Bastidores

Congresso volta das ‘férias’ de olho nos passos do líder do PMDB

Desde que assumiu a liderança, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem sido pivô de polêmicas na relação entre governo e partidos, em tese, aliados. Para ele, ser da base não significa concordar

Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Cunha é chamado de “gênio do mal”, mas é admirado por circular bem e ser bom arrecadador de campanhas

Brasília – Enquanto o Congresso Nacional se prepara para reabrir os trabalhos de uma pauta permeada de projetos emblemáticos, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a regulação da terceirização e o Marco Civil da Internet, observadores políticos e o Palácio do Planalto voltam os olhos para um personagem em especial: o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Tido como a mais problemática das lideranças partidárias da base aliada, Cunha tem se posicionado contrário a muitas matérias caras ao governo.

Cunha é chamado nos bastidores de “gênio do mal” por desafetos e ostenta uma espécie de monopólio parlamentar, por sua capacidade de convencer e circular bem, tanto entre os 81 peemedebistas na Casa como entre os deputados de outras legendas, até mesmo alguns petistas. E se prepara para lançar algumas bombas já nos primeiros dias de retomada das votações. Uma delas é a articulação para rejeitar o veto da presidenta Dilma Rousseff ao projeto que aprovou o fim da multa de 10% do FGTS em casos de demissão sem justa causa – cuja votação foi mais uma derrota do governo capitaneada por ele (o que já anunciou que fará). A CUT, por exemplo, defende a manutenção da multa como forma de inibir a rotatividade, as demissões imotivadas. E está em campanha contra a derrubada do veto.

Outras matérias que suscitam alerta por parte da base aliada em relação ao comportamento do líder peemedebista estão relacionadas à votação do projeto que destina percentual dos royalties do pré-sal para a Educação e a discussão da LDO. Como se não bastasse, Eduardo Cunha prometeu iniciar a semana apresentando projeto para propor a redução do número de ministérios no Executivo, o que mostra o clima de nitroglicerina pura de retorno das atividades dos parlamentares.

Nos últimos dias, Eduardo Cunha evitou dar entrevistas. Não se sabe se voltará com ânimos mais arrefecidos em relação à aliança do PMDB com o PT, mas é fato que participou de várias reuniões com colegas de partido. Também foi chamado no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência da República, para um encontro reservado com o vice-presidente, Michel Temer, e a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, com o intuito de debater pontos de conflito na relação entre as legendas.

Os três teriam conversado ainda sobre reunião a ser realizada entre a presidenta Dilma Rousseff e os líderes partidários para definir o apoio da base aliada às matérias de interesse do governo no semestre. Em especial a questão dos vetos presidenciais, (em relação a esse item, Cunha já trancou a pauta do Congresso várias vezes, para pressionar o ritmo de votação). No final de junho foi feito um acordo para apreciação de vetos, que serão também tema de reunião entre deputados e senadores uma vez por mês. O clima havia acalmado, mas menos do que se esperava. Segundo Cunha, “ser da base aliada não significa que temos de concordar com todos os vetos feitos pela presidenta”.

Ao mesmo tempo em que se reuniu com integrantes do governo para discutir as próximas votações, o líder peemedebista afirmou, diante das especulações de que o próximo candidato à vice na chapa de reeleição de Dilma Rousseff em 2014, que “se Temer for descartado, nos aproximaremos do PSDB”.

Jogo de intrigas

As pérolas soltas por Cunha ao longo do primeiro semestre – como sua oposição à Medida Provisória dos Portos – tem causados atritos na base. “Precisamos rever os cargos, o que está com quem, se quiserem (o PMDB) debater seriamente isso. Ficar nesse joguinho é que não tem mais condição”, criticou o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE). “O governo não pode ter uma base aliada e não saber com quem contar na votação das matérias importantes”, afirmou na ocasião da votação da MP dos Portos o líder do governo, Arlindo Chinaglia (SP).

O ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes, que é do PSB, é ácido quando se refere à conduta do líder. Ciro sugeriu que Dilma deveria trocar seus auxiliares, ocasião em que aproveitou para, numa tacada só, alfinetar ministros, presidentes das duas Casas legislativas e o líder peemedebista. “Contar com Ideli Salvatti (PT, ministra das Relações Institucionais), Michel Temer, Renan Calheiros (PMDB-AL, presidente do Senado), Henrique Alves (PMDB-SP, presidente da Câmara) e Eduardo Cunha é pedir pra morrer”, afirmou.

Foi capitaneado por Eduardo Cunha que o grupo de deputados do PMDB se manifestou contrário à ideia de plebiscito para aprovar uma reforma política. Também teve seu dedo a proposta de instalação de uma CPI para investigar a atuação da Petrobras fora do país. O pedido foi feito poucos dias após a votação da MP dos Portos e apresentado por três deputados: Leonardo Quintão (PMDB-MG), Carlos Magno (PR-RO) e Maurício Quintela Lessa (PR-AL).

