Lupa

Semestre do Judiciário começa com Barbosa no foco por comportamento e denúncias

'Ele é arrogante e ainda não aprendeu', diz colega de tribunal. Semestre começa tenso, com preocupação sobre conduta do presidente do STF e julgamento de recursos do mensalão

Carlos Humberto/Arquivo STF

As declarações ríspidas de Barbosa têm provocado constrangimento entre os pares do Supremo

Brasília – Enquanto o Legislativo dará início aos trabalhos deste segundo semestre, na prática, apenas na próxima semana, o Judiciário retoma suas atividades a partir desta quinta-feira (1º) com a realização da primeira sessão no Supremo Tribunal Federal (STF), no início da tarde. Mais do que uma simples retomada, o mês de agosto, que já prometia ser quente na mais alta corte do país, agora se vê entremeado de especulações e observações sobre como será, daqui por diante, o comportamento do presidente do tribunal, o ministro Joaquim Barbosa.

Além do julgamento dos recursos do mensalão, marcados para entrar na pauta do próximo dia 14, de dois novos ministros passando a avaliar o caso pela primeira vez – Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki – e da atenção dos observadores sociais voltadas para a forma como agirá o tribunal nas duas decisões, depois das manifestações das ruas, Barbosa foi objeto de atenção pela conduta, que apenas incrementa o perfil de polêmicas e declarações bombásticas adotadas desde sua nomeação para o STF.

Na visita do Papa prancisco ao Brasil, um vídeo mostrando seu cumprimento ao pontífice, ao lado da presidenta Dilma Roussef, dava a falsa impressão de que Barbosa não a tinha cumprimentado devidamente. Tanto ele quanto a presidenta negaram isso, mas a imagem circulou como uma das mais vistas pelas redes sociais. Depois, em entrevista onde falou sobre as informações reveladas pelo jornal Folha de São Paulo de que teria aberto uma empresa offshore para comprar apartamento em Miami por valor abaixo do de mercado, aproveitando benefícios fiscais concedidos a tais empresas, o ministro repetiu o que já tinha declarado anteriormente sobre racismo e implicâncias  contra sua pessoa.

Como se não bastasse, despejou ataques verbais contra o Itamaraty, ao dizer que foi discriminado em concurso para ingresso na carreira de diplomata, décadas atrás. Nos últimos dois dias, foi a vez de entidades de magistrados e advogados de todo o país se manifestarem publicamente sobre a postura adotada por Joaquim Barbosa durante a compra do referido apartamento – de valor compatível com seus rendimentos, diga-se de passagem, mas que possui como ponto destoante o fato da compra ter sido feita pela empresa offshore registrada em sua residência em Brasília.

No que aparentou ser um esforço para evitar maiores transtornos, a Procuradoria-Geral da República e a Controladoria Geral da União (CGU) evitaram tecer comentários sobre o caso, como forma de blindar qualquer debate mais ácido sobre o tema. O próprio presidente do STF também demonstrou que chegou das férias com mais vontade de trabalhar e menos de fazer polêmica, cumprindo o prometido de marcar de imediato o julgamento dos recursos do mensalão. De nada adiantou: o tribunal começa os julgamentos em meio a discussões tidas como, no mínimo, delicadas.

“Todos estão tensos, aguardando o desenrolar das próximas sessões”, afirmou um dos ministros, em conversa reservada com os colegas. A retomada do julgamento da Ação Penal 470, do processo do mensalão, envolve a apreciação, por parte do tribunal, de 26 recursos apresentados pelos advogados dos réus na forma de embargos de declaração. Joaquim Barbosa tomou a atitude que tinha sido combinada, de avisar previamente os demais membros do STF para que se preparassem, mas não ficou acertado ainda se será mantida a figura de ministro revisor no julgamento, que no ano passado coube a Ricardo Lewandowski.

Responsável por muitos contrapontos com Barbosa, Lewandowski pode ou não vir a ser indicado como revisor – já que no caso de recursos, é possível a inexistência deste posto – mas nos gabinetes do STF a preocupação se dá pelo fato de que sua participação como revisor passaria um clima de equilíbrio por parte do tribunal. Pegou mal a constatação, já propagada pela imprensa, de que o acórdão final do julgamento teve de ser modificado por apresentar erros e suprimiu do texto uma denúncia de propina citada pelo próprio Joaquim Barbosa (relator do processo) em relação ao caso, mas que não foi considerada posteriormente como verdadeira.

