Para Lula, crise na Europa reflete fraqueza política de seus governantes

Ex-premiê espanhol concorda com petista e avalia que é um erro confundir economia de mercado com sociedade de mercado; 'vivemos uma crise de governança'

Ex-socialistas, Lula e Felipe González (dir.) falaram a empresários e autoridades brasileiras e espanholas em SP (Foto: Avener Prado/Folhapress)

São Paulo – A crise pela qual passa a Europa é política – e não econômica – e está se intensificando devido à falta de líderes no velho continente. Para resolvê-la, os governantes deveriam abandonar soluções tecnocratas em favor da geração de mais consumidores. A avaliação é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou do seminário promovido hoje (26) na zona sul de São paulo pelo jornal Valor Econômico. Lula foi convidado para debater os “Novos Desafios da Sociedade” com o ex-presidente espanhol Felipe González. O evento, porém, acabou se transformando em um festival de críticas aos atuais presidentes e premiês europeus – que não conseguiram combater os efeitos da recessão, que já dura cinco anos.

“Na Europa temos uma crise de liderança política. Saímos de uma geração de grandes líderes, como a britânica Margaret Thatcher e o espanhol Felipe González, e agora temos uma geração que não estava preparada para tomar decisões políticas que pudessem enfrentar a crise”, disse Lula. À plateia composta de empresários e autoridades brasileiras, espanholas e mexicanas, ele afirmou que a “fraqueza dos governantes” europeus é a principal responsável pelos problemas enfrentados pelo continente – e, em especial, pelo grupo de países denominado PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, nas siglas em inglês.

“A crise grega, que teve repercussões em todo o mundo, poderia ter sido resolvida com um desembolso de US$ 10 bilhões em 2010, mas agora nem US$ 200 bilhões seriam suficientes”, anotou Lula. “Os atuais governos da Europa podem não ter sido responsáveis pelo inicio da crise, mas agora são corresponsáveis por sua continuidade, pois não tiveram a capacidade de resolvê-la.” O brasileiro criticou seus antigos pares no velho continente por terem terceirizado concessões governamentais a burocratas do mercado financeiro. “Político não pode ter medo de crise”, provocou, “político existe para resolver crise.”

Lula criticou as medidas de austeridade adotadas pelos países da zona do euro como forma de proteger o sistema financeiro, o que multiplicou os índices de desemprego, privatizações, redução de salários e corte de direitos sociais na região. “Estão exigindo que as pessoas empobreçam, percam o padrão de qualidade de vida que conquistaram nos anos 1960 e 1970 para só depois quem sabe enriquecer outra vez. Isso é falta de decisão política.”

Diálogo social

Em sua defesa da política sobre a economia, o ex-presidente lembrou que é cada vez mais importante respeitar os valores da democracia participativa – e criticou certos setores da imprensa que, ecoando analistas financeiros, criminalizam e rebaixam a importância da atividade política para a resolução de problemas. “Quero aproveitar que estou aqui a convite de um jornal para dizer que é um ledo engano negar a política. Se não há política, há o desastre”, opinou. “Precisamos fortalecer a democracia. E reincluir os setores sociais na tomada de decisões. Quando apenas os burocratas decidem, acontece o que está acontecendo.”

Segundo Lula, a crise só começou a atingir os países da América Latina por falta de decisões políticas dos governantes europeus. O petista reafirmou a tese que defendeu em 2008 – de que a recessão seria apenas uma “marolinha” para o Brasil – e disse que sua previsão apenas não se confirmou porque a Europa não conseguiu resolver seus problemas. “Cinco anos atrás, esperávamos que os governantes europeus iriam acabar com sua crise. Mas isso não aconteceu. E agora a crise está causando problemas para nós também.”

O ex-presidente acredita que, agora, a solução da crise passa pela ampliação do consumo – não com as mesmas pessoas consumindo mais, mas com a geração de novos consumidores. “Há milhões de pessoas para serem incluídas. Mais de US$ 9,5 trilhões já foram gastos para tentar contornar a crise”, contabilizou. “Se usassem apenas uma parte disso para investir em desenvolvimento, para investir em uma espécie de Bolsa Família global que beneficiasse as cerca de 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo, certamente não estaríamos vivendo essa situação.”

O ex-premiê espanhol Felipe González, que governou o país ibérico entre 1982 e 1996, concordou com as teses de Lula. Um dos principais representantes da social-democracia europeia, González analisa que existe “uma crise de representatividade e legitimidade” no continente. “Os governantes perderam sua autoridade. Estamos perdendo nosso estado de bem-estar social e isso não é inevitável”, pontuou. “Estamos confundindo a economia de mercado com uma sociedade de mercado. Só a política – e não o mercado – poderá redistribuir a renda investindo em educação e outros direitos sociais. Não é possível submeter o ser humano à economia.”