Vitória de ACM Neto em Salvador mostra rejeição a governo de Jaques Wagner

Prefeito eleito aborda trabalho do avô, mas nega que vá repetir os erros do passado e juntar-se a grupo que esteve ao lado do ex-governador

O tratamento dado pelo governador a duas greves ocorridas este ano foi motivo de desgaste (Foto: Wilson Dias. Agência Brasil)

Salvador – Confirmada no domingo (28) após uma campanha acirrada e tensa, a volta do “carlismo” à prefeitura de Salvador sintetizou a rejeição ao governo estadual de Jaques Wagner (PT). O deputado federal ACM Neto foi o único integrante do DEM a vencer uma capital, e não se tratou de um triunfo qualquer: trata-se do neto do ex-governador e ex-senador Antônio Carlos Magalhães, que bateu um candidato petista em uma eleição que marcou o fortalecimento do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nelson Pelegrino (PT) não conseguiu convencer a população de seu potencial de mudanças e perdeu sua quarta eleição na capital baiana, mesmo com o apoio de Lula e da presidenta Dilma Rousseff. 

Durante toda sua campanha, Pelegrino “colou” sua imagem às realizações do governo do estado, sinalizando ao eleitor que todos os cases de sucesso em nível estadual poderiam ser repetidos na cidade, ao passo que também havia contato direto com os entes federais para trazer investimentos, programas e apoios para a administração em Salvador.

A má avaliação do governo junto à população atualmente se deve, em especial, às duas greves ocorridas este ano no funcionalismo público da Bahia. Entre os policiais militares e os professores, as duas paralisações tiveram grandes impactos sociais e políticos que ajudaram a minar a candidatura de Pelegrino, conforme foi reconhecido pelo próprio candidato em seu discurso de derrota.

“Eu acho que ambos os movimentos tiveram influência no processo eleitoral, não tenho dúvidas disso. O que nos deixa triste é que nós temos uma trajetória de luta junto aos movimentos sociais e o candidato vencedor não tem nenhuma história. Ele se aproveitou da conjuntura e se beneficiou dela. Vamos ver agora como ele vai tratar os servidores”, disse o petista, de olhos marejados, após chegar ao seu comitê central para o anúncio aos jornalistas e militantes.

Por sua vez, o governador Wagner afirmou que o que derrotou Pelegrino desta vez não foi uma suposta influência negativa de sua parte, mas a associação da imagem do candidato do PT à administração do atual prefeito, João Henrique Carneiro (PP). “Tem problema da prefeitura atual de Salvador que, em muitos momentos, foi entendido como uma prefeitura nossa. Acharam que nós éramos os responsáveis”, avaliou o governador. Para ele, porém, a avaliação das eleições deste ano para o governo foi positiva, com 82% das prefeituras eleitas pela base de partidos.

Comemoração

Alheio às justificativas dos adversários derrotados, ACM Neto comemorou sua eleição no comitê central junto a apoios e eleitores, que reuniram uma multidão de cerca de 5 mil pessoas na avenida Vasco da Gama. No discurso da vitória, Neto homenageou o avô, o falecido senador Antônio Carlos Magalhães, e disse que este é o dia mais feliz de sua vida.

“Nesse dia eu não poderia me esquecer de alguém que não está mais entre nós, mas sei que onde quer que esteja, está tão feliz quanto cada um de nós. Aprendi com ele o amor a Bahia. Nesse momento, dedico a vitória ao senador Antônio Carlos”, discursou. Segundo ele, não será possível resolver todos os grandes problemas de Salvador da noite para o dia, mas que a população poderá contar com um administrador aplicado e que conversará com todos os possíveis apoios para conseguir o que é necessário para governar a cidade.

