Entrevista

Fontana acusa manobra de Vaccarezza para ficar com coordenação da reforma política

Relator da última tentativa de reforma propõe consulta popular em novembro e afirma que siglas conservadoras, incluindo o PMDB, temem ouvir a sociedade sobre mudanças

Luis Macedo/Agência Câmara

Fontana diz que o PT precisa fazer a autocrítica e mudar rapidamente de postura

Porto Alegre – Ao que tudo indica esta semana será decisiva para confirmação do sepultamento ou não do plebiscito que pode mudar o sistema político do país nos próximos anos. Autor da última proposta de reforma política no Congresso Nacional, o deputado federal e vice-líder do governo Dilma, Henrique Fontana acredita que o setor conservador que luta para não ouvir a população poderá se surpreender com a força popular. “Se não fosse a pressão das ruas, o parlamento a esta altura estaria discutindo outro assunto. Ele já tinha arquivado o relatório da reforma política 12 semanas atrás. É importante as pessoas terem claro de como a sua mobilização tem força”, disse em entrevista ao Sul21.

Na conversa de uma hora com a equipe em sua casa, na zona rural de Porto Alegre, o deputado falou que existem líderes dispostos a fazer avançar o processo de construção do decreto legislativo que irá viabilizar o plebiscito. E o fiel da balança será o PMDB. “O PP, PTB, PPS, PR e o PMDB começaram a levantar argumentos contra o plebiscito. Mas existem lideranças individuais destes partidos que querem a reforma política”, alertou.

Henrique Fontana explica que o momento é conflituoso e mexe nas estruturas internas do próprio Partido dos Trabalhadores. Em véspera de eleições internas, a legenda está sofrendo o com o peso de ter se tornado um partido de disputa pragmática pelo poder como todos os outros que sempre combateu antes de se tornar governo. “Não podemos cair na visão de que o fato de termos governo tem que ir tradicionalizando a cultura política do PT. Não. Nós temos que mudar as coisas com urgência”, disse.

Ainda podemos contar com o plebiscito?

É algo muito impressionante como os setores conservadores temem a ideia de consultar a população. O plebiscito é uma ferramenta de democracia direta e o Brasil tem déficit no uso deste mecanismo. Fizemos muito poucos plebiscitos ao longo da história do país enquanto para outras democracias este processo de participação foi bastante usual. Aqui, há uma rápida tentativa de ideologizar o plebiscito. Inclusive com adjetivos que, quando vêm colocados por setores conservadores, vêm com um tom negativo. Se fala que é um plebiscito chavista.

Eu critico isso, porque o que eles chamam de chavista é positivo e já foi realizado no Uruguai, na Europa, nos Estados Unidos, além da Venezuela. Temos que compreender a finalidade do nosso plebiscito, que foi muito bem posto pela presidenta diante das circunstâncias que vivemos. Agora, uma parte do Congresso quer arquivá-lo, e outra, como eu e o PT, o PDT, o PSB, o PC do B e deputados de outros partidos querem fazê-lo. Faz 15 anos que se tenta votar a reforma política e não se consegue votar nada de estrutural no sentido do sistema político. É evidente que há um impasse. Esse impasse se dá por um conjunto de motivos, mas, no essencial é por que o perfil do parlamento eleito é o perfil do parlamento que se elege por essa regra e, portanto, tem uma postura extremamente conservadora.

Para enfrentar esse conservadorismo, a saída não era optar pela Constituinte? A presidenta Dilma optou por isso primeiro e depois recuou?

Os dois caminhos são positivos. A ideia de um congresso constituinte autorizado pela população para fazer a reforma política é constitucional e extremamente positivo para fazer uma reforma mais profunda. Mas, como esta ideia gerou uma forte reação, se optou pelo plebiscito. O objetivo da presidenta, assim como de muitos líderes do Congresso, é incentivar o processo de reforma política de modo que algumas regras se modifiquem já para a eleição de 2014. Para isso, ela resolveu sair da polêmica da constituinte exclusiva e ir para o plebiscito. Ainda assim, surge de parte de setores conservadores do Congresso a justificativa pública que não expressa a profundidade do ocorre dentro do parlamento, de não querer fazer o plebiscito. Quem não quer tem medo de uma mudança mais profunda do status quo do sistema político.

Mas quem são essas pessoas que não querem o plebiscito? O PMDB sinalizou isso claramente por meio do vice-presidente Michel Temer. É o PMDB?

