Base aliada

‘Nós temos ministros, não temos ministérios’, queixa-se Eduardo Cunha

Líder do PMDB na Câmara tenta trazer 'reforço' para ficar 'mais solto' no plenário e faz da relação entre Planalto e base uma incógnita: 'Nada é tão ruim que não possa piorar'

Antonio Cruz/ABr

Dilma, entre Temer (à dir.) e Henrique Alves. O primeiro é interlocutor de Cunha; o segundo não confia muito nele

Brasília – Desde o início, Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara, causou preocupações e disse a que veio. Quando foi eleito líder do PMDB, em fevereiro, o deputado mostrou como seria a condução dos trabalhos desenvolvidos por ele a partir dali. Em seu primeiro discurso, enfatizou que o partido precisava “ser mais respeitado e participar mais do governo” e chamou a atenção para o Planalto quando acentuou que pretendia fazer um mandato como líder não só “para dentro” da bancada, mas também “para fora”.

Não são gratuitas as sensações de que haveria aí um sentimento de vingança pelo fato de o governo ter-lhe subtraído posições importantes na estatal de energia Furnas. Membro da chamada bancada evangélica, é sabida sua influência sobre o PSC e sobre a condução de um pastor conservador à Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, que acabou elegendo Marco Feliciano (PSC-SP). “Vocês acham que a gente briga para sair (do governo), mas nossa briga é para entrar, participar das políticas de governo. Hoje, não temos ministérios, temos ministros”, declarou Cunha, em entrevista ao jornal Correio Braziliense.

O líder peemedebista está no seu terceiro mandato como deputado federal. Economista, ele já foi presidente da Companhia de Telecomunicações do Rio de Janeiro (Telerj) e subsecretário e presidente da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro. Também presidiu duas comissões técnicas importantes na Câmara: a de Constituição e Justiça e a de Finanças e Tributação. Para analistas legislativos, o deputado reflete a insatisfação da base aliada do governo com a presidenta.

Cunha foi relator de matérias como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 50/2007, do Executivo, que prorrogava a Desvinculação de Receitas da União (DRU) – que permite ao governo o manejo de até 20% dos orçamentos das pastas – e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2011. Bem como a PEC 351/2009, que dispõe sobre uma nova forma para pagamento das decisões judiciais, os chamados precatórios. É, ainda, autor do substitutivo ao PL 5.598/2009, que regulamenta o direito constitucional de livre exercício de cultos religiosos (Lei Geral das Religiões) e do PL 1.545/2011, que tipifica crime de aborto praticado por médico.

Relações perigosas

A vida pública de Eduardo Cunha é composta por muitos meandros. Ele cresceu politicamente por meio de Anthony Garotinho, quando governador do Rio de Janeiro (1999-2002). Hoje, os dois são inimigos e costumam trocar farpas, enquanto Cunha é aliado de todas as horas do governador Sérgio Cabral. Antes de ocupar postos no governo de Garotinho no Rio, é lembrado por ter mantido negócios com Paulo César Farias (o PC), durante o governo Collor (1990-1992). Foi deputado estadual e, quando exerceu seu primeiro mandato federal, passou a ter atuação cada vez mais vinculada ao líder evangélico Francisco Silva. Aproximou-se de comunidades pentecostais da periferia e de municípios do interior do Rio, e ampliou o eleitorado.

Dentre suas atividades extraparlamentares destaca-se a influência que possui sobre fundos de pensão e estatais, como Furnas, e o fundo de previdência privada da entidade, o Real Grandeza. Também é exímio negociador da política de “toma lá dá cá”: em 2007, segundo colegas de partido, praticamente impôs o nome do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde para a presidência de Furnas e negociou a indicação com a relatoria do projeto para a prorrogação da CPMF. Chegou, inclusive, a só emitir parecer depois de ser confirmada a nomeação de Conde.

Em 2001, Eduardo Cunha foi investigado pela Controladoria-Geral da União (CGU) por indícios de que Furnas teria coberto prejuízos decorrentes de sua participação na construção da Usina Hidrelétrica de Serra do Facão, em parceria com a Companhia Energética Serra da Carioca II, cujos diretores seriam ligados ao deputado. O líder do PMDB também foi denunciado em 2003 por empresários do setor de combustíveis por usar a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara para pressionar dirigentes de companhias de petróleo.

Em 2010, foi acusado pela Polícia Federal pelo envolvimento em esquema de sonegação fiscal liderado pela Refinaria de Manguinhos, do empresário Rogério Andrade Magro – denúncia da qual foi inocentado há poucos dias por decisão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que considerou não existirem evidências de participação do parlamentar no caso. Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu abrir ação penal contra ele por suposto uso de documento falso na apresentação de defesa em processo do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Na ocasião, Cunha argumentou, por meio de seus advogados, que foi vítima “do malfeito de um estelionatário já condenado”.

É coberta de mistérios sua rede de relacionamentos. Além dos adversários declarados, como Garotinho, Chinaglia e José Guimarães, o líder do PMDB tem entre seus amigos o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA, irmão do ex-ministro Geddel Vieira), que sempre parte em sua defesa, o ex-presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), e o petista Cândido Vaccarezza (SP).

Ele, Michel Temer e Eliseu Padilha estão cada vez mais sintonizados dentro do PMDB – diz-se à boca pequena. Um grupo do qual os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e do Senado, Renan Calheiros, participam apenas quando consideram conveniente – uma vez que nenhum destes dois últimos confia totalmente no líder da legenda na Câmara.

O que está por vir

Dentre as bombas que vêm por aí (e que parlamentares e ministros trabalham para que não sejam detonadas) encontra-se a discussão do novo Código de Mineração na Câmara. Bem ao seu estilo, foi Cunha o responsável pela articulação que colocou o peemedebista Leonardo Quintão (MG) na relatoria, num gesto interpretado como mais uma afronta à presidente Dilma Rousseff – dado o empenho de Quintão na coleta de assinaturas para a CPI da Petrobras.

Outra articulação de Eduardo Cunha nos últimos dias tem sido tentar convencer o ex-ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, a se licenciar para dar lugar ao suplente Eliseu Padilha. O atual presidente da Fundação Ulysses Guimarães é tido pelo líder como peça importante. “Eu o tinha colocado no início para fazer uma parte de plenário e me deixar um pouco mais solto. Quando ele saiu, me desfalcou”, contou.

Afinado com o líder, o ex-ministro, ligadíssimo ao vice-presidente Michel Temer, é peça-chave para o trabalho dos próximos meses, caso retorne mesmo à Casa. Só não se sabe se conseguirá amenizar o clima entre PT e PMDB. Afinal, como o próprio líder chegou a afirmar durante a votação dos royalties para a Educação, “nada é tão ruim que não possa piorar”.

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