Análise

Governo tem de escolher para quem quer governar

Professor da Federal do Rio afirma que os tempos de 'Brasil Para Todos' já passaram

São Paulo – Apesar dos incríveis avanços econômicos e sociais que o Brasil passou nos últimos dez anos, o povo quer mais. Sem o fantasma do desemprego rondando, renda em ascensão e aumento do consumo, a população quer agora saúde, educação e transporte de qualidade, quer, enfim, serviços públicos melhores.

Este é o grande recado das manifestações que tomaram conta do Brasil em junho, na visão do professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele participou dos debates sobre análise de conjuntura, que abriram o segundo dia da Conferência Nacional dos Bancários, neste sábado (20), em São Paulo

João Sicsú disse que o governo Lula assumiu o país, em 2003, com o slogan “Brasil para todos”. “Este roteiro levou a ações que garantiram avanços em todas as áreas”, diz, acrescentando que a política econômica do governo, acertada e necessária, expandiu o crédito, que dobrou de tamanho, conseguiu uma drástica redução do desemprego – passando de 12,3%, em 2013, para menos de 5%, em 2010 – e ampliou o consumo.

O resultado foram reflexos sociais significativos, com geração de emprego, valorização do salário mínimo, manutenção da inflação sob controle e organização das contas públicas. “Deu quase tudo certo! Pois, para fazer esse tipo de política não é necessário nenhum enfrentamento. Cria-se um ciclo em que não se coloca em conflito o trabalho e o capital”, destacou.

Para Sicsú, o governo precisa, agora, deixar o slogan de lado e escolher para quem quer governar. “Precisa partir para o enfrentamento. Se queremos um sistema de saúde melhor, precisamos enfrentar o lobby dos médicos e das grandes corporações. Se queremos uma reforma política, precisamos enfrentar deputados, senadores, bancos, mídia. Se queremos uma reforma agrária, precisamos enfrentar os ruralistas. Isso vai desagradar os mais poderosos e ricos, mas vamos conseguir avançar em vários pontos que foram colocados pela população nas manifestações de junho”.

“Chegamos em um momento em que os próprios trabalhadores perceberam que querem participar amplamente da vida social de suas cidades, não apenas como consumidores; querem acesso ao serviços e equipamentos públicos de qualidade, como transporte, saúde, segurança, urbanidade – e que estão restritos a uma minoria”, apontou Sicsú, destacando que tal insatisfação é do conhecimento de todos, inclusive dos governantes.

O professor acredita que esta insatisfação da população manifestada nos protestos era de conhecimento do governo. “Mas os governantes não fizeram nada, justamente para evitar o confronto. Mas não adianta evitar o enfrentamento, os mais poderosos continuarão brigando pelos seus interesses. Basta ver que, no ano passado, o governo federal destinou R$ 500 milhões em verbas publicitárias para a TV Globo. E ela continua fazendo oposição ao governo. Imagine o grande avanço que teríamos na saúde se esta verba de meio bilhão de reais fosse investida na área”, disse.

Apesar da falta de enfrentamento, João Sicsú destacou que os avanços conquistados nos governos Lula e Dilma nos últimos dez anos devem ser valorizados. “O Brasil mudou muito e não só em relação ao governo FHC. Mudou muito em relação à história do Brasil”, finalizou.

Leia também

Últimas notícias