É a maior parte desses partidos que compõem o centro e a direita no espectro político. O PP, PTB, PPS, PR e o PMDB. Eles começaram a levantar dois argumentos contra o plebiscito. O primeiro é que não daria tempo das mudanças incidirem para 2014 e o segundo que o tipo de pergunta a fazer seria complexo demais para que a população optasse. Eu contesto os dois argumentos. Se o resultado deste plebiscito determinar mudanças estruturais para a política brasileira que possam valer para 2014 será ótimo. Se essas mudanças só puderem ser colocadas em vigor em 2016 isso é muito bom também.

Dizer que a população não saberia responder é de um elitismo absurdo. A população que tem o direito de escolher inclusive o presidente da República, uma escolha bastante complexa, não pode responder se concorda ou não que as empresas continuem financiando campanhas eleitorais? Talvez, o povo opinar sobre as regras do sistema eleitoral seja um argumento mais saudável para querer impedir o plebiscito. Agora, tu perguntares para a população, por exemplo, se ela concorda ou não que empresas continuem financiando as eleições; se ela concorda ou não que as mulheres tenham a garantia de pelo menos um terço ou a metade das vagas, a população tem condições de decidir. E este ponto da participação feminina é necessário debater. Eu estou defendendo que a pergunta seja feita partindo do direito a 1/3, para que haja o que eu chamo de um realismo de transição.

O senhor defende qual opção sobre a participação das mulheres na política?

Hoje nós temos 513 deputados e apenas 51 mulheres, portanto, é evidente que devemos ampliar o espaço das mulheres no Parlamento. Eu proponho que a pergunta do plebiscito seja partindo de 1/3 das vagas.”O senhor concorda que 1/3 das vagas nos parlamentos municipais, estadual e federal sejam preenchidas por mulheres?” Não se trata de um terço de candidaturas. É um terço de vagas certas. Ou seja, se hoje são 51 mulheres, tu terias no mínimo mais de 170 com esta regra. Já triplicaria o número de mulheres. Temos que mudar aos poucos.

Que outras perguntas o senhor defende como necessárias ao plebiscito?

“Você concorda ou não que a população possa ter iniciativa de projetos de lei, emendas constitucionais, leis ordinárias ou lei complementar por meio de participação pela internet?” e “Você concorda que o líder eleito por um partido ao sair desse partido perca o mandato?” são duas perguntas que tratam de assinatura digital e fidelidade partidária. Outro exemplo: “Você concorda que deva ter um teto de gastos nas campanhas eleitorais e que este teto seja igual para candidatos disputando o mesmo cargo?”. Esta pergunta mexe no âmago da política. Portanto, ao fazermos um plebiscito nós vamos intensificar fortemente o debate sobre o sistema político do país que é a causa da perda de credibilidade dos políticos e do parlamento hoje. A sociedade tem que discutir isso. Não é um assunto para políticos ou jornalistas que cobrem a política decidirem. É um assunto para a sociedade como um todo.

A sociedade já está participando desta decisão, uma vez que foi às ruas protestar contra corrupção e exigir investimentos prioritários. O senhor imagina uma reação mais agressiva da população caso não ocorra o plebiscito?

Eu acho que vai haver uma grande disputa em torno do plebiscito. Aqueles que pensam que aquela reunião feita pelos líderes é o suficiente para sepultar o plebiscito estão enganados, no meu ponto de vista. A disposição da sociedade de promover uma mudança na política brasileira é muito forte. Aqui está a pesquisa da Fundação Perseu Abramo em que os partidos políticos aparecem com o menor nível de confiabilidade entre todas as instituições que foram pesquisadas. Entre igrejas, polícia, ONGs, movimentos populares, governo federal e movimento sindical, as três piores avaliações foram: partidos políticos, deputados e senadores e empresários.

Há um clamor muito claro de que nós precisamos mudar essa variável. Então, não tem como imaginar que a população não conseguirá votar o que quer no plebiscito. Os sindicatos, líderes políticos, partidos, intelectuais, veículos de comunicação, universidades vão estar debatendo o tema das perguntas nas mídias, bares, salas de aula, sindicatos. Irá se configurar um conjunto de informações muito qualificadas. Eu imagino uma data factível para o plebiscito e defendo que seja novembro deste ano. O que já combate outra tática dos conservadores que dizem que o plebiscito deve ocorrer junto com a eleição de 2014 para “economizar R$ 500 milhões”. Se eles tivessem toda essa preocupação com a situação econômica do país, ele deviam votar a reforma política com rapidez então. Nós estamos gastando bilhões nas campanhas eleitorais. A última campanha custou declarado R$ 4,8 bilhões. Ou seja, a última campanha custou 10 vezes o custo de um plebiscito. E tem os valores não declarados que duplicaria o valor real da campanha.

