Analista político vê caminho fechado para José Serra em caso de derrota

Humberto Dantas avalia que Fernando Haddad conseguiu capitalizar vontade de mudança, que se somou a potencial do PT para impulsionar candidatura, favorita para vitória em São Paulo

São Paulo – Se confirmada no próximo domingo (28), a vitória de Fernando Haddad (PT) em São Paulo cria problemas para o PSDB para além do resultado das urnas. De um lado, o partido perde a maior capital do país, que hoje governa com o aliado Gilberto Kassab (PSD), para o maior rival, que almeja em 2014 chegar também ao Palácio dos Bandeirantes.

O caminho fica truncado também para aquele que, segundo as pesquisas, deve ser derrotado na cidade. Aos 70 anos, José Serra vem de um fracasso na disputa pelo Palácio do Planalto e alcançou um nível de rejeição que supera, em muito, o nível de votos que alcança. Para o cientista político Humberto Dantas, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o PSDB ganhou um problema ao não apostar na renovação e, Serra, ao se lançar a uma disputa tão complicada. 

“A questão é que não existe espaço para Serra dentro do PSDB. Salvo qualquer problema, de ordem muito expressiva, nada indica que Geraldo Alckmin não será candidato à reeleição em 2014. A lógica de José Serra concorrer a um eventual governo do estado faria sentido apenas em 2018. E não pode, no caso, passar por uma campanha em 2016 vitoriosa.”

Em entrevista à RBA, Dantas avalia que, mais que o prestígio de Lula e Dilma, a vontade de mudança e o forte capital eleitoral do PT em São Paulo conduziram Haddad à liderança nas pesquisas, que pode no domingo se traduzir na chegada à prefeitura.

Confira a seguir trechos da conversa.

Caso se confirme a eleição de Fernando Haddad em São Paulo, pode-se dizer que o PT sai como um dos grandes vencedores desta eleição? Qual sua avaliação sobre os partidos nesta disputa?

Alguns partidos saem fortes da eleição. Acho que o PSB é um deles, que conquista cidades importantes e ainda está prestes a conseguir algumas no segundo turno, com boas possibilidades em algumas delas. Fez algumas alianças interessantes, estratégicas no fim e deixou muito claro, tanto para o PT como para o PSDB, que ele pode vir a ter vida própria em 2014, o que acho pouco provável. Mas ele pode tanto para servir a um como para servir a outro. Isso reforça uma análise feita em 2010 de que o PSB seria um expressivo agente em 2014. 

Outro partido que sai fortalecido destas eleições é o partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que, apesar de muito provavelmente sair derrotado nas eleições em São Paulo, faz quase 500 prefeituras já na sua primeira eleição. Isso dá ao partido uma capilaridade que nem todo partido político considerado grande neste país tem. Não podemos desprezar o fato de que já na sua primeira eleição o PSB atingiu um nível de capilaridade bastante interessante. Apesar de não ter ideologia, como faz questão de afirmar seu presidente, e apesar de parecer ter um semblante muito mais de um catadão, o PSD sai com certa força desta eleição.

O PMDB, que apesar de ter muitas vezes prefeituras muito pequenas e de ter perdido espaço em termos de números de prefeituras relativamente a 2008, ainda é o único partido brasileiro que consegue superar a marca de mil prefeituras constadas num universo de 5.568. O PMDB também não pode ser desprezado. 

Por último, o PT. Se confirmada a vitória em São Paulo de Fernando Haddad, talvez tenha nessa conquista a mais relevante de todas elas. O partido volta a ocupar um espaço importantíssimo na capital que detém o maior colégio eleitoral do país, e isso certamente, por si só, fortalece o partido, lembrando que isso só fortalecia muito o DEM, com a saída de Kassab para a formação do PSD. Quando perdeu São Paulo, o DEM se enfraqueceu de forma expressiva. 

Falando ainda sobre o Kassab, o senhor mencionou a provável derrota dele em São Paulo. Apesar disso, como figura articuladora, de quem criou o PSD, e como quem pode estar na base aliada ao governo Dilma em 2013, ele sai num patamar bem diferente de José Serra (PSDB)? 

Como articulador político, o Kassab tem se fortalecido ao longo dos últimos anos. Não entendo o Kassab como um gênio extraordinário, como alguns gostam de pregar. Mas entendo que ele faz boas articulações com o seu partido, em que ele inclusive se empenhou de forma expressiva junto a outras lideranças para a criação, sendo acusado por parte do eleitorado paulistano de ter abandonado a cidade. 

Ainda não sabemos exatamente qual é o potencial de voto do prefeito de São Paulo depois de deixar a cidade numa condição que desagrada parte expressiva dos cidadãos, mas não podemos desprezá-lo como um indivíduo dotado de potencial para articulação política interessante. Acho que isso pode ser provado nas suas articulações. 

Desde o sujeito que se manteve fiel ao seu principal padrinho político em São Paulo, José Serra, até o sujeito que fez o vice na campanha de Marcio Pochmann do PT em Campinas, que brigou com grande parte das lideranças de seu partido para apoiar a candidatura do PT em Belo Horizonte, ou seja, o Kassab, a exemplo do PSB, é aquele que parece que neste momento ter um interesse especial em andar com um pé em cada canoa, do PT ou do PSDB. A grande questão é saber realmente em momentos mais estratégicos onde ele estará. 

Como avaliar o quadro neste momento para Serra e o futuro do partido em São Paulo em caso de derrota dele?

Há um problema sério para o PSDB resolver. O PSDB é um partido fundado em 1988 e desde então apresentou candidatos à prefeitura de São Paulo em todas as eleições. Venceu apenas em 2004 com José Serra e as pesquisas demonstram que muito provavelmente agora em 2012 ele será derrotado por Fernando Haddad. Desde 1988 pra cá, o PSDB só apresenta para os paulistanos três opções de candidatura. Então, ao longo da sua história inteira, só apresentou três possibilidades de voto. Duas eleições com Geraldo Alckmin, quatro com José Serra, e uma com Fábio Feldman em 1998, que sequer está no partido. Poderia ter sido uma tentativa de renovação, de inovação na década de 1990, mas que sequer prosperou. O PSDB talvez tenha que começar a se preparar para formar lideranças. Para 2014 não, no caso de São Paulo, porque é natural que o governador Alckmin, em termos políticos, se reapresente como uma alternativa à continuidade. Ele já está no poder, é natural que ele tente a reeleição. Mas o PSDB tem um sério problema para 2016 e 2018, que seria bastante razoável que se utilizasse do governo Alckmin para começar a construir essas lideranças, se não vencer com José Serra a eleição deste domingo. 

A esta altura fica mais fácil de dizer isso, mas foi um erro ter lançado o Serra e não apostar numa renovação, vendo a taxa de rejeição dele tão alta?

É uma taxa de rejeição muito pautada na própria administração da cidade, e naquele fato que tem sido lembrado bastante pelos seus adversários, de ter governado a cidade por pouco tempo. Nunca tinham governado a cidade, e quando chegam ao poder governam por apenas um ano e alguns meses. Talvez não tenha sido das melhores estratégias apostar naquela saída, apesar que o PSDB precisava de um nome forte para se manter no estado de São Paulo, que é um estado estratégico para as pretensões de qualquer partido no país. O PSDB teve de fazer uma escolha muito dura naquele momento, e essa escolha acabou aparecendo agora. Talvez fosse interessante, neste momento, uma vez que o partido não detinha o governo da cidade, apesar de ter muitos aliados no governo Kassab, e de o governo ser simpático à legenda tucana, talvez fosse interessante ter tentado alguma coisa. Principalmente porque as pesquisas, e isso não é de hoje, já mostravam algum grau de insatisfação dos munícipes com a atual gestão. Somado ao fato que essa gestão talvez tenha uma associação muito forte com a figura de José Serra, a sua rejeição atingiu índices que talvez o prejudique em eleições futuras, sobretudo a cargos majoritários que ele poderia disputar.

Dentro do PSDB,  imaginando que Aécio Neves também queira mais projeção, é Serra fica com a via impedida?

Uma das grandes críticas de parcelas do PSDB nacional é esta absoluta adesão do partido a políticos paulistas em tentativas de conquistar a Presidência da República. Nunca foi lançado um candidato do PSDB à Presidência que não tenha seu berço político em São Paulo. Mário Covas em 1989, Fernando Henrique em 1994 e 1998, Serra em 2002 e 2010, Geraldo Alckmin em 2006. Precisam começar a refletir se não é o momento de lançar um nome diferente, novo, uma liderança que venha de outro estado, e neste caso, se for esta a opção do PSDB, a figura de maior destaque dentro do partido hoje, é a figura do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, sem deixar de destacar a possibilidade de tantas outras possibilidades. Na década de 1990, por exemplo, começou a se falar muito na figura do Tasso Jereissati, que hoje se tornou uma figura menos relevante no partido por causa da derrota nas eleições de 2010. 

Geraldo Alckmin perdeu a prefeitura em 2008 e depois ganhou o governo do estado em 2010. Serra pode passar por uma recuperação desse tipo ou já há um desgaste atrelado a ele que dificulta esse tipo de reação?

Existe uma rejeição, e é dificílimo ganhar um governo do estado com tamanha rejeição na capital. A questão, no entanto, é que às vezes o eleitor separa uma coisa da outra, separa a capital do estado. Pode acontecer, claro que pode, mas precisaríamos fazer um estudo mais aprofundado para entender essa lógica. 

Mas a questão é que não existe espaço dentro do PSDB. Salvo qualquer problema, de ordem muito expressiva, nada indica que Geraldo Alckmin não será candidato à reeleição em 2014. A lógica de José Serra concorrer a um eventual governo do estado faria sentido apenas em 2018. E não pode, no caso, passar por uma campanha em 2016 vitoriosa. Acho que neste momento José Serra tem um problema na mão se vier efetivamente a perder para Fernando Haddad. Para um político como José Serra, tanto no prefeitura como no governo do estado, vão depender, no caso do governo do estado, de uma não-candidatura de Alckmin em 2014, o que é pouco provável, e de um governo Haddad catastrófico, se vitorioso.  Precisamos entender o que será do político José Serra, seja dentro do PSDB, seja dentro de outro partido que ele venha se filiar, o que acho pouco provável depois de uma trajetória importante dentro do PSDB. 

Quanto a Fernando Haddad, já é possível neste momento detectar quais foram os principais fatores que levaram à ascensão nas pesquisas?

No primeiro turno, Haddad atinge índices pouco abaixo dos atingidos pela ex-prefeita Marta Suplicy nas três eleições que disputou, exitosa em 2000, e nas derrotas de 2004 e 2008. Ele chega a atingir cerca de 28%. Nesse caso deixando claro que existe um recado da sociedade um recado da sociedade a uma possível adesão a novas vias na cidade de São Paulo. Seja pela via de Celso Russomanno (PRB), que atingiu 22%, seja pela adesão da candidatura de Gabriel Chalita (PMDB), que atingiu um percentual que não pode ser desprezado ou deixado de lado. Neste cenário, precisamos considerar que a sociedade paulistana apontava nas pesquisas que desejava mudança. Não à toa Haddad carrega consigo um lema de campanha que fala do novo, que bate muito nesta tecla. Mesmo dentro do PT ele é novo, em termos eleitorais principalmente. O primeiro grande fator capaz de explicar o sucesso de Haddad, caso ele venha a ser eleito prefeito de São Paulo, é essa questão de a sociedade buscar o novo. A segunda grande questão é que o PT tem na cidade de São Paulo um patrimônio eleitoral que não pode ser desprezado de maneira nenhuma. A despeito dos escândalos, das crises, o PT parece que neste caso foi capaz de se reinventar, de se recriar e de lançar na política brasileira um personagem que dificilmente em termos individuais seria atrelado à lógica dos escândalos, do mensalão e coisas do tipo. Essas duas características, na minha opinião, são as duas principais características. 

Eu não vejo, por exemplo, as figuras da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como fatores absolutamente determinantes para a eventual vitória de Fernando Haddad em São Paulo. Claro que são aspectos importantes e figuras relevantes, mas, se fossem o fator essencial, teriam conseguido eleger Marta Suplicy em 2008 com o pé nas costas, porque Lula era presidente da República, gozava de uma popularidade expressiva, tinha o poder na mão, vinha de uma reeleição. 

Acho que há valores internos, exclusivos da cidade que explicam melhor essa eventual vitória de Fernando Haddad do ex-presidente Lula. Deixando claro que Lula é um cabo eleitoral importante, mas precisamos colocar os agentes em seus determinados lugares, ele não foi tão determinante quanto às outras duas alternativas.

 

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