A atenção destes magistrados nas próximas semanas, ao que tudo indica, estará voltada pela decisão sobre os critérios a serem definidos para apreciação dos embargos. Em abril, o presidente do STF afirmou que muito provavelmente seriam votados, primeiro, os embargos declaratórios e, depois, os embargos infringentes. O rito exige cautela, uma vez que são os embargos infringentes, quando apresentam um mínimo de quatro votos pela absolvição dos réus, o que autoriza a realização de um novo julgamento sobre o caso.

A questão, agora, reside entre os próprios ministros se sentirem encurralados, diante da possibilidade de retificar possíveis erros no julgamento do mensalão – que já foram apresentados pelos advogados de vários réus e admitidos por muitos deles, em conversas secretas – e, ao mesmo tempo, aprovarem os embargos e sofrerem, em consequência, o impacto da repercussão junto à população, que foi às ruas pedir pela condenação dos réus e pelo fim da corrupção.

Assas e atordoamento

O nome Assas JB Corporation, da empresa criada pelo ministro Joaquim Barbosa consiste, na prática, numa homenagem feita por ele às duas primeiras letras do seu próprio nome (JB) e a Universidade Panthéon-Assas, tida como uma das mais tradicionais escolas públicas de Direito do mundo, onde estudou. A Assas surgiu da antiga Universidade de Paris, que a partir do movimento estudantil da França, em Maio de 1968, passou a se chamar Universitée Panthéon-Assas.

O questionamento sobre ser legal ou não o procedimento de registrar uma empresa nos Estados Unidos para comprar um apartamento na Flórida, dando seu próprio apartamento funcional enquanto ministro do STF em Brasília como residência, tem deixado advogados e magistrados ainda atordoados.

Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo, se a empresa esta sediada no imóvel ocupado pelo ministro, isso corresponde a “fato gravíssimo, do ponto de vista ético”. O presidente da Ajufe deixou claro, numa declaração forte sobre o assunto, que “dos magistrados espera-se um comportamento adequado à importância republicana do cargo, pois um magistrado, seja qual for o seu grau de jurisdição, é paradigma para os cidadãos”.

Já a OAB tratou de passar a ultima terça-feira desfazendo possíveis mal entendidos em relação ao caso. Isso porque um dos representantes da entidade no Conselho Nacional do Ministério Publico (CNMP), Almino Afonso Fernandes, pediu na reunião da ultima segunda-feira que sejam tomadas providências por parte do MP em relação a Barbosa. Apesar disso, o presidente da Ordem, Marcos Vinicius Furtado Coelho, que se encontra fora do país, enfatizou por meio de sua assessoria que “todas as pessoas tem direito a ampla defesa, inclusive o presidente do STF”. “Não vamos reforçar um ataque imoral a quem quer que seja”, enfatizou.

Nomeado pela OAB por lista tríplice, o conselheiro Fernandes – que está próximo de concluir sua gestão no CNMP – conforme o entendimento da Ordem não representa a OAB propriamente, e sim o CNMP. Mas sua fala causou constrangimentos diante da entidade de advogados, principalmente porque pareceu uma represália às criticas e piadas já feitas pelo presidente do STF à categoria.

O argumento apresentado por Fernandes, no entanto, traduz tudo o que os desafetos de Joaquim Barbosa já comentaram. Primeiro, o de que a abertura de uma empresa por ministro do STF contraria os preceitos da Lei Orgânica da Magistratura (Loman) – caberia a ele ser apenas cotista de empresa do tipo. E, depois, o de que não poderia ser utilizado o endereço de um imóvel funcional como sede da Assas JB Corp.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Henrique Nelson Calandra, por sua vez, ressaltou que cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que tem Barbosa como presidente – a função de zelar pelo bom funcionamento do Judiciário. Mesmo sem comentar abertamente a situação do ministro, Calandra (responsável por eterna guerra entre a AMB e a corregedoria do CNJ) ironizou: “Se algum de nós mortais cometesse algum ato desses que viesse a ser noticiado pela imprensa, com certeza o CNJ instauraria um processo administrativo.”