Como muito do que diz respeito à política, a manobra teve a vingança como pano de fundo. Nas eleições de 2012, Quintão pretendia concorrer à prefeitura de Belo Horizonte, mas a pedido do Planalto apoiou o candidato do PT, Patrus Ananias. Esperava receber o Ministério da Agricultura, mas o deputado Antonio Andrade (PMDB-MG) ficou com a pasta. A medida tornou o deputado mineiro mais sensível à articulação da CPI. Oficialmente, o líder do PMDB afirmou que liberaria os parlamentares para assinar da forma como quisessem, mas negou envolvimento no pedido de abertura da comissão.

Segundo pessoas ligadas à vice-presidência, foi por conta da insurgência durante a MP dos Portos e também do pedido de CPI para a Petrobras que o tempo esquentou no Palácio do Planalto. A irritação da presidenta Dilma Rousseff com Eduardo Cunha seria irreversível. No entanto, a dificuldade da presidenta de fazer andar a agenda pós-manifestações de junho de fazer os últimos acontecimentos, tem levado Dilma a se reunir mais com os líderes, inclusive o peemedebista, e a acatar conselhos dos seus ministros para tentar amenizar o clima.

No meio de todo esse debate, Cunha coleciona admiradores e desafetos. E segue mostrando, cada vez mais, suas garras e o poder que tem acumulado perante os colegas parlamentares. Conhece bem o regimento interno da Câmara e sabe como adiantar ou atrasar uma votação. “Foi nítido o crescimento dele enquanto articulador e negociador da bancada do PMDB nos últimos anos. Ninguém se iluda: Eduardo Cunha pode ser mais agressivo que o esperado em suas colocações e perseverante na defesa de matérias do seu interesse, mas por trás dele está o Michel Temer (vice-presidente, PMDB-SP)”, avalia um peemedebista histórico. Mas também setores dentro PMDB preocupados em contê-lo, pelo fato de aparentar ser “maior do que deveria”, diz um deputado da própria legenda.

“Apesar de se fazer de afoito, ele sabe exatamente onde pisa e é o escolhido pelos caciques do partido para fazer o papel de malvado enquanto os demais fazem o jogo de aliados e não tão aliados no momento em que lhes é conveniente. Além de tudo, é bastante ativo no trabalho parlamentar e tem uma capacidade de liderança quando toma o microfone no plenário que dá inveja. Gostaríamos que os líderes do governo e do PT tivessem parte do seu carisma”, observa um parlamentar petista.

Uma parlamentar do PSB chegou a afirmar que Eduardo Cunha estaria para o PMDB como “o Sérgio Motta estaria para o governo do Fernando Henrique Cardoso: sempre a postos para fazer o serviço sujo e dizer o que todos querem que seja dito”. Sem mencionar Cunha propriamente, mas numa forma de defendê-lo indiretamente, o ex-deputado e ex-ministro dos Transportes no governo FHC, Eliseu Padilha, chegou a dizer em entrevista que, atualmente, os parlamentares, de um modo geral, querem mais atenção do governo, porque querem “o prestígio” de entregar uma obra, mostrar serviço. “Querem o ônus e o bônus”, acentuou.

Alianças estaduais

Por trás da postura de Eduardo Cunha há três fatores importantes no cenário político. O primeiro: o PMDB reclamar ter pouco espaço no Executivo desde o início do governo. Ministros e integrantes de segundo escalão indicados, em conversas reservadas, queixam-se de que nunca foram tão pouco ouvidos ou tiveram tão pouco poder de influência, mesmo nas pastas que ocupam.

O segundo tem como pano de fundo as eleições para 2014. Repetindo o jogo já observado em eleições anteriores, sobretudo no governo FHC, o PMDB ainda não determinou de lado vai se posicionar, se continuará ou não a aliança com o PT. Pesam, sobre isso, principalmente, alianças políticas observadas nos estados. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem o imbróglio mais debatido entre a candidatura ao governo pelo senador Lindbergh Farias (PT) e o atual vice-governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

No Mato Grosso do Sul, enquanto o senador Delcídio Amaral já se proclama candidato pelo PT, o atual governador, André Puccinelli (PMDB), quer eleger seu sucessor Nelson Trad Filho (PMDB), ex-prefeito de Campo Grande. Há, ainda, sérias divisões no Ceará e no Paraná, onde os peemedebistas entre seguir os apoios orientados a partir do Planalto ou construir alianças em torno de candidatos do partido. Essa preocupação é observada, de diferentes formas, em outros 11 estados.

Neste jogo, pesa o poder do líder na Câmara por ter sido um dos arrecadadores de recursos para as últimas campanhas. Com impactos na tramitação de matérias legislativas de interesse segmentos do empresariado, como concessionárias de terminais portuários, empresas de internet e de telecomunicações. Cunha tem se saído bem na obtenção de doações de campanhas tidas como significativas para o PMDB, principalmente durante os pleitos de 2010 e 2012. “Ele tem ajudado o PMDB enquanto sigla. Com isso, conta com o aval dos parlamentares”, comentou um integrante da Fundação Ulysses Guimarães que trabalha ao lado de Eliseu Padilha – um dos principais aliados do líder.