Na saúde, início da gestão Fernando Haddad é de ‘combate a incêndios’

Pautando-se por resolver gargalos do atendimento à saúde, prefeitura ainda não aprofundou temas como a revisão dos contratos das Organizações Sociais de Saúde

Filas e falta de especialistas estão entre os principais problemas encontrados na saúde pública paulistana (Paulo Pepe/arquivo RBA)

São Paulo – As iniciativas de diálogo têm sido marca do governo Fernando Haddad (PT). No entanto, ainda são poucos os avanços efetivos para retomada da gestão pública na saúde, conforme defendido durante a campanha eleitoral do prefeito de São Paulo. Demonstração disso é o tímido processo de revisão dos contratos das Organizações Sociais de Saúde, que gerem a maior parte das unidades do município.

Assuntos de maior complexidade parecem esperar um momento mais oportuno. Uma questão muito debatida no período eleitoral dizia respeito aos contratos da prefeitura com as OSSs. Existem denúncias e questionamentos por parte do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Município sobre a regularidade de várias contratações. Dentre os problemas estão o pagamento de procedimentos não realizados, a falta de fiscalização por parte do poder público e contratos com valores exorbitantes, entre outros.

Haddad prometeu revisar todos os convênios e avaliar a retomada do controle direto das unidades de saúde. Além disso, propunha uma reestruturação das carreiras no serviço público e a realização de concursos. Embora a Secretaria Municipal de Saúde tenha afirmado algumas vezes que o processo está em andamento, não houve nenhuma ação efetiva que demonstre a intenção de romper com o sistema de gestão indireta.

Para o coordenador do Fórum Popular de Saúde do Estado de São Paulo, Paulo Spina, o governo Haddad mantém o pensamento de gestão em saúde por um sistema de parcerias. “A prefeitura percebe que há problemas no modelo, mas tem optado por trocar uma organização por outra, como se a questão fosse somente de problemas de gerenciamento. Fica claro que não estão pensando a saúde com outro olhar, mas simplesmente como uma questão de distribuição de verba e administração”, critica Spina.

Um exemplo é o caso da Unidade de Atendimento a Dependentes (Unad), antigo Serviço de Atenção Integral ao Dependente Químico (Said), que era gerido pela OSS do Hospital Samaritano. O contrato de gestão, de aproximadamente R$ 18 milhões ao ano, foi alvo de denúncias por superfaturamento, ainda na administração Gilberto Kassab. A prefeitura realizou nova licitação e contratou a OSS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por pouco mais de R$ 11 milhões ao ano. No entanto, houve redução do quadro de funcionários e do tempo médio de internação dos dependentes.

Para o coordenador interino do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Carlos Lima, a prefeitura está no caminho certo, mas sofre as consequências das gestões anteriores. “Foram oito anos de desmonte da saúde pública, com grande parte da área entregue às OSSs sem fiscalização ou critério. O governo tem agido, como na demanda por exames, mas é um processo lento, porque são muitas coisas a analisar e tem as questões jurídicas”, avalia. Mesmo assim, o conselheiro está otimista. “Acredito que teremos avanços importantes agora, inclusive com o rompimento dessa lógica privatista e retomada da saúde realmente pública. É uma questão de tempo”, conclui.

Spina se diz preocupado com o recente anúncio da prefeitura de que daria incentivos à instalação de consultórios particulares na periferia. “Isso é uma forma de fortalecer ainda mais a rede privada, porque é mais dinheiro público injetado em um sistema que não é para todos”, avalia. Segundo a prefeitura, o objetivo é garantir atendimento privado a quem tem convênio médico, pois muitos trabalhadores têm o benefício e acabam buscando os hospitais públicos, por conta da distância que estão dos hospitais particulares. Com isso, o governo municipal espera reduzir a superlotação das unidades de pronto atendimento.

Sobre a demanda por atendimento hospitalar na cidade, outra promessa que deu bons sinais de resolução e estancou é a da construção de três hospitais. No começo de março, Haddad e o secretário da Saúde, José de Filippi Jr., estiveram em Parelheiros, no extremo sul da capital, analisando terrenos para a construção de um dos hospitais. O prefeito afirmou que até o fim daquele mês haveria definição do terreno e, também, que faria vistoria de terrenos da Brasilândia, na zona norte, logo em seguida. Porém, até agora, nenhuma das duas coisas foi realizada. Ainda não há perspectiva de prazos para o hospital da Vila Matilde, na zona leste da capital.

Avanços, por enquanto, apenas com a retomada de reuniões com conselheiros gestores de unidades de saúde, oitivas com a população, retomada das atividades do Conselho Municipal de Saúde, correção de problemas pontuais como falta de médicos e fila de exames. A retomada da atuação do controle social, aliás, foi uma das primeiras medidas de Haddad. 

Durante as gestões de José Serra (PSDB, de janeiro de 2005 a abril de 2006) e Kassab (PSD, ex-DEM, de abril de 2006 a dezembro de 2012), o Conselho Municipal de Saúde, formado por representantes dos usuários, de movimentos sociais e de trabalhadores, foi impedido de atuar. Não tinha acesso a documentos, contratos ou orçamentos e a verba destinada a seu funcionamento chegou a ser congelada. No mandato de José Serra, os conselheiros chegaram a ser impedidos de entrar na Secretaria de Saúde por policiais militares.

RBA publica uma série de reportagens sobre os primeiros 100 dias de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo. As mudanças nas relações políticas, as iniciativas e os problemas enfrentados em áreas fundamentais para o dia a dia dos moradores da cidade.

Carlos Lima, do CMS, comemora o respeito ao trabalho dos conselheiros. “Hoje o conselho está sendo respeitado, podendo realizar sua ação de controle social. Tem sempre um representante da secretaria nas reuniões, ouvindo e encaminhando as demandas. Logo nos primeiros dias do governo, o secretário Filippi nos procurou para conversar. Estamos, inclusive, começando as discussões sobre a realização de uma Conferência Municipal de Saúde. Além disso, a prefeitura tem tomado medidas importantes para resolver problemas imediatos”, destaca.

Essas providências seriam, por exemplo, o mutirão de consultas para as mulheres com o qual começou a funcionar no fim de março a Rede Hora Certa, que pretende agilizar a marcação e realização de exames e consultas com especialistas. Parte desta ação é a confirmação, por telefone, dos agendamentos. Com isso se pretende evitar que as pessoas esqueçam a consulta ou que continuem na fila de espera pacientes que já resolveram sua demanda por meio da rede particular. Segundo a prefeitura, Haddad herdou uma fila de 795 mil pessoas à espera de atendimento.

Outra ação desse tipo foi a extensão dos contratos com as organizações sociais para possibilitar a contratação de 320 médicos de diversas especialidades, a fim de suprir a demanda por profissionais nas unidades de saúde da cidade. Segundo a prefeitura, isso ocorrerá apenas até que se cumpram os procedimentos de conclusão de concurso público para o setor.

A Secretaria Municipal da Saúde não atendeu à reportagem.