Caso Snowden

Governo e Congresso articulam resposta às denúncias de espionagem pelos EUA

Enquanto Dilma Rousseff promete acionar a ONU contra esquema da CIA, Planalto fecha com Câmara agilidade para votar marco civil da internet, e Senado pretende convocar autoridades

Zeca Ribeiro/Agência Câmara

O projeto de Molon que estabelece regras para a internet pulou para o centro da pauta

Brasília A notícia de que as comunicações do Brasil estariam sendo monitoradas pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), com uma base instalada em Brasília, pegou de surpresa governo e parlamentares neste começo de semana e mudou parte da agenda do Executivo e do Congresso para os próximos dias. A presidenta Dilma Rousseff pediu explicações ao governo norte-americano, deu início às apurações nos órgãos brasileiros e, conforme declarou, pretende interceder junto à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o caso.

A presidenta também disse que encaminhou pedido à União Internacional de Telecomunicações (UIT), em Genebra (Suíça), para aperfeiçoamento de legislações multilaterais referentes à segurança das telecomunicações entre os países.

No Senado, o tema dominou a pauta e a Comissão de Relações Exteriores tratará do assunto com técnicos a partir de hoje (9). Na Câmara dos Deputados, o empenho é para que volte a ser discutida a tramitação, em caráter mais célere, do projeto referente ao marco regulatório da internet. Desta vez, tido como prioridade para o governo. “O Brasil não vai concordar com nenhuma interferência dessa ordem, nem aqui nem em qualquer país, e já está investigando a denúncia. Nossa posição é clara e firme quanto a isso”, destacou a presidenta.

Veiculada no jornal O Globo, a notícia toma como base documento divulgado pelo ex-agente norte-americano Edward Snowden, segundo o qual os dados dos cidadãos brasileiros eram monitorados por meio de um programa secreto de vigilância eletrônica intitulado Prism. De acordo com Dilma Rousseff, a revisão no marco civil da internet vai ser importante, principalmente, para que seja estabelecida a obrigatoriedade do armazenamento destas informações no Brasil. Atualmente, dados do Google e de alguns provedores são armazenados fora do país.

Em relação à ONU, segundo Dilma Rousseff, o objetivo é apresentar proposta à comissão de Direitos Humanos da entidade lembrando preceitos como liberdade de expressão e da garantia dos direitos individuais.

Ontem, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, afirmou que a notícia não é correta. Ele participou de duas reuniões: a primeira com o chefe do Gabinete Institucional da Presidência, ministro José Elito. A segunda com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Conforme contou Paulo Bernardo, o embaixador confirmou que o governo norte-americano realmente monitora dados, como números de telefones, locais e horários das ligações feitas no Brasil, mas não o conteúdo destes telefonemas.

Shannon acrescentou, ainda, segundo o ministro, que não houve coleta de informações telefônicas no território brasileiro nem cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto dos Estados Unidos.“Ele negou, disse que nunca houve essa central de dados aqui e o governo dos Estados Unidos irá responder formalmente aos questionamentos feitos pelo Itamaraty sobre o assunto”, acentuou o ministro das Comunicações.

Bernardo pediu à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para verificar se empresas de telecomunicações sediadas no país chegaram a violar o sigilo de comunicação dos telefones. Em outra frente, a Polícia Federal vai instaurar inquérito para apurar o caso.

No Legislativo, o assunto foi objeto de discursos por parte de parlamentares de vários partidos e a Comissão de Relações Exteriores de Defesa Nacional vota hoje no Senadoa convocação do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, para discutir o tema, bem como de especialistas na área. A convocação é objeto de pedidos simultâneos de requerimentos feitos pelos senadores.

Na Câmara, o Executivo agiu rápido e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, teve uma reunião de emergência com o vice presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) no final da tarde. A ideia é acelerar de uma vez por todas o projeto de marco legal da internet. O projeto já foi alvo de cinco adiamentos, mesmo chegando a ser discutido no plenário da Casa. A base do governo deverá, no próximos dias, tentar incluir a matéria na agenda positiva de votações que estão sendo programadas para esta e a próxima semana. “A situação é grave e precisamos, conjuntamente, dar uma resposta pronta”, disse Ideli Salvati.

Embora a posição do governo de atuar em todas as instâncias para apurar o caso e tomar as providências necessárias tenha sido elogiada até mesmo por parlamentares da oposição, o clima tanto no Executivo como no Congresso foi de indignação com a possibilidade de monitoramento ter realmente acontecido. “Uma intromissão de tal porte, disfarçada, constitui-se numa ofensa desmedida contra um país que sempre se mostrou amigo, um aliado pronto a colaborar para o alcance de objetivos comuns e de maior amplitude”, reclamou o senador Rodrigo Rolemberg (PSB-DF).

‘Ultraje e insulto’

O senador Inácio Arruda (PC do B-CE) sugeriu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso. “Nem mesmo o Estado brasileiro tem autoridade para bisbilhotar a vida dos brasileiros sem o devido procedimento legal”, enfatizou. O senador Ruben Figueiró (PSDB-MS), por sua vez, afirmou que o episódio “precisa ser apurado e fere as relações diplomáticas e de amizade entre os dois países”. E Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) qualificou os fatos como “gravíssimos”. “Não há outra forma de me referir a essa atitude senão como um ultraje, um insulto ao Brasil. O povo brasileiro espera dos seus governantes e parlamentares uma resposta a altura”, salientou.

Além dessas movimentações nos órgãos do governo e no Congresso, a notícia causou estranhamento entre as empresas do setor. O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular Pessoal (SindiTelebrasil) divulgou que nenhuma prestadora de serviços de telecomunicações no país fornece informações que possam quebrar o sigilo dos seus usuários. As apurações e esclarecimentos sobre o tema terão continuidade ao longo da semana.

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