AP 470

Tensão paira no ar do STF antes de retomada de julgamento do mensalão

Ministros avaliam pronunciamento público sobre bate-boca entre Barbosa e Lewandowski. Enquanto presidente da Corte se nega a pedir desculpas, cresce apoio de entidades a revisor da Ação Penal 470

José Cruz/Agência Brasil

O decano Celso de Mello (e) pode ser o bombeiro para apagar o fogo criado por Barbosa (d)

Brasília – Faltando poucas horas para a retomada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do julgamento dos recursos apresentados pelos réus da Ação Penal 470, o chamado mensalão, ministros, analistas judiciários, políticos, advogados e observadores atentos ainda não sabem qual será o clima que dominará a sessão desta quarta-feira (21) – depois da briga entre o presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, e o ministro Ricardo Lewandowski na última semana.

Por um lado, desde domingo, os ministros Celso de Mello, Luiz Fux e Luiz Roberto Barroso tentam manter entendimentos com os dois envolvidos na discussão, numa tentativa de apaziguar os ânimos. Por outro, aumenta o número de manifestações de entidades de magistrados se posicionando contrárias à postura de Barbosa e se solidarizando com Lewandowski.

Até o início desta tarde, no entanto, informações de bastidores eram de que o presidente do STF não teria concordado em se desculpar publicamente por ter acusado Lewandowski de “fazer chicana” durante o julgamento (que no jargão jurídico significa utilizar de procedimentos diversos para atrasar as sessões), estando irresoluto na ideia de manter sua opinião. O ministro Lewandowski, por outro lado, não demonstrou ter dado por encerrado o assunto. Embora tenha permanecido calado, há quem ache que ele pode resolver não comparecer à sessão, caso os colegas não se manifestem em sua defesa.

Entre os ministros, as declarações são no sentido de amenizar o caso Barbosa x Lewandowsky. “A partir de amanhã o episódio terá sido superado, porque esse tipo de divergência não pode perdurar na mais alta Corte do país”, avaliou o ministro Luiz Fux, ao entrar no gabinete, no começo da tarde.

Boa parte de ministros de outros tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) – de onde saíram vários ministros que hoje integram o colegiado da Corte suprema – comentaram que, durante conversas no final de semana, os demais ministros demonstraram apreensão.

Possível pronunciamento

No STJ, de onde saíram vários deles – como Luiz Fux e Teori Zavascki –, alguns magistrados assumiram ter pedido aos colegas para decidirem até o início da sessão um nome que possua certo consenso entre os pares para fazer uma espécie de pronunciamento exaltando a importância de o julgamento da AP 470 chegar ao fim para a sociedade e o fato de se tratar de um caso de ampla repercussão social. E, também, para conclamar o colegiado do mais importante tribunal do país a passar a trabalhar dentro de um ritmo harmônico. Caso esse entendimento se configure, o mais indicado para fazer tal pronunciamento é o decano, o ministro Celso de Mello.

Mas outros fatores pesam nessa posição. Com o clima de tensão entre os ministros e pelo que deixaram claro ao conversar com os colegas dos demais tribunais superiores, muitos consideram que a interpretação da maioria do colegiado do STF é de que o presidente Joaquim Barbosa teria sido desrespeitoso com toda a Corte, mas acham que, se por acaso fizerem uma nota ou tomarem alguma atitude de retratação pública ao ministro Lewandowski, que seria merecida, também podem vir a contribuir para deixar o julgamento ainda mais dividido, com uma espécie de isolamento do presidente do tribunal de direito (uma vez que esse isolamento já acontece de fato, em razão das atitudes agressivas de Barbosa). Por conta disso, estariam estudando qual o caminho mais acertado para evitar novos transtornos.

Blogs e associações

Lewandowski, por sua vez, tem sido objeto de várias manifestações de apoio por parte de associações representativas do Judiciário. Ontem (19), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) divulgaram nota conjunta na qual destacam que “a insinuação de que um colega de Tribunal estaria a fazer ‘chicanas’ não é tratamento adequado a um membro da Suprema Corte Brasileira”. A nota foi assinada pelos presidentes das três entidades, respectivamente, Nelson Calandra, Nino Toldo e Paulo Schmidt.

Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Coêlho, declarou oficialmente que “impedir um ministro do Supremo de expressar seus pensamentos é inconstitucional”. “Faço um apelo em nome da OAB para que o julgamento aconteça com serenidade e sem interrupções. A divergência de ideias deve ser respeitada e até estimulada na democracia. Espero que o julgamento siga com respeito à divergência, permitindo que uma maioria se forme e que a Justiça seja feita”, destacou.

Enquanto isso, um abaixo-assinado de desagravo a Lewandowski que tinha sido criado em novembro passado pelo Blog Cidadania, durante o julgamento da primeira etapa da AP 470, voltou a tomar corpo em sites de comentários jurídicos e nas redes sociais. Conforme informações dos coordenadores do blog, foram auferidos, de novembro até agora, 4,5 mil comentários de apoio a Lewandowski, e a adesão de mais de 10 pessoas – número ampliado nos últimos dias.

Embargos

Se tudo correr dentro do normal, a votação de amanhã dá dá continuidade ao recurso apresentado pela defesa do ex deputado Bispo Rodrigues, e é vista com bastante cuidado também no tocante ao reflexo jurídico que poderá vir a ter nas penas já definidas para os réus. Isso porque,a partir da decisão a ser tomada, poderá contribuir para redução das penas do ex-ministro José Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro da sigla Delúbio Soares.

No recurso, os advogados do ex-parlamentar pedem que seja reduzida a condenação feita a ele pelo crime de corrupção, com o argumento de que o réu deveria ser punido pela legislação antiga referente a esse tipo de crime, e não pela nova, de novembro de 2003. É esse entendimento que, dependendo do caminho a ser tomado, contribuirá para uma mudança drástica no julgamento.

“Esse tipo de discussão é reflexo da transparência observada no Judiciário brasileiro. O Brasil adota um modelo único em que a deliberação e, logo, a discussão entre os julgadores, é feita publicamente. O modelo cobra, de tempos em tempos, sua fatura e o preço é que alguma discussão mais exacerbada ganha grande visibilidade. Em outras partes do mundo acontece a mesma coisa. Às vezes, até coisa pior. Só que ninguém fica sabendo”, afirmou, em tom mais acadêmico, para o site Consultor Jurídico, no último final de semana, Luiz Roberto Barroso.

Irritado mesmo, só o ministro Marco Aurélio Mello, que segue declarando para quem quer ouvir que o que se tratou, mesmo, foi um “arroubo” do ministro Joaquim Barbosa que “não lhe caberia ter, enquanto presidente do tribunal”. Mello, que já discutiu com Barbosa em outras ocasiões, é um dos poucos que tem se manifestado de forma mais aberta.

Enquanto Lewandowski, embora demonstrando desde o início sua irritação e sua intenção de que gostaria de um pedido de desculpas do presidente ou de retratação dos colegas, se mantém quieto. Talvez, porque sabe que o trabalho a ser realizado pelo colegiado está sendo visto por toda a população brasileira com olhos atentos. Talvez, também, porque dentro de pouco mais de 14 meses será o novo presidente do tribunal. “Quando esse tempo chegar, aí sim, será ele quem ocupará a cadeira na qual senta hoje Joaquim Barbosa”, lembrou uma das ministras do STF.

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