Trajetória tumultuada

Na verdade, prestes a completar 58 anos em outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) apenas volta à cena na crônica brasileira com a história do apartamento.  Em meio a tudo o que já declarou e por tudo o que brigou, Barbosa, reconhecidamente dono de uma biografia respeitável, sempre se destacou pelo estilo esquentado que já lhe rendeu muitos problemas. Quando foi criticado pelos pares, em 2010, por se licenciar em razão das dores que sofre na coluna e ter sido visto na companhia de amigos em um bar tradicional de Brasília, declarou sobre as reportagens: “Isso é armação de pessoas que não gostam de mim.”

O problema que acomete sua coluna é sério e, realmente, o obrigou a participar, de pé, de muitos julgamentos históricos no plenário do Supremo. Mas, na época da reportagem, ele tinha sido considerado um dos ministros menos produtivos do STF e seu gabinete acumulava 13.193 processos, tendo ficado 112 dias sem trabalhar por conta de problemas de saúde.

Empossado como presidente da mais alta corte do pais numa cerimônia considerada das mais emocionantes da historia do STF, Joaquim Barbosa traçou uma carreira digna de pessoas de condições humildes que se saíram vitoriosas pelo próprio esforço. Chegou em Brasília aos 16 anos e conseguiu seu primeiro emprego como gráfico no jornal Correio Braziliense. Logo após concluir o curso de Direito pela Universidade de Brasília (UnB), fez pós-graduação, mestrado, doutorado e especializou-se em Direito Público Comparado, com passagens pelas universidades de Paris (França) e Columbia (Estados Unidos).  Foi oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores e promotor público, até ser indicado pelo presidente Lula, em 2003, para o STF.

Ao longo do período colecionou brigas com ministros como Marco Aurélio Mello, Eros Grau, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cesar Peluso. Ate chegar à condição de adorado por boa parte da população e de possível presidenciável depois do julgamento da PA 470 – condição que ele nega. Sua atuação como presidente do STF e do CNJ, porém, tem deixado a desejar no tocante ao bom entendimento entre magistrados e advogados, pelos comentários ácidos que já fez.

Além da crítica aos advogados, Barbosa já se manifestou contra a criação de novos tribunais federais e o patrocínio de empresas privadas a eventos organizados por magistrados – sempre, de forma tida como desrespeitosa pelos juízes. “Ele é arrogante e ainda não aprendeu. Espero que depois dos últimos dias comece a avaliar sua postura e passe a adotar um comportamento mais ameno”, afirmou um colega de tribunal.  “O ministro é sincero e imperioso em suas palavras, mas extremamente afetuoso com as pessoas que lhe são próximas”, rebateu um dos integrantes da sua equipe.

Discriminações

Joaquim Barbosa também costuma reclamar que já foi muito discriminado e chegou a afirmar, na sua ultima entrevista – quando disse não ter interesse em se candidatar a presidência – que “o Brasil não esta preparado para um presidente negro”. “Perguntei-me o que ele quis dizer com isso. Depois de tantas conquistas, justo o Brasil que tem uma mulher na presidência, já teve como presidente um trabalhador simples como o Lula, agora não esta preparado para eleger um negro que possui um super currículo? Que tipo de culto aos direitos dos afrodescendentes ele estava querendo fazer quando afirmou isso?”, reclamou a socióloga Maiara Arruda, militante do movimento negro no Distrito Federal.

Enquanto isso, o próprio finge que não é com ele. Desmentiu, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tivesse cumprimentado Dilma Rousseff quando esteve com o Papa Francisco. Também divulgou que, na historia do apartamento, trata-se de um imóvel simples e que teria sido comprado em conformidade com o que estabelece a legislação brasileira e norte-americana e ponto final. Se a historia vai ficar mesmo por aqui ou vai esquentar as discussões do Supremo nas próximas semanas, só a temperatura entre os ministros – que poderá pressionar ou não o MP  a agir – e o humor de Joaquim Barbosa poderá dizer.