São Paulo

Secretário de Alckmin diz que não pode barrar envolvidos em cartel

Jurandir Fernandes argumenta que apenas condenação judicial poderia vetar participação de empresas, silencia sobre 'domínio do fato' e atribui dificuldade de investigação a esquema internacional

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Fernandes considera normal que tenha mantido 73 reuniões com representantes das empresas envolvidas

São Paulo – Em depoimento hoje (24) na reunião conjunta das comissões de Transportes e Comunicação e de Infraestrutura da Assembleia Legislativa de São Paulo, o secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, disse que não pode evitar que as empresas denunciadas pela Siemens, no acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, participem dos atuais contratos em execução para obras no Metrô e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

Fernandes admitiu que, caso se comprove a existência do cartel, as empresas envolvidas estarão participando dos projetos. “Mas elas só poderão ser cortadas depois de trânsito em julgado [de processos judiciais]. Não é simples rescindir contratos”. De acordo com o secretário, os custos provocariam prejuízos e obras não seriam concluídas.
No dia 12 de setembro, o presidente da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, Mário Manuel Seabra Rodrigues Bandeira, usou o mesmo argumento durante depoimento na Comissão de Infraestrutura.

Jurandir Fernandes deixou de responder à questão sobre sua opinião relativa ao chamado “dominio do fato”, usada por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão. A visão defendida pelo relator do caso, Joaquim Barbosa, é de que o simples exercício de determinado cargo leva à presunção de conhecimento sobre um esquema de corrupção. “Se a teoria do domínio do fato for aplicada em processos no caso do cartel em São Paulo, muita gente vai se complicar”, disse o deputado Antonio Mentor (PT), que questionou o secretário sobre a possibilidade de as denúncias de formação de cartel de empresas em São Paulo se desdobrarem em processos judiciais.

Fernandes foi questionado a respeito de uma das principais práticas do cartel, o pagamento das empresas subcontratadas pelas vencedoras das concorrências. Segundo o secretário, essa prática está abolida da sua pasta. “Vamos acabar com essa figura da subcontratação”, prometeu.

O secretário afirmou também que a formação de cartel de caráter internacional, como supostamente é o que opera em São Paulo, inibe a apuração dos fatos de várias maneiras e as empresas envolvidas poderiam eventualmente cumprir acordos obscuros, entre si, em outras cidades do mundo, visão que já havia sido defendida pela direção do Metrô. “Imagine esses tentáculos em 15 países. Eles podem fazer uma concorrência aqui e ganhar na ‘Cochinchina’, a partição pode se dar em países diferentes e até setores diferentes, já que as empresas atuam em áreas como energia e equipamentos de saúde.”

O secretário foi fustigado pelos deputados petistas sobre suas relações com supostos envolvidos no cartel denunciado pela Siemens, como o lobista Arthur Teixeira, com quem teria se reunido três vezes. Os petistas também cobraram explicações sobre as 73 vezes, segundo eles, em que Fernandes se encontrou, na atual gestão, com representantes de empresas citadas pela Siemens. Segundo Fernandes, sua agenda teve 2.238 compromissos nesse período e os encontros com executivos de empresas do setor de transportes fazem parte da rotina de um secretário de Transportes.

“Quando fui questionado se conhecia Teixeira, disse que sim, mas também disse que não tinha proximidade com ele”, disse Fernandes. “Não tem nenhuma denúncia de recebimento de propina na minha gestão. Se tiver gostaríamos de que nos ajudassem a descobrir quem é.”

O secretário foi indagado sobre sua negativa de que existam autoridades públicas envolvidas com agentes dos cartel. “É um exagero dizer que não houve envolvimento de ninguém”, disse Antonio Mentor. ” Ele responde dizendo que se refere ao período relativo ao acordo de leniência.  “Deixei claro que me refiro ao que estamos discutindo hoje [certel denunciado no Cade], e não ao período da Alstom”, disse.

Fernandes foi questionado também sobre a denúncia do então deputado Simão Pedro (PT) ao Ministério Público, em 2011, sobre os trens reformados, que custariam cerca de 80% do preço de um novo. Segundo Jurandir Fernandes, “não  foi apenas uma reforma, mas uma modernização”. Além disso, explicou, os trens das Linha 1-Azul e 3-Vermelha “valiam a pena ser reformados”.

A RBA já mostrou que, de fato, os trens novos registram muito mais falhas que os antigos, até quatro vezes maior que as composições antigas, com cerca de 30 anos de uso. Algumas chegam a registrar média de 35 defeitos por dia. De acordo com o levantamento dos funcionários do metrô, as composições das frotas K e L, reformadas pela MTTrens e Alstom, respectivamente, foram as que mais apresentaram falhas. Os defeitos podem variar de problemas no ar condicionado a problemas mais graves de segurança, como trepidações excessivas, deficiência nos freios, mau fechamento das portas e panes nos sensores de descarrilamento. Aliás, pertence à frota K o trem que saiu dos trilhos no último dia 5 de agosto nas proximidades da estação Palmeiras-Barra Funda, destruindo 150 metros do sistema de eletrificação e provocando “curto-circuitos, estouros e fumaça”. Por sorte, dizem metroviários, ninguém saiu ferido.

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