Então, eu sou do grupo que irá dizer NÃO para o financiamento das campanhas pelas empresas privadas. Eu não concordo. Este tipo de discussão sobre financiamento não pode ser feito com a população junto com os debates eleitorais para escolha de presidente, senadores, deputados e governadores. É preciso de tempo para esclarecer como funciona o sistema político hoje. Para mostrar quem são os 20 maiores financiadores da democracia brasileira. São as empresas conhecidas da população, a Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Friboi , Banco Alvorada, Queiroz Galvão Construtora, Construtora OAS, Banco BMG, Gerdau, Contac SA Engenharia, G Engenharia, Banco Itaú, Bradesco, Mendes Junior, Vale. Ou seja, a pergunta que nós queremos fazer para a sociedade é para ela refletir se ela acha que essas empresas contribuem com todos esses milhões por amor a democracia e a um conjunto de ideias ou para ter privilégios numa graduação que vai desde o privilégio institucional e legal até o privilégio que chega nos níveis da corrupção, do superfaturamento, da licitação dirigida, e outros.

A CUT queria que a paralisação de sexta-feira pressionasse pelo plebiscito da reforma política e a Força Sindical, não. Como unificar uma pressão das ruas pela reforma?

É, nesse aspecto a Força Sindical demonstrou conservadorismo. Porque uma central sindical não defender um plebiscito é uma posição que merece crítica. Então vai haver um embate. O embate está em curso na sociedade. Eu digo que tem alguns coveiros de plantão que se apressaram demais em fechar o caixão do plebiscito. Podem ter enterrado um morto-vivo e daqui a pouco ele vai sair do caixão. Porque, agora saindo da brincadeira e vindo para a linguagem política direta: eu acredito que os líderes que estão tentando enterrar o plebiscito não estão em sintonia com a maioria do povo brasileiro. Essa falta de sintonia aparecerá em algum momento. Se o parlamento brasileiro quiser chegar às eleições de 2014 com a mesma regra atual, sem fazer um plebiscito, ele vai sofrer uma crítica muito grande nas urnas no dia 7 de abril do ano que vem. Com mobilização social, fazendo perguntas responsáveis, chegamos ao plebiscito. O decreto legislativo está sendo negociado com PT, PCdoB, PSB e PDT, para depois procurar outros partidos.

Mas primeiro estamos acertando entre esses quatro e a ideia é que a gente comece a coletar assinaturas esta semana. Precisamos conseguir as 171 assinaturas de deputados para poder protocolar o decreto legislativo. Com este decreto legislativo na Câmara teremos que decidir se votaremos ou não. Nós (PT) vamos defender que ele seja votado em plenário.

Porque uma coisa é líder falar, outra coisa é cada um dos deputados derrotar o plebiscito dentro do plenário. Eu espero que todos os líderes, especialmente os jovens que estão mobilizando tão bem com essas ferramentas novas de redes sociais, ampliem a compreensão de que este conjunto de políticas públicas e também de melhorias em serviços privados podem ser alcançados com a mudança do sistema político. Porque a predominância de uma determinada hegemonia da mídia faz com que pareça que as pessoas estão na rua só para criticar os serviços públicos. Mas não, elas também estão na rua para reclamar que o celular cai a ligação de cada duas que tu faz, uma cai. E o telefone celular é um serviço privado. As pessoas também estão na rua porque os planos de saúde têm muitos limites. Este ambiente todo vai gerar uma pressão continuada sobre o parlamento que é eficaz.  Se não fosse essa pressão, o parlamento a esta altura estaria discutindo outro assunto. Ele já tinha arquivado o relatório da reforma política 12 semanas atrás. É importante as pessoas terem claro de como a sua mobilização tem força. Alguns vão ir agora para este grupo de trabalho para “amorcegar” a reforma, outros com disposição de fazer destravar, como é o meu caso.

O senhor foi cotado para coordenar o grupo que irá elaborar o plebiscito.

Mas estou enfrentando uma turbulência. A bancada do PT por unanimidade me indicou para esse grupo. Mas um deputado do PT, que é o (Cândido) Vaccarezza, articulou a indicação dele direto com o presidente da casa (Henrique Alves), que o nomeou presidente do grupo de trabalho na quinta-feira (11). Isso gerou uma crise grande no parlamento. Eu disse que se o presidente fizesse uma nomeação de caráter pessoal, desrespeitando a decisão da bancada do PT, eu não participaria do grupo de trabalho. Então isso está em aberto agora. A instalação do grupo foi suspensa e estamos fazendo várias reuniões. Devemos decidir isso esta semana.

Confira a íntegra da entrevista no Sul21.

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