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Senador que ajudou em fuga tem histórico de prodígio e proximidade com Calheiros

Filho de político tradicional, Ricardo Ferraço exerce primeiro mandato no Senado e quer ser governador. Sobre asilo, afirma que Bolívia está errada e pede homenagem a diplomata que organizou escapada

Marcos Oliveira/Agência Senado

Jovem e ambicioso, o peemedebista Ferraço almeja o governo do Espírito Santo, de preferência já no ano que vem

Brasília – Um personagem em especial tem chamado a atenção, nos últimos dias, em meio ao imbróglio entre o senador boliviano Roger Pinto Molina, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia e toda a crise instalada no Ministério das Relações Exteriores, que culminou na saída do chanceler Antonio Patriota. Trata-se de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), atual presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

Capixaba, Ferraço já tinha estado na Bolívia, meses atrás, para tratar do retorno dos torcedores corintianos presos naquele país para o Brasil, ocasião em que conversou com o senador asilado na embaixada. Ele foi não apenas quem conseguiu o avião de um empresário amigo para levar Molina de Corumbá a Brasília, como também quem o acompanhou no voo e, desde que chegou, tem feito defesa veemente do boliviano.

“O senador oposicionista boliviano tem direito a asilo político no Brasil porque estava sendo perseguido pelo governo do seu país e submetido a condições desumanas. Viveu um drama durante 465 dias, em um quartinho da embaixada brasileira em La Paz, depois de acusações mútuas entre ele e o governo de Evo Morales. Ele não é um foragido”, alegou.

A defesa que fez do caso levou o senador ao foco das atenções por parte de políticos e demais parlamentares sobre sua conduta. Tido como integrante do chamado bloco independente do PMDB, do qual fazem parte figuras históricas como Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS), Ricardo Ferraço agrega simpatias por parte de colegas e chegou a receber elogios do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), pela atitude. “Ele agiu em nome da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de expressão”, disse Calheiros.

Em julho passado, Ferraço também se destacou no Congresso, mas por um gesto considerado de coerência por parte da base aliada, quando pediu ao seu partido para entregar os cargos que possui no governo, diante de declarações dos principais caciques peemedebistas ao número de ministérios existentes.

“Há uma desfaçatez grande das lideranças do PMDB quando exigem o enxugamento da máquina administrativa federal, mas não abrem mão dos seus postos”, ressaltou, numa crítica à articulação do líder da legenda na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que tinha anunciado a intenção de apresentar proposta de emenda à Constituição para reduzir o número de ministérios. “Imagina se isso é assunto de emenda constitucional? Não podemos tolerar esse tipo de proselitismo”, completou, na época.

Surfe e política

Com 50 anos de idade, Ricardo Ferraço é de Cachoeiro do Itapemirim (ES). Seu pai, Teodoro Ferraço, de estilo conservador, foi prefeito da cidade em mais de um mandato, antes de assumir cargos parlamentares em Brasília. Aos 20 anos, quando ainda era estudante e surfista das praias do litoral do Sul e Sudeste brasileiros, foi eleito o vereador mais jovem do Brasil. A partir daí, seguiu carreira política, tendo exercido mandatos como deputado estadual, deputado federal e vice-governador do estado, no governo de Paulo Hartung (PMDB), antes de chegar ao Senado.

Foi considerado um dos vices que mais ocupou o governo do Espírito Santo durante o mandato, o que suscitou expectativa, por parte do PMDB capixaba, de que viesse a ser o candidato à sucessão de Hartung, em 2010. Mas a coligação firmada para o governo estadual optou por Renato Casagrande (PSB) na cabeça de chapa e Ferraço entrou como candidato ao Senado. Cumpre hoje seu primeiro mandato na chamada Câmara Alta do Legislativo.

No comando da Comissão de Relações Exteriores desde fevereiro, o senador, que é tido como um político habilidoso, chegou a ser alvo de dúvidas em conversas reservadas entre os colegas do chamado PMDB independente por propagar uma imagem mais isenta em relação às brigas entre base aliada e oposição e, por outro lado, ter mantido entendimentos com Renan Calheiros – que é alvo de abaixo-assinado de cidadãos para que seja retirado do cargo de presidente da Casa, por denúncias de corrupção. O relacionamento entre ele e Calheiros é próximo e o presidente do Senado foi, inclusive, um dos convidados de honra do seu casamento, realizado em dezembro passado, no resort Txai, na Bahia, em festa que reuniu um sem número de políticos e detentores do PIB do Espírito Santo.

