CDHM

‘Nós amamos o ser humano’, diz deputado do grupo de Feliciano na Câmara

Já os para parlamentares de PT e Psol afirmam que Comissão De Direitos Humanos, hoje dominada por religiosos, mostra que sua pauta é excludente e 'totalitária'

josé cruz/abr

Deputados Anderson Ferreira (ao fundo) e Marco Feliciano durante reunião da CDHM

São Paulo – “Quem entende de direitos humanos é o povo evangélico.” A opinião é do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), 3° vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, diante das críticas de parlamentares do PT e do Psol, segundo as quais a atual composição do colegiado é excludente e estimula o preconceito e a intolerância.

Ferreira faz parte do grupo de deputados de orientação evangélica que passou a dominar a CDHM com a eleição do pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) para sua presidência.

“Nós amamos o ser humano, amamos a vida, por isso somos contra o aborto. A questão do homossexual é mal colocada. Nós os recebemos nas igrejas, pregamos a transformação”, diz o deputado. “Para meus princípios e a minha formação (o homossexualismo) é pecado, porque está escrito na bíblia”, explica.

Desde o início dos trabalhos da atual composição, em março, a CDHM fez seis reuniões e seis audiências públicas, das quais a mais recente é a requerida pela deputada Keiko Ota (PSB-SP), na última quinta-feira (6), cuja pauta foi a criação do Dia Nacional do Perdão. A autora diz que a ideia é marcar uma data de combate os atos de intolerância e violência nas grandes cidades.

Além do requerimento sobre o Dia do Perdão, a CDHM discutiu a realização de audiências públicas sobre os “direitos do nascituro” – outra pauta ligada ao universo religioso, nesse caso uma ofensiva contra os movimentos que pedem a descriminalização do aborto. Também foram discutidos temas relativos aos catadores de material reciclável, aos quilombolas de Alcântara (MA) e à redução da maioridade penal, que deverá ser objeto de um seminário.

Para a deputada Érika Kokay (PT-DF), que se desligou da CDHM após o avanço conservador, os membros da comissão “estão buscando implementar uma pauta que é contra os direitos humanos”. Segundo ela, “eles fazem parte de uma articulação para a construção de um projeto de poder baseado num estado onde uns podem amar, outros não; uns têm direito, outros não. Tomaram a comissão para a construção desse projeto”.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ),outro dissidente da comissão, cita como exemplo desse “projeto de poder” a fala do deputado Feliciano na manifestação que reuniu cerca de 40 mil  evangélicos na Esplanada dos Ministérios na quarta-feira (5). Feliciano afirmou esperar que um dia o presidente da República seja saudado como porta voz  “do senhor Jesus”.

Segundo o IBGE, a população evangélica no Brasil é de 22,2%. “Eles têm de respeitar os outros 77% que não são evangélicos. As religiões de matriz africana são, hoje em dia, as mais discriminadas no país, assim como os homossexuais são discriminados pelas igrejas evangélicas”, diz Alencar.

Na opinião de Anderson Ferreira, que se diz “evangélico, mas não pastor”, a prioridade atual da CDHM é “atender os direitos humanos das minorias de fato”. Segundo ele, isso não ocorria antes.

O parlamentar afirma que “o movimento LGBT pautava todas as audiências públicas para tratar de um único assunto (o direito dos homossexuais)” e que “a comissão não existe para tratar de uma única minoria, mas sim de várias”.  “Por que não tratamos de assuntos como os índios, quem sofre de síndrome de down, que também são minorias?”

Chico Alencar diz que a bancada evangélica não tem um discurso coerente. “Esta semana apresentamos um requerimento à Mesa Diretora para criar uma comissão externa, para irmos ao Mato Grosso investigar a questão dos índios, e não apareceu ninguém da Comissão de Direitos Humanos. Infelizmente, essas comissões externas só são criadas por unanimidade partidária”, diz.

Para Érika Kokay, os membros da comissão e da bancada evangélica na Câmara não têm um projeto inclusivo, não pautam os direitos humanos ou de qualquer minoria.

“Pior, a pauta deles já se manifesta também em outros fóruns, como na Comissão de Finanças e Tributação, que aprovou o Estatuto do Nascituro”, diz. “Essa pauta faz parte da lógica de romper os direitos das mulheres, de assegurar um conceito de família etérea e abstrata, pois ignora que a família também é um palco de violência contra as crianças e as mulheres”.

Na visão de Érika, “ao fazer um discurso segundo o qual há seres humanos ‘amaldiçoados’, eles estão dizendo que há seres humanos menos humanos do que outros, rompendo a igualdade de direitos. Esse projeto de poder é fascista porque rompe a laicidade do estado”.

O deputado Anderson Ferreira não esconde sua opinião. “Nós temos um posicionamento. Eu sou contra o aborto, sou contra a legalização das drogas e contra o casamento das pessoas do mesmo sexo, porque eu vejo como inconstitucional”, declara. “A Constituição é clara: o casamento só pode ser feito de um homem com uma mulher, não existe terceiro sexo”, responde, diante do argumento de que a Carta de 1988 define que “todos são iguais perante a lei”. “A igreja nunca foi contra o homossexual, ela não concorda com a prática do homossexualismo”, explica.

O deputado do PR critica a postura dos parlamentares que, como Érika Kokay e Chico Alencar, entre outros, deixaram a comissão. “Se estivessem preocupados com direitos humanos, não abandonariam a comissão. Levariam o debate democrático”, diz Anderson Ferreira. “A bancada evangélica é composta de 70 parlamentares e a Câmara tem 513 parlamentares. Então, eu deixaria de ser deputado por ser minoria?”, questiona. “Eu não saí na gestão anterior da comissão, onde éramos minoria e eles tinham a presidência.”

Para Chico Alencar, porém, “o problema é que, na escolha do presidente da comissão, eles poderiam ter sinalizado que queriam o debate e o diálogo. Mas não fizeram isso, e escolheram uma figura representante da intolerância total, o Feliciano”.

A reportagem procurou o deputado Marco Feliciano, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

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