Logo após, ACM Neto prometeu que reunirá imediatamente uma série de apoios para serem usados imediatamente após sua posse, no dia 1º de janeiro. Ele revelou que fez uma ligação ao vice-presidente Michel Temer e que se encontrará com o peemedebista para fazer dele o “embaixador” de Salvador no plano federal. Além disso, o prefeito eleito afirmou que marcará um encontro com o governador Jaques Wagner para encerrar as rusgas de campanha e estabelecer com o gestor uma relação política em prol da capital.

Antônio Carlos Magalhães Neto tem 33 anos, é formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia e estava em seu terceiro mandato de deputado federal. Na Câmara, havia sido eleito em 2009 para o cargo de corregedor da Casa e foi diversas vezes lembrado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como um dos parlamentares mais influentes do parlamento, o que revelava seu bom trânsito entre colegas de diversas bancadas e partidos. Ele já havia concorrido à Prefeitura de Salvador em 2008, mas não conseguiu avançar ao 2º turno na oportunidade.

Renascimento

A eleição de ACM Neto em Salvador pode ser considerada como um “renascimento” duplo. Primeiro, é interpretada por uma série de analistas como um retorno do carlismo, aparentemente sepultado em 2006 quando da eleição de Jaques Wagner para o governo, em época em que o próprio ACM ainda estava vivo e viu desolado a derrota de seu candidato. Por último, representa o resgate do DEM, que de tão enfraquecido na Bahia tem apenas três deputados estaduais na atual legislatura, mas agora conta com o prefeito da 3ª maior cidade do país.

Apesar do discurso de que os carlistas voltarão ao poder, o próprio ACM Neto, apesar de sempre estar reverente ao avô, foi taxativo em negar ser seu “repetidor”. Em debates durante a campanha, quando era confrontado com a acusação, disse que não era possível debitar em sua conta os erros e excessos cometidos por ACM no passado político da Bahia. Segundo ele, trata-se de um político moderno e que tem como referência seu avô, mas irá desenvolver seu próprio estilo na política enquanto prefeito.

Além disso, não é possível fazer uma afirmação clara e direta de que as frentes carlistas voltariam a se reunir sob a batuta do prefeito eleito em Salvador. Atualmente, grandes personagens que fizeram parte do grupo de ACM no passado estão aliadas exatamente ao governo de Jaques Wagner. Alguns deles são o atual vice-governador, Otto Alencar, que também foi vice na época que o PFL governava o estado, e o deputado federal Marcos Medrado, um dos apoios mais marcantes e ferrenhos do ex-senador em boa parte de sua vida política.

A possibilidade de eleger Neto em Salvador era encarada como o principal movimento do partido no plano federal. Para poder ter a possibilidade de vencer na cidade, o DEM federal abriu mão de candidatura própria em São Paulo, de forma que, assim, José Serra (PSDB) foi o indicado no pleito paulistano para que os tucanos barrassem uma nova candidatura do ex-prefeito Antônio Imbassahy, que cedeu apoio a ACM Neto.

Com o triunfo do partido na capital, perdem força os boatos que davam conta de que uma derrota do candidato na capital baiana poderia ser a pá de cal no combalido partido. Após escândalos de corrupção, derrotas nas urnas na última eleição federal e estadual, o DEM consegue forças para iniciar, enfim, um processo de fortalecimento para tentar reconquistar o prestígio que perdeu desde que deixou de ser PFL.

Entretanto, ACM Neto não deverá ter vida fácil na Câmara de Vereadores. Dos 43 vereadores eleitos, menos de 20 estão ao seu lado após a somatória dos apoios do 2º turno. O partido aliado que mais elegeu vereadores foi o PTN, com seis representantes. Porém, o DEM “roubou” do PT um de seus tradicionais apoiadores: o PV, da vice-prefeita eleita Célia Sacramento, com dois novos vereadores. A base de Wagner e que apoiou Pelegrino tem a maioria na casa e deverá fazer oposição ferrenha durante os próximos quatro anos. Houve 51% de renovação nas cadeiras do parlamento local este ano. 

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