formais do país”, afirmou Caiado, em nota. “Lamento que alguém, com tais pretensões, demonstre tamanho desconhecimento da realidade agropecuária brasileira e veja no produtor rural – o maior empregador do país – um inimigo do trabalhador. É um colossal contrassenso.”

Outra crítica ácida partiu da presidenta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que tem sido uma defensora de Dilma Rousseff, mas que desta vez aderiu ao coro pró-Caiado. Ela reclamou que Marina tenha dado a entender que Caiado teria de recuar na migração para o PSB. “Essa não é a posição de quem diz que quer unir forças”, enfatizou a dirigente da CNA.

Sem mencionar nenhum dos dois, Marina Silva disse que não sente qualquer desconforto em estar ao lado de ruralistas ou de políticos que migraram do DEM para o PSB, mas enfatizou três pontos. Em primeiro lugar, que em relação às alianças feitas pelo PSB até o momento de ser firmada a parceria com a Rede e quanto às coligações anteriores, não tem como se manifestar. Mas ela e seu grupo não possuem interesse em se aliar a partidos e políticos com os quais não possuam identificação e isso teria sido enfatizado no acordo fechado com Campos.

Em segundo lugar, ainda quanto ao “desconforto”, frisou que este sentimento pode ser observado em relação às pessoas que se opõem à opção feita pela Rede de ir para o PSB, mas, quanto a ela, sente-se bastante à vontade. Até porque fechou a aliança mediante o compromisso entre PSB e Rede de ser definido um programa de consenso entre os dois grupos e “atenuados pontos divergentes”. “O momento é de diálogo para aprofundar um programa com o PSB”, colocou. “O meu diálogo é com a direção e obviamente que o PSB vai tratar das questões internas. Eu só coloquei qual é o limite da Rede Sustentabilidade.”

Por fim, lembrou que a Rede continuará lutando para sua formalização enquanto partido no TSE. Embora essa formalização não seja mais possível para disputar as eleições de 2014, a presença de seu grupo de apoio pelo clã socialista é provisória.

Desde o último sábado equipes da Rede e do PSB estão se reunindo para fazer vários ajustes no conteúdo programático do partido como forma de acatar sugestões da ex-senadora quanto à agenda de sustentabilidade para o país, chegar a pontos de consenso e definir o que pode vir a ser acordado em relação a opiniões firmadas em alguns itens tidos como polêmicos – tais como o apoio a obras como hidrelétricas e usinas (criticados e combatidos pelos integrantes da Rede Sustentabilidade).

De acordo com representantes da executiva do PSB, a tentativa de sintonia entre o discurso dos seguidores de Marina e os filiados do PSB quanto a estes dois pontos principais teria sido discutida amplamente antes da filiação. Mas, apesar disso, não se sabe que garantias terão as alianças definidas por Campos, meses atrás, nem o entendimento desses políticos com as propostas a serem sugeridas por Marina.

“Estão tentando desunir Marina e Campos, mas isso não vai acontecer”, chegou a afirmar um dos dirigentes nacionais do PSB, Carlos Siqueira, ao enfatizar que os dois conversaram bastante antes de decidirem pela aliança e que, embora com pontos de vista diferentes sobre vários aspectos, estão cientes disso e pretendem afinar os discursos.

“Esse tipo de divergência é comum quando acontece uma coalizão de forças desse tipo, num primeiro momento, mas é forte a intenção, das duas partes, de buscar o diálogo”, acrescentou o secretário de Meio Ambiente de Pernambuco, Sérgio Xavier, do PV, que iria migrar para a Rede de Sustentabilidade e é um dos principais interlocutores de Marina Silva no estado – tendo contribuído fortemente para aproximar a ex-senadora de Eduardo Campos.

A partir das coligações a serem definidas nos estados, Marina Silva e Eduardo Campos definirão uma agenda de visitas a todo o país até dezembro, com o objetivo de consolidar as bases e costurar novas articulações. A intenção é que, nas primeiras semanas, conforme as assessorias de ambos, sejam priorizados os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.