Mobilidade tem perspectivas de avanço nos 100 dias da gestão Haddad

No entanto, especialistas afirmam que é essencial a implementação de um Plano de Mobilidade Urbana para efetivamente melhorar os deslocamentos pela cidade

Com longas filas, demora e lotação excessivas, transporte coletivo é um dos maiores gargalos da capital paulista (Foto: Danilo Ramos/arquivo RBA)

São Paulo – Área que apresenta problemas aparentemente impossíveis de resolver, a mobilidade urbana em São Paulo pode avançar na gestão do prefeito Fernando Haddad (PT). Especialistas consideram as metas apresentadas ao longo dos cem dias de gestão como factíveis e adequadas à priorização do transporte público. No entanto, eles ponderam que é preciso desestimular o uso do automóvel e melhorar as condições de deslocamento na cidade, e o caminho para isso passa pela construção de um plano de mobilidade urbana nos moldes do previsto pela legislação federal.

Esta semana, a Secretaria Municipal de Transportes apresentou os planos para a implementação de 147 quilômetros de corredores e 12 terminais na cidade. As obras terão início em janeiro de 2014 e término em junho de 2016, com custo estimado em R$ 6,1 bilhões e foco nas vias frequentemente congestionadas nas zonas sul e leste. O projeto prevê paradas a cada 500 metros, de preferência à esquerda das avenidas, com cobrança de passagens na plataforma de embarque, reforma de calçadas e implementação de ciclovias em paralelo.

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Outra medida para melhorar o deslocamento do transporte coletivo é a mudança nos itinerários de algumas linhas de ônibus. Ela parte da ideia de que se deve estabelecer sistemas de transporte de curta e longa distância, privilegiando os corredores para tráfego contínuo, contida nas diretrizes para licitação dos transportes públicos, apresentadas em março. Desse modo, algumas linhas de ônibus trariam os passageiros até os corredores e outras percorreriam toda sua extensão. A avaliação é de que o entra-e-sai de ônibus nos corredores interfere negativamente na velocidade desenvolvida.

O presidente do Instituto Mobilidade Verde, Lincoln Paiva, considera uma novidade positiva a admissão da existência de dois tipos de fluxo na cidade. “Nas licitações, há pedidos de estudo de demanda de curta e longa distância e cada uma delas é tratada de forma diferente. Claramente tem uma preocupação para lidar com esses fatores. É uma questão importante, que nunca foi tratada, por isso eu vejo com bons olhos. A cidade é dividida em curta e longa. Na primeira está a maioria das pessoas que dirigem automóvel. Se não há um projeto com foco nelas, dificilmente vai conseguir atraí-las para o transporte coletivo”, analisa.

A RBA publica uma série de reportagens sobre os primeiros 100 dias de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo. As mudanças nas relações políticas, as iniciativas e os problemas enfrentados em áreas fundamentais para o dia a dia dos moradores da cidade.

Uma das primeiras medidas da gestão Haddad visando a melhorar a condição do transporte coletivo é a restrição do tráfego de carros na região do largo Treze de Maio, na zona sul, que começou a valer no dia 29 de março. A determinação vale entre 5h e 10h, em determinadas vias, como a alameda Santo Amaro. São permitidos apenas ônibus, táxis e motocicletas nesse horário. Além disso, também houve alteração do sentido de várias outras vias. A medida, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), pretende melhorar o desempenho do transporte coletivo na região.

Para o coordenador do Grupo de Trabalho de Mobilidade Urbana da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, a administração está dando sinais de rompimento com a priorização dos carros. “A gestão está no caminho certo. A intervenção na região do largo Treze de Maio, proibindo o tráfego de automóveis, foi muito importante pois dobrou a velocidade dos ônibus. As propostas apresentadas no Plano de Metas estão no caminho da priorização da mobilidade do transporte público sobre os carros. Temos no plano os 150 quilômetros quilômetros de corredores de ônibus, 400 quilômetros de vias para bicicletas”, explica.

No entanto, Broinizi pondera que ações para melhorar o deslocamento dentro da cidade deixarão de ser meramente emergenciais quando a gestão se comprometer em desenvolver um Plano de Mobilidade Urbana para a capital. “É preciso fazer um bom estudo dos pontos de estrangulamento existentes na cidade e observar como a população se desloca para desenvolver estratégias que melhorem efetivamente a mobilidade da população na capital. Esse plano devia ter sido feito na gestão de Gilberto Kassab, quando foram destinados R$ 15 milhões para elaboração dele, mas nada foi feito. Acredito que o prefeito poderia aproveitar o momento da revisão do plano diretor para também desenvolver essa política”, defende.

As cidades com mais de 20 mil habitantes têm até janeiro de 2015 para elaborar um plano de mobilidade, conforme determina a Lei Federal 12.587 de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Sobre o plano de metas, Paiva, do Mobilidade Verde, acha que elas são factíveis. Mas pondera que a cidade precisa da eficiência do Metrô e que isso pode ser atingido com a transição para o BRT, um sistema de circulação segregado de ônibus de alta capacidade. Para que os atuais corredores tenham o grau de eficiência dos BRTs é preciso avançar ainda mais em sua implementação, com adoção de pagamento antecipado de tarifa e embarque no mesmo nível da rua, por exemplo. “Se você vai fazer corredor de ônibus o Plano de Metas tem um número limitado. E nem poderia ter tudo que a cidade precisa. Mas você tem de transformar o ônibus em um sistema mais rápido.” 

Outro setor que está satisfeito com o início da gestão são os cicloativistas. Em 22 de março, o prefeito se reuniu com os militantes para discutir os problemas que afetam os ciclistas na cidade, após o atropelamento do limpador de vidros David Santos de Sousa, que teve o braço amputado em acidente na avenida Paulista. Na ocasião, Haddad anunciou a liberação de mais verbas para construção de ciclovias e ciclofaixas na capital, e a elaboração de um plano de comunicação para promover a segurança de ciclistas, além de garantir um canal de diálogo entre eles, a Secretaria Municipal de Transportes e a CET.

Para o diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Thiago Benicchio, a gestão tem boas intenções e bons planos. “Temos bons sinais. Há uma consolidação dos projetos cicloviários que existiam, com a CET tomando-os como um conjunto de ações que devem ser realizadas. Há uma perspectiva de integração de ciclovias com os corredores de ônibus. O prefeito garantiu que fará uma campanha de educação no trânsito voltada para a convivência de ciclistas e motoristas no trânsito. Começa a haver um entendimento melhor, de quem está na gestão, quanto à bicicleta”, avalia.

Os entrevistados esperam uma superação do modelo exclusivista do carro na cidade, mas concordam que é um processo difícil. “Em qualquer cidade do mundo, você precisa criar politicas para diminuir o uso do automóvel e melhorar o transporte público. Muitas vezes a população não fica muito satisfeita, porque você precisa restringir o uso do carro”, avalia Paiva. “A prefeitura precisa buscar o apoio de quem será beneficiado pelas ações. O trânsito no largo Treze de Maio melhorou para os ônibus, mas uma parte da sociedade reage fortemente às reivindicações de quem usa carro”, conclui Benicchio.

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