O senador não nega suas ambições de vir a disputar o governo do seu estado, conforme já deixou claro em entrevistas diversas. Mas vai, por enquanto, se dedicando ao trabalho legislativo. Recentemente, foi escolhido relator setorial da Comissão Mista de Orçamento. Na prática, recebeu a missão de definir os gastos para 2014 da Presidência da República, Poder Judiciário e Legislativo e Tribunais federais. Mesmo assim, mantém um olho no debate sobre temas nacionais e outro no que acontece no Espírito Santo.

Poucas semanas atrás, se manifestou em plenário favorável à realização de processo licitatório pelo Ministério dos Transportes para concessão da rodovia BR-262, que liga Vitória (ES) a Belo Horizonte (MG). Ponderou para o que, na sua avaliação, considera como quatro aspectos no projeto formulado pelo governo federal que podem inviabilizar a concessão e a operação adequada da rodovia: cobrança de tarifas com incorporação do conceito de subsídio cruzado; duplicação do trecho do território capixaba com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e gerenciamento pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit); a eliminação de obras fundamentais para a qualidade da via com o objetivo de redução de custos e de investimentos; e a imposição de uma taxa de retorno elevada.

Mudança de rotina

Ricardo Ferraço também foi um dos primeiros parlamentares a apresentar requerimento com pedido de informações ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para esclarecer os motivos que teriam levado ao acordo para repasse de dados de eleitores brasileiros à Serasa – motivo de críticas diversas em todo o país.

Na comissão de Relações Exteriores, o senador costuma dizer que a intenção é realizar um trabalho compartilhado entre os colegas, ouvindo especialistas, acadêmicos, o Itamaraty e as Forças Armadas. “Vamos tratar tudo de forma democrática”, acentuou, ao tomar posse. Nos últimos meses, a comissão tem apreciado várias indicações do governo para cargos de novos embaixadores em outros países.

De domingo para cá, porém, esse trabalho sofreu uma ruptura com a chegada abrupta do senador boliviano. “Ele agiu muito bem. Foi um ato de bom senso, já que não há uma solução adequada do ponto de vista diplomático”, defendeu em plenário a senadora Ana Amélia (PP-RS), ao lembrar que as negociações sobre a situação do senador boliviano vinham se arrastando há mais de um ano entre Brasil e Bolívia. “Quando você está no limite entre a vida ou a morte, as questões de convenções internacionais, acordos bilaterais ou reciprocidade bilateral têm que ser avaliadas em segundo plano porque o que está em causa é a vida humana”, afirmou depois Ana Amélia, reiterando o apoio a Ferraço pela atitude tomada.

Durante entrevistas concedidas nos últimos dias, chegou a afirmar que tomou a iniciativa depois de ter sido procurado pelo responsável interinamente pela embaixada, Eduardo Saboia, e ficado sabendo que Molina corria risco de vida. Também é da opinião que não houve desobediência, com a iniciativa, ao Itamaraty, uma vez que o contato foi feito pelo próprio representante da embaixada. E também repudia as críticas de que Molina estaria envolvido em desvio de recursos e na morte de camponeses em um massacre ocorrido em 2008 no departamento de Pando, onde é um cacique político.

“O comunicado que recebi foi de que ele (Molina) estava correndo risco de vida. Não tive outra iniciativa, porque não sei ser omisso quando um semelhante passa por dificuldade como essa. Foi um ato de solidariedade humana”, enfatizou. Para o parlamentar, depois que, em julho, presidentes de países pertencentes ao Mercosul aprovaram documento determinando que não podem impedir a implementação do direito de asilo entre os países membros do bloco, não deveria fazer sentido a queixa, por parte da Bolívia, em relação à saída do senador boliviano.

“Asilo político é ato de soberania nacional. O governo federal concedeu asilo político (a Molina) há mais de um ano. O que é inexplicável é que o governo da Bolívia não tenha concedido salvo-conduto para que ele pudesse deixar o país. Por isso, não vejo razão para crise. A crise se daria se esse senador, em profunda depressão, pudesse definhar e morrer na embaixada”, afirmou.

O senador também tem sido, desde o início, um aliado do diplomata Eduardo Saboia, que capitaneou a viagem de Molina e agora responde a inquérito no Itamaraty. A seu ver, o diplomata “deve ser protegido e até homenageado, jamais punido”. As atitudes radicais de Ferraço no tocante ao episódio certamente incomodaram o governo, embora não se saiba em qual proporção. O que, imagina-se, é que ainda darão muito o